Calabote, Inocêncio – Faltava uma jornada para o fim do campeonato de 1958/59 e o FC Porto e o Benfica seguiam empatados na liderança do campeonato. Tendo empatado os dois jogos entre si, a diferença global de golos era decisiva e, nesse item, o FC Porto tinha uma vantagem de 4 golos. Tudo se ia decidir a 22 de Março de 1959, com o FC Porto a deslocar-se a casa do último classificado (o Torreense) e o Benfica a receber na Luz uma equipa do meio da tabela (a CUF).
Durante a semana que antecedeu o jogo, o Torreense transformou-se numa espécie de Benfica B, com os treinos a serem orientados por elementos dos encarnados, tendo-se chegado ao cúmulo de, durante o jogo, um treinador do Benfica – o argentino Valdivieso – se ter sentado no banco do Torreense. A muito custo o FC Porto venceu por 3-0, com os dois últimos golos a serem marcados nos minutos finais da partida.
No entanto, como nesse tempo não havia “sistema” mas valia tudo, os portistas tiveram de esperar quase quinze minutos após o fim do jogo para poderem festejar.
E porquê?
Em primeiro lugar, e apesar dos regulamentos dizerem que os jogos tinham de começar à mesma hora, o do Benfica começou com sete minutos de atraso; depois, porque na Luz se destacaram dois “artistas”: o guarda-redes da CUF – um tal de Gama (que nome tão apropriado!) – que, de tão “infeliz” nesse jogo, teve de ser substituído a pedido dos próprios colegas e, principalmente, o árbitro alentejano Inocêncio Calabote que, entre outras decisões incríveis, marcou três (!) penalties a favor do Benfica e prolongou o jogo por mais oito minutos. O Benfica ganhou por 7-1, mas não chegou (faltou mais um golo).
Manuel de Oliveira, que viria a ser um dos mais cotados treinadores portugueses, era na altura jogador da CUF. Em declarações ao jornal RECORD de 23/01/2006, não teve dúvidas em afirmar: “Estava tudo feito. Foram assinaladas três grandes penalidades contra nós e nenhuma delas existiu. (...) O jogo foi preparado muito antes (...) Para começar, o Benfica promoveu um atraso de 7 minutos para o recomeço do jogo e depois confirmou-se o momento mau pelo qual passava o nosso guarda-redes, Gama, que foi muito pressionado durante a semana por elementos ligados ao adversário. E a verdade é que ele não foi feliz. (...) O jogo obedeceu a um arranjo e, quanto a isso, não tenho a menor dúvida”.
Perante tamanho escândalo que, ao contrário do que era habitual, não foi possível abafar (graças à força política da família Mello, donos da CUF), o “inocente” Calabote foi irradiado em 11 de Outubro de 1959.
No entanto, até hoje perdura uma questão: se o árbitro foi irradiado por, supostamente, ter sido subornado, porque razão nada aconteceu a quem o subornou?
8 comentários:
Não foi Alfredo da Silva, falecido em 1942, mas sim o seu neto Jorge de Mello, o director da CUF que se insurgiu contra a arbitragem. Creio também que foi ele próprio que exigiu a substituição do guarda-redes António Gama (o qual, como treinador, foi responsável pela última subida do Boavista à 1ª divisão em 1968/69), tendo para tal ordenado que ele se fingisse lesionado (só o guarda-rdes podia, à época, ser subsituído, e mesmo esse só por lesão). Parabéns pelo magnífico post. Não pode deixar-se morrer ou reescrever a História.
A última questão é mesmo para responder? Não me digas que ainda não sabes a resposta. ;-)
Caro v.r.,
Muito obrigado pelo simpático comentário e, principalmente, pela correcção que aponta relativamente a Alfredo Silva (que já efectuei). No que diz respeito à substituição do guarda-redes da CUF, baseio-me nas declarações do seu companheiro de equipa, Manuel de Oliveira (será uma das futuras entradas deste dicionário).
Volte sempre.
Este é sem dúvida uma das páginas mais negras do futebol português que tantos benfiquistas evitam comentar, como por exemplo o António Pedro Vasconcelos.
Tanto quanto sei, o Calabote só foi irradiado por não ter escrito no relatório do jogo, que deu 8 minutos de descontos. Esta foi a explicação oficial e não o facto de ter sido subornado (que apesar de não ser oficial, é manifesto)
Boa noite,
O meu avô foi jogador e capitão de equipa da CUF (Orlando) e na altura de um dos penaltis viu o Águas fazer sinal ao Gama para onde iria rematar a bola... Ele fez sinal ao Gama para se deitar no chão e pedir substituição por lesão. Devo dizer que o Águas, anos depois, sempre que reencontrava o meu avô lhe dizia que ele lhe havia roubado o campeonato...
Cara Diana Santos, muito obrigado pelo seu testemunho.
Já agora, pode enviar-nos o nome completo do seu avô?
O nome completo do meu avô era Orlando Simões dos Santos. Ele faleceu em 1996, vitima de doença prolongada.
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