Rui Santos num dos programas 'Tempo Extra' |
«O polémico “caso dos emails” foi o principal tema do último programa “Tempo Extra” da SIC Notícias. Rui Santos defende que a influência do Benfica sobre as várias instituições do futebol é algo que vem de trás.»
Eu diria que depende dos dias mas, sim, há muitos anos que o Rui Santos fala na influência do SLB sobre as várias instituições do futebol.
Recuemos nove anos. Em 16-05-2008, numa crónica publicada no jornal Record, Rui Santos escreveu o seguinte:
«Acredito que o achamento de Cunha Leal foi o atalho encontrado para condicionar os excessos de Valentim Loureiro. Mas, nesta pretensa “nova era”, não faz sentido um jurista (seja ele qual for) pôr o seu “fundamentalismo clubístico” como instrumento manipulador de massas acríticas.
As cunhas desleais não honram o futebol nem os lugares, quando se percebe que o objectivo é prejudicar o FC Porto»
Valentim Loureiro, Cunha Leal e o poder na Liga de Clubes (entre 2002 e 2006) |
E uns dias depois, perante a reação indignada da “virgem ofendida”, Rui Santos voltou à carga e foi ainda mais claro:
«Cunhal Leal está indignado. Tem toda a razão para estar. Ele foi mandado para a Liga pelo presidente do Benfica para contrariar o poder do major. Convenhamos que é um grande azar, sobretudo quando quem o mandou para a Liga confessou, perante a estupefacção geral, que seria porventura mais importante ter alguém naquele organismo do que contratar bons jogadores.
O estigma não fui eu quem lho pus. Aceitou-o, porque sabe muito bem ao que foi e não se pode confessar enganado. Se não soubesse ao que ia e se cumprisse o seu dever de isenção, não teria autorizado a farsa que constituiu a marcação do Estoril-Benfica para o Algarve, na jornada 30 do campeonato de 2004-05, cujo desfecho foi decisivo para a atribuição do título nessa temporada.
A sua credibilidade morreu nesse momento. Quem consente um escândalo dessa natureza (embrulhado noutros escândalos da época), quem se cala perante uma situação potencialmente subversiva, inquinando a verdade desportiva, não tem um pingo de moral para vir falar agora, como especialista de coisa nenhuma, a não ser o de defender interesses de um só clube e de uma só cor, de qualquer tipo de regulamentos, numa clara manobra de visar o FC Porto.
As “criadas de servir” dos clubes são, também, na Liga ou na FPF, grandes responsáveis para o estado lamentável a que o futebol chegou.»
Para quem não sabe, ou já não se lembra, Cunha Leal é um ex-dirigente do SLB, tendo ocupado, entre 2002 e 2006, um dos lugares-chave da estrutura do futebol português – o de Diretor Executivo da Liga.
Durante esses anos foi, juntamente com João Rodrigues (antigo presidente da FPF, cargo que ocupou entre 1989 e 1992), uma das peças mais importantes no xadrez benfiquista, tendo sido decisivo no caso Ricardo Rocha e na aceitação da transferência do jogo Estoril x SLB para o estádio do Algarve.
Árbitros escolhidos por João Rodrigues |
Hoje pode parecer estranho mas, na altura, vivia-se na Liga o período de ouro da aliança entre o Boavista dos Loureiros (pai e filho) e o SLB de Luís Filipe Vieira, uma santa aliança forjada contra Pinto da Costa e contra o FC Porto, em que uma das primeiras vitimas foi José Guilherme Aguiar, o anterior diretor executivo da LPFP.
“Fui convidado por Valentim Loureiro, mas provavelmente por indicação do Benfica”
Cunha Leal, 2 junho de 2002
Em consequência da operação ‘Apito Dourado’, Cunha Leal substituiu o Major Valentim Loureiro na presidência da LPFP, com o beneplácito do presidente da Assembleia Geral da Liga, o também benfiquista Adriano Afonso.
Os e-mails divulgados abrangem as últimas quatro épocas (2013/14 a 2016/17), mas o “polvo encarnado” não nasceu em 2013. Na realidade, começou a ser criado muito antes, por alturas do início deste século. Daí para cá foi crescendo, com cada vez mais “tentáculos” e expandindo-se para todas as áreas do futebol português - Liga, órgãos de Disciplina e Justiça da FPF, delegados dos jogos, estruturas da arbitragem responsáveis pela nomeação e avaliação dos árbitros, observadores, APAF, etc.
A coisa atingiu tal dimensão e visibilidade, que o próprio Rui Santos, na parte final da época 2014/2015 (a célebre época do colinho), desabafou na SIC: “Não gosto de ver campeões forjados desta maneira”.
Época 2014/2015, Liga Real, Jornada 32 (fonte: SIC/Tempo Extra) |
A grande novidade dos e-mails não foi revelar que havia (há) uma vasta rede subterrânea a “trabalhar” em prol do SLB. Mesmo sem termos acesso às provas digitais/documentais que foram divulgadas nas últimas semanas (quer pelo FC Porto, quer pelo jornal Expresso), isso há muito tempo que era óbvio.
O grande mérito dos e-mails é, sim, identificar vários dos rostos da rede, identificar uma parte relevante das “criadas de servir”, revelar as ligações existentes (que envolvem os mais altos responsáveis do SLB) e mostrar o refinamento a que se chegou nos métodos adoptados. Tudo para se conseguir forjar um treta campeão.
Agora, compete à Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária dar continuidade e, a partir de indícios sérios de tráfico de influências, aprofundar a investigação a todos os “tentáculos” deste “polvo”. Haja vontade de o fazer.