No último ‘Trio de Ataque’, quando se falava do que era o futebol português nas décadas anteriores ao 25 de Abril de 1974, António-Pedro Vasconcelos referiu que o clube do Regime tinha sido o Sporting e não o seu Benfica, dando como exemplos o nome de dois antigos presidentes leoninos na década de 50: Góis Mota e Casal-Ribeiro.
Se Góis Mota foi recentemente recordado, a propósito do triste episódio em que entrou de pistola em punho no balneário de um árbitro, quem foi Francisco Casal Ribeiro?
Casal-Ribeiro sucedeu a Góis Mota na presidência do Sporting. Sendo Administrador da CIDLA, foi também vereador da câmara municipal de Lisboa, deputado salazarista e a voz dos chamados ultras durante o marcelismo (ver ‘Políticos Portugueses da Ditadura Nacional e do Estado Novo (1926-1974)’, de José Adelino Maltez).
E o que era a CIDLA?
A SACOR – Sociedade Anónima Concessionária da Refinação de Petróleos foi criada em 1936 e quatro anos depois, em 1940, foi constituída a CIDLA – Combustíveis Industriais e Domésticos, com 51% de capitais da SACOR, destinada à venda e distribuição de GPL. A CIDLA manteve-se sozinha no mercado até 1960. Em 1958 desenvolveu-se o mercado de gases de petróleo liquefeitos, tendo a CIDLA lançado o Gazcidla (butano) e propacidla (propano). Em 15 de Abril de 1975, foram nacionalizadas a Sacor, Sonap, Petrosul e Cidla e em 1976 nasceu a Petrogal, resultante da fusão destas sociedades petrolíferas.
Qual a importância da CIDLA na teia de interesses e influências em que Casal-Ribeiro se movia?
O testemunho de Cecília Supico Pinto, sobre o Movimento Nacional Feminino, não deixa dúvidas: «Aqui, na rectaguarda, tínhamos uma secção de empregos, dirigida pela minha irmã, Teresa Lopes Alves, sobretudo para os militares que regressavam do Ultramar. Arranjámos n empregos, desde pilotos para a TAP até pessoas para a CIDLA, através do Francisco Casal-Ribeiro.»
A posição de Casal-Ribeiro como administrador da CIDLA não servia apenas para estreitar ligações com pessoas e grupos do Regime, era também usada como agência de empregos para atletas do Sporting. O exemplo de Armando Aldegalega é elucidativo, conforme refere o próprio site ‘Centenário do Sporting’:
«Armando Aldegalega tornou-se particularmente famoso pela sua longevidade, sempre com a camisola do Sporting vestida. (...) O desporto proporcionou-lhe a obtenção das antigas terceira e quarta classes (sem quais não podia começar a competir) e um emprego, na Cidla (actual Galp).»
As ligações de Francisco Casal Ribeiro ao Regime, e particularmente aos movimentos mais radicais, duraram até à revolução de 1974. Veja-se o que refere o blog ‘Legião Patriótica’ sobre os anos anteriores ao 25 de Abril de 1974:
«O Movimento Vanguardista (MV) foi talvez o mais importante grupo fascista ante-25 de Abril. Embora a sua existência não ultrapassasse 1971, o MV, desenvolveu uma cerrada e feroz oposição a Caetano e à sua política. (...) Até 1974, nenhum outro grupo fascista seria criado. Os quadros dos grupos anteriormente referidos agrupar-se-iam na Liga dos Antigos Graduados da Mocidade Portuguesa, dirigida por Luís de Avillez e Elmano Alves, e na Força Automóvel de Choque (dependente da Legião) comandada pelo então deputado “ultra” Francisco do Casal Ribeiro.»
Francisco Casal Ribeiro foi preso na Cidla, no dia 8 de Maio de 1974, e libertado da prisão da Trafaria em 17 de Agosto de 1974.
Perante tudo isto, não surpreende que Rui Oliveira e Costa praticamente não tenha reagido, quando António-Pedro Vasconcelos acusou o Sporting de ter sido o clube do Regime. Há alturas em que o silêncio é de ouro.
5 comentários:
Há alguma confusão nesse sacudir da água do capote entre benfiquistas e sportinguistas acerca de qual dos dois clubes seria o "clube do regime". Ora bem, o que se passou é que o Sporting era o clube com mais "figuras gradas" do Estado Novo à frente dos seus destinos mas, em contra-partida, o Benfica ganhou projecção internacional com os seus êxitos extra-muros e tornou-se também num símbolo prometedor para o regime em termos propagandísticos, e disso muito beneficiou.
No fundo, ambos eram de Lisboa, e no país centralista que somos (situação independente de regimes, como temos visto)ambos eram protegidos. Os outros (leia-se o FC Porto) eram meras ovelhas ranhosas...
Lembro-me , a título de exemplo, que os jogadores do FC Porto Lemos, Seninho e Chico Gordo, tiveram de cumprir o serviço militar em Angola com o suposto argumento de que, como de lá eram naturais, tinham de "defender a sua terra". Não me consta que o Eusébio tenha ido fazer a tropa para Moçambique...
Embora possa parecer, o meu objectivo não é sustentar a tese do APV de que o Benfica era anti-Regime e de que o Sporting é que beneficiou de todas as benesses.
Estes artigos servem para recordar factos e situações que ocorreram, que muita gente não conhecia (eu, por exemplo, não sabia que tinha existido um presidente do Sporting chamado Casal-Ribeiro, e que o mesmo era um pivot de uma enorme teia de influências).
O comentário do APV no último 'Trio de Ataque' foi o gatilho para a elaboração deste artigo mas, oportunamente, também conto fazer alguns sobre o Benfica.
Em momento algum pensei que você fizesse suas as palavras do APV, meu caro José Correia. Apenas tentei desmistificar esta escapatória benfiquista, aliás muito usual.
É comentário que vem 3 anos atrasado e nem sei se vai ser lido, mas dizer que Porto era parte das "ovelhas ranhosas e ignoradas pelo estado é esquecer quem patrocinou a construcao do Estádio das Antas com 3,000 contos dum custo total de 7,500. É querer passar a ideia de que o Benfica andava de brao dado com o regime quando na sua presidencia estavam homens abertamente anti-salazaristas. Esquecer Augusto Pires de Lima e deputados como Urgel Horta ou Fredrico Ulrich é a propaganda e o sacudir capota tao natural nas hostes portistas
Bom, o Engº José Frederico Ulrich era lisboeta e nada tinha a ver com o FCP.
Mas devo dizer que me cansam estas análises paroquiais: o FCP pouco ganhou durante longos anos essencialmente pela mesma razão que agora SLB e SCP pouco ganham: incompetência.
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