Quem anda à chuva
sem guarda-chuva molha-se. Quem anda de guarda-chuva quando não chove, não se
molha mas o mais provável é que ganhe uma tendinite de pulso sem sentido. A
vida é um processo constante de adaptação. Há treinadores que têm muita
dificuldade em assumir essa realidade. Facilmente afirmam que cada jogo é um
jogo mas depois, na prática, quantas vezes não vimos repetir-se o mesmo guião
de uma equipa, jogando de uma mesma forma, se vê incapaz de superar rivais que
jogam de uma outra forma concreta? Não se trata nem de desenho táctico,
disposição de jogadores ou dos nomes dos futebolistas elegidos. Trata-se de
adaptar-se a uma realidade distinta da habitual e de procurar pontos favoráveis
para sair vencedor. Vila das Aves, Estoril (até ver) e Moreira de Cónegos
sairam mal todas pelo mesmo motivo e em alguns outros jogos o cenário podia ter
sido parecido (Santa Maria da Feira) porque o problema foi sempre o mesmo. Zero
adaptação.
Sérgio Conceição
tem feito milagres. É fácil esquecer isso quando levamos todo o ano à frente da
classificação mas ninguém, em Agosto, podia sequer sonhar com esse cenário. Era
dificil antecipar o pior ano do Benfica em largo periodo de tempo, um ano em
que só o Polvo lhes permite estar a dois pontos e não a doze. E era igualmente
dificil antecipar que o Sporitng, ainda que competitivo, fosse não aproveitar o
investimento realizado no mercado com dinheiro que ninguém sabe muito bem de
onde veio, tanto no que não teve de vender como no que acabou por contratar.
Face a essa realidade, e visto o plantel disponível, a liderança é um milagre e
Conceição o seu artifice. Nada a dizer a não ser aplaudir.
No entanto a
liderança lograda a partir de uma ideia de jogo muito concreta – que segue a
escola de Jorge Jesus ainda que, com o handicaap duplo de haver pior qualidade
individual da que este teve à disposição e a ausência do guarda-chuva arbitral
que deu tantas vitórias a esse -tem
esbarrado com dois problemas muito sérios. O primeiro, mais natural e evidente,
é o desgaste. Num plantel curto, onde jogam sempre os mesmos, é impossível em
Janeiro pressionar e recuperar o esférico com a mesma frescura que em Setembro
quando o modelo de jogo não assenta em descansar com a bola e sim na procura do
espaço.
Conceição começou
o ano com um verticalissimo 4-2-4 em que o meio campo exercicia uma tremenda
pressão sobre o rival, a dupla avançada roubava as primeiras bolas e a equipa,
recuperada a posse, verticalizava cada lance – seja pelas bandas laterais, seja
em passes em diagonal para as corridas de Aboubakar e Marega – e explorava, em
momentos de bloqueio, as bolas paradas (na Champions, onde há menos espaços,
foi um recursos fundamental). Esse modelo assentava nas caracteristicas muito
especiais de alguns jogadores – desde Danilo a Marega – e sobretudo no
entrosamento e estado de forma dos restantes. O Porto matava cedo os jogos e
esfolava depois, sem especular, levantando os fantasmas da NESificação
horizontal e temerosa que guardava o 1-0 como se fosse a virgindade de uma
donzela. Esse modelo, que Jesus implementou em Portugal com êxito – com ajuda
extra-desportiva de distintas naturezas – sempre encontrou um problema. Em
jogos em casa e contra rivais que saem a jogar haveria sempre forma de fazer o
modelo funcionar. Mas contra rivais que preferem estacionar o autocarro em
casa, em campos pequenos, relvados em más condições e onde o espaço não abunda,
os problemas da ideia de jogo eram evidentes. Jesus perdeu assim três
campeonatos – dois com o Benfica e um com o Sporting – cedendo empates em
deslocações onde a equipa era incapaz de fazer vingar o modelo, e ganhou outros
quantos quando os fieis amigos de negro vieram ao resgate para evitar
resultados mais embaraçosos. Resgaste que o FC Porto, já sabemos, não tem ao
seu serviço. Tanto não tem que começa sempre – ou devia – a pensar que o rival
já ganha por 1-0, seja por um golo mal anulado, um penalty por marcar ou uma
expulsão ou duas perdoadas pelo VARissimo de serviço. Nesse contexto, como
Vitor Pereira demonstrou, o FC Porto que era fiel ao 4-3-3, o modelo de jogo
que dominou quase vinte anos de futebol português, de 1996 a 2014, encontrava
melhores opções para esse cenário porque gerava maior controlo, maior jogo
interior e com ele encontrava forma de criar espaços onde este não existiam.
Essa é a
principal diferença e o principal problema da falta de adaptação de Conceição a
estes cenários. O seu Porto não procura criar o espaço, procura apenas explorar
o espaço. Se ele existe, o plano funciona, como tem sido evidente. Se não
existe, não há plano B mais do que se tem visto, cruzamentos laterais,
lançamentos bombeados para que o volume de homens gere o caos e do caos saiam
as oportunidades. Bolas para os avançados deixarem para o interior. Cruzamentos
que os extremos procuram surpreender ao segundo posto. Tudo sabendo que o rival
sempre vai ter a lógica vantagem númerica de quem defende com mais e com o
contorlo do espaço. Em nenhum momento se viu Conceição procurar outra coisa em
momentos de aperto e mesmo em Moreira de Cónegos quando decide mudar, em duas
ocasiões, o que faz primeiro é aplicar um 3-5-2 que dá as alas aos extremos mas
não gera nada de jogo interior porque se continua a insistir no cruzamento e na
segunda jogada; depois, ao lançar Sérgio Oliveira, não procurou gerar jogo
interior se não reforçar outro lançador de bolas altas. Em nenhum instante,
como nos restantes tropeções que geraram em empate, se tentou fazer “outra
coisa”. Que “outra coisa”?
É verdade que o
plantel do FC Porto tem pouco talento e, indismentivel, que a baixa de Danilo –
aliada à baixa de forma de outros jogadores chave (Aboubakar e Brahimi,
sobretudo) – não ajuda, mas ninguém pode dizer que não sabiamos ao que iamos. Em
lugar de insistir com um modelo que está em crise, Conceição devia ter
procurado gerar futebol mais apoiado, maior toque, maior procura dos espaços.
Provavelmente Oliver tenha feito o pior jogo em muito tempo mas não terá sido
mais porque o que se pedia de ele era contra-natura ao que pode dar? Não foi
Herrera desaproveitado como pivot quando é precisamente cubrindo todo o cambo
que faz com que a sua aportação resulte positiva? Não pedia ontem – e na Feira,
Aves ou Estoril – talvez um 4-3-3 que em posse se transformava, de facto num
2-1-4-3, com dois interiores gerando um fluxo constante de bolas interiores com
o apoio dos extremos (Oliver, Paulinho ou Herrera), para dois avançados
interiores (Marega/Aboubakar e Brahimi) e um avançado mais móvel (Soares)?
Sabendo que o rival não ia atacar e o campo era curto, porque não gerar superioridade
por dentro em vez de a procurar insistentemente por fora?
O problema não
são apenas os empates concedidos – a equipa continua invicta e gerou, em todos
esses jogos, oportunidades suficientes para ganhar (a fraca produção ofensiva
tendo em conta o volume gerado é outro dos grandes problemas deste Porto) e foi
prejudicado claramente em todos esses jogos – mas sim a sensação de que os
próximos duelos desta natureza resultem num cenário repetido já demasiadas
vezes. Conceição acertou em cheio com o plano A e potenciou muitos jogadores
para lá do seu nível mas em condições adversas as suas fraquezas ficam expostas
e o técnico parece não encontrar um antidoto, um plano B seja com outra forma
de jogar com os mesmos jogadores ou trocando cromos para procurar potenciar
outras situações. Se não for capaz de o fazer até Maio estes seguramente não
serão os últimos pontos fora concedidos. E seria um péssimo sinal que a
inadaptação fosse um dos condicionantes para vencer uma Liga a todos os títulos
merecida.