Há cerca de dois anos a Liga, a Federação, ou ambas (a precisão neste caso, não é fundamental) decidiram reduzir o número de clubes participantes nas duas divisões profissionais do futebol pátrio. A esta ingente e sábia medida não foi alheia a mão (bem visível) do Estado, numa clara violação da liberdade associativa “consagrada na Constituição da República” (expressão muito cara aos nossos políticos). Essa intromissão do poder político, perante a qual a FIFA, lamentavelmente, nem pestanejou, estribou-se no famigerado “estatuto de utilidade pública”, que a Federação se arriscaria a perder caso não obedecesse à suprema sabedoria governamental.
Até sou capaz de concordar que 18 clubes é um número excessivo para a qualidade do nosso campeonato e tamanho do país mas, a haver uma reformulação, deveria ter-se feito algo com pés e cabeça e que, de facto, contribuísse para o aumento da qualidade média do espectáculo, como, por exemplo, um modelo de tipo escocês ou suíço, com 10 ou 12 clubes, disputando-se quatro voltas, ou duas voltas completas e duas entre os clubes classificados, numa primeira fase, na metade superior da tabela, aplicando-se o mesmo aos que terminassem na metade inferior (é este o sistema escocês). Mas reduzir de 18 para 16 clubes não só não aumenta a qualidade (escuso-me a usar o termo “competitividade”, pois ele, etimologicamente, apenas significa uma competição renhida, independentemente da sua qualidade) como reduz as receitas dos clubes, ao privá-los de dois jogos em casa por época, enquanto que as despesas se mantêm.
Mas eu andava distraído, confesso, e não percebera qual o verdadeiro objectivo desta magna decisão: o regresso aos tempos dos campeonatos aos soluços, estirando-se pachorrentamente, qual Tejo pela lezíria em tempo ameno. Este campeonato vai apenas em meados de Outubro e vai agora completar duas interrupções de dois fins-de-semana cada, contando-se nelas o caricato caso do fim-de-semana a seguir ao jogo da selecção com a Dinamarca, no qual, pura e simplesmente, nem futebol houve, fosse Taça de Portugal ou fosse a Taça do Dr. Hermínio Loureiro.
Não ouvi em lado algum explicação para esse bizarro hiato, diga-se, mas ouvi vários lamentos da parte de treinadores e dirigentes, pelo que é legítimo um tipo perguntar-se de quem foi a paternidade da ideia e quais os seus objectivos. Os jogadores não jogam, o que lhes faz falta, e o público, o “respeitável” público, como diziam outrora as gentes do teatro (mais atentas ao interesse de quem lhes dava o sustento), que se lixe! Que vá passear ao domingo para os centros comerciais, ou para as hortas, como dantes era prática, e que nem ouse procurar entender os desígnios daqueles que tão eficientemente dirigem o luso jogo da bola. Ou então, que se deleitem a ver na SportTV o campeonato de Inglaterra, ou de Espanha, ou de Itália, se é futebol mesmo que querem ver.
A abstrusa calendarização tem agora, inclusivamente, a precoce aparição da Taça de Portugal, coisa que só costumava irromper entre os clubes do principal escalão lá para o Natal ou para os Reis, mas que agora surge bem antes ainda do São Martinho, talvez (confesso que não fui consultar o calendário de provas) para assim se acomodar num fim-de-semana a seguir às festas a Taça da Gerupiga, menina dos olhos do Dr. Loureiro (o Hermínio, claro).
O interesse de uma prova reside não apenas na sua qualidade e no seu possível equilíbrio, mas também na sua continuidade, a qual vai mantendo o público a ela preso. Do modo como o campeonato agora decorre, quando chega uma jornada o Zé da Bola já nem se lembra com quem jogou o seu clube na jornada anterior, já nem se lembra que lugar a equipa ocupa. Qualquer dia também deixa de lembrar-se de ir ao futebol. E nessa altura a interrupção poderá passar a ser ainda maior: de Janeiro a Dezembro, sem entediantes fins-de-semana com campeonato. Terão aí as grandes mentes que superiormente comandam a bola nacional atingido a perfeição.
6 comentários:
O calendário desta época é do mais absurdo que já vi. Só é superado pela estupidez do formato da taça da liga.
Já não dou para este peditório, que tanto comentei noutras alturas.
Apenas trago uma achega ao Alexandre sobre a "paternidade" e também a falta de responsabilidade de quem criou este fantasmagórico calendário.
Havia o comprometimento, na Liga, de ao aceitar-se a redução (de facto imposta pelo Governo e o actual sec. Estado do Desporto Laurentino Dias), avaliar-se o seu impacto ao fim de dois anos.
Tal como uma promessa política, no caso aceite e ratificada por Hermínio "Tasqueiro" Loureiro, não houve avaliação alguma. Nem se ouviu falar disso, ninguém puxou o assunto e a relapsa Imprensa do Regime não gosta de apoquentar o descanso dos maiorais.
Porquê esse silêncio.
Porque o novo taberneiro na Liga queria fazer a Taça da Cerveja e, assim, marcar o início do mandato.
Ora, para ter uma nova competição, era melhor retirar espaço ao campeonato que é a fonte de receitas dos clubes. O embuste da Taça da Liga criou-se com fundos e prémios de presença mas eram, obviamente, ilusórios.
A 1ª edição da Taça da Liga teve um figurino de competição irrealista e o Rio Ave, dos 20 mil euros de presença na 1ª eliminatória, gastou metade para ir jogar ao Algarve com o Portimonense. Perdeu, regressou a casa a penates e ficou pelo caminho na prova.
Ao contrário do the turk, eu aceito melhor este formato da Taça da Liga, com pequenos grupos na fase inicial. É mais compreensível e rentável para os clubes. E não apoquenta os maiorais.
Mas a questão inicial, o embuste do Hermínio, mantém-se. E eu acho que o campeonato a 18 devia manter-se. Há polémica que já se cria neste formato, imaginem a multiplicarem-se os jogos entre os grandes... E decerto com o público a refugiar-se na tv, porque se custa ir a Lisboa duas vezes, ir quatro (fora as taças) nem pensar. Creio que não se iria nenhuma vez e era bem feito.
Zé Luís disse: "Ao contrário do the turk, eu aceito melhor este formato da Taça da Liga, com pequenos grupos na fase inicial. É mais compreensível e rentável para os clubes. E não apoquenta os maiorais."
Mas muito menos emocionante. Esta competição não "apoquenta" mesmo os grandes. O "sorteio" garante que Porto, Sporting e slb não jogam entre si antes das meias finais, para além de na 3ª fase as 6 primeiras equipas da Bwin terem 2 jogos em casa e as restantes 6 apenas 1.
pois, the turk, mas a ideia era essa, após o desastre da época passada com porto eliminado e benfica salvo pelo liner e o sporting quase a ir à vida por penáltis.
Claro que nem tem emoção - diria que não tem utilidade.
Mas meteram a prova com calçadeira aproveitando a redução da I Liga.
Estava tudo pensado devidamente. Não vejo é benefício para o futebol, ainda que os pequenos clubes tenham mais receitas com estes jogos embora a maioria seja entre eles e pouco rendimento darão a não ser alguma competitividade entre si.
Turk disse: «Esta competição não "apoquenta" mesmo os grandes. O "sorteio" garante que Porto, Sporting e slb não jogam entre si antes das meias finais»
Não estou muito por dentro do calendário da Taça da Liga, mas a ideia com que fiquei é que, em termos da patrocinios, era importante garantir vários jogos na televisão envolvendo os três grandes.
Ou seja, a reorganização da prova obedeceu ao critério do dinheiro, nada mais.
Obrigado pelas suas dicas, Zé Luís.
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