A equipa base de 1955/56:
2º plano - Virgílio, Arcanjo, Monteiro da Costa, Cambalacho, Pedroto e Pinho
1º plano - Hernâni, Gastão, Jaburu, Teixeira e Perdigão
1º plano - Hernâni, Gastão, Jaburu, Teixeira e Perdigão
Jorge de Sousa Mattos, conhecido no futebol como Jaburu, chegou ao Porto com 22 anos, fortemente recomendado pelo seu treinador, Dorival Knippel (Yustrich) que dizia ter (Jaburu) "o futebol dentro dele, como Stradivarius tinha a música quando construiu os seus famosos violinos".
Pela minha parte, e a esta distância, já lá vão mais de 50 anos, o Jaburu era um jogador que gingava, sambava com a bola, gostava de trocar os olhos ao adversário, sabia fugir à colisão e adorava fazer umas perninhas ao defesa que o marcava. Não era um clássico, era um brasileiro com o futebol do novo mundo: cheio de gozo e de prazer. Como brasileiro de gema, adorava feijão, cheirava a caipirinha e estava sempre disponível para o bem-bom. Era voz corrente que frequentemente o Yustrich o ia buscar ao Tamariz (a mais antiga casa de diversão da cidade), o levava a casa e o obrigava a ir para a cama, para estar em condições mínimas para os treinos e os jogos que estavam na calha.
Jaburu era alto, algo desengonçado, desenvolvendo um ritmo muito rápido num curto espaço de tempo, o que lhe permitia fintar, enganar e passar facilmente os defesas contrários. Jogava bem com os pés e com a cabeça. Não era como Matateu, que era mais furão e jogava mais em força, um pouco aos repelões. Jaburu era um privilegiado: tinha dotes físicos e atléticos pouco comuns nos jogadores portugueses da época e rematava com grande violência, de meia distância. Recordo que Passos, defesa central do SCP, um jogador muito posicional e lento, só o travava jogando de forma súcia, que normalmente os árbitros não sancionavam com o devido rigor.
O jogo, nessa altura, era mais lento, mais duro (para não dizer violento), muito faltoso e com excessivas paragens. Não eram permitidas substituições e o crime de provocar lesões graves, compensava demasiadas vezes.
Yustrich ampara Miguel Arcanjo, Jaburu e Gastão seguem atrás
É muito difícil prever o comportamento de muitos jogadores famosos nessa altura, se jogassem com a intensidade que hoje é exigida. Tenho para mim que Jaburu seria enorme e, se devidamente enquadrado, um jogador fenomenal, que não chegou a ser por vícios que não conseguiu superar, apesar da mão pesada de Yustrich.
Em Outubro de 1958, em rota de colisão com Yustrich, Jaburu foi vendido a preço de ouro ao Celta de Vigo, por 950 mil pesetas, aparentemente, lesionado, porque o brasileiro não chegou a jogar um único minuto na equipa galega.
Jaburu ainda voltou a jogar em Portugal, no Leixões, em 1962 e 1963, mas era uma sombra do jogador que brilhara de azul e branco.
Regressou ao Brasil, foi engraxador à porta do Maracanã e morreu na miséria, na década de 80.
Jaburu foi um dos principais artífices do campeonato conquistado em 1955/56, depois de um largo jejum de 16 anos. Tínhamos uma equipa fantástica. Hernâni com Pedroto jogava por sinais, com Carlos Duarte de olhos fechados. Nessa época Jaburu fez 22 golos. Fizemos a dobradinha ao vencer o Torreense por 2-0, na final da Taça, com golos de Hernâni.
Estádio do Jamor, Final da Taça 1955/56
Um pouco à socapa, aproveito para relevar um jogador que muito admirei e que, um tanto injustamente, nem sempre entra nesse pequeno número de jogadores que da lei do esquecimento se libertaram. Refiro-me a Perdigão, um extremo de drible curto e sempre em progressão e com uma excepcional visão de jogo. Não era um jogador agressivo e geria bem o esforço. Não se esfarrapava, como na altura se dizia, mas era excepcional. Em miúdo, adorava vê-lo jogar.
Fernando Júlio Perdigão faleceu no dia 16/02/2007, em Aveiro, para onde regressou e fixou residência depois do 25 de Abril de 1974. Era um jogador fantástico: só uma vez foi internacional. Em função dessa maneira de estar anti-vedeta, nunca teve, a meu ver, o reconhecimento que mereceu, e ainda deveria merecer, pelo menos para os portistas.
Hernâni, Carlos Duarte (na foto ao lado) e Perdigão têm lugar muito particular no meu coração de portista. Com os dois primeiros pude ter uma muito breve e interessante conversa quando recebi a roseta de ouro.
De Perdigão, fez-se silêncio. Jaburu que jogava e rematava com os dois pés, cabeceava voando sobre os centrais, foi excepcional, mas tinha pouco tino e ao que consta era muito imaturo, quase uma criança. No eterno descanso, andará provavelmente bem acompanhado, a gingar ao ritmo do samba, a jogar bom futebol e a marcar muitos golos, tenho a certeza.
Nota: Este comentário foi suscitado por um artigo de António Tadeia, escrito n’ O Jogo em 27/03/2008.
10 comentários:
Obrigado Mário por mais esta pérola da nossa história.
«O Jaburu é uma das maiores aves da América do Sul (...) é uma ave de corpo robusto e chega a medir 1,15m de altura. (...) tem grande capacidade de voo, elevando-se a grandes altitudes. Quando descansa, na margem do rio ou lagoa, costuma ficar em uma só perna. Seu andar é deselegante e vagoroso.»
in www.saudeanimal.com.br/jaburu.htm
Jaburu, o "flecha negra", fez a sua estreia com a camisola do FC Porto no dia 25 de Setembro de 1955, no Estádio das Antas, contra o Belenenses. O jogo terminou empatado 1-1.
Em 1955/56, Jaburu marcou 22 dos 77 golos do FC Porto nesse campeonato.
«Em Outubro de 1958, em rota de colisão com Yustrich, Jaburu foi vendido a preço de ouro ao Celta de Vigo, por 950 mil pesetas, aparentemente, lesionado, porque o brasileiro não chegou a jogar um único minuto na equipa galega.»
Num site do Celta de Vigo:
«Na década dos cincuenta chegou ao club o brasileiro Jaburú procedente do Oporto. Fíxose un gran esforzo económico pra traelo e o dianteiro, que viña rodeado dunha aureola de prestixio e presuntamente unhas cualidades tremendas, centrou a atención de todolos afeccionados celtiñas.
Jaburú comezou mancado a tempada e non puido xogar os primeiros partidos, pero despues veu un partido e logo outro, e outro, e outro, e Jaburú, por distintas circunstancias, non entraba a formar parte do equipo. Unhas veces era outra inoportuna lesión, outras unha viaxe e outras decisión do técnico. Finalmente, o carioca abandonou Vigo sen tan se quera haber xogado un minuto.
Dicíase, que a miúdo ía a ata a ribeira de Bouzas a deleitar aos nenos da época (e aos non tan nenos) con un espectáculo dando toques co balón, ao máis puro estilo Ronaldinho.
Jaburú morrería, a finais dos oitenta, no esquecemento e a miseria. Nos seus últimos días, traballou de limpiabotas ás portas do gran estadio de Maracaná.»
in todocelta.com/2007/01/09/o-gran-jaburu/
Com tanto dinheiro que há no futebol, incluindo milhões em comissões para "parasitas", custa-me saber que o Jaburu morreu no Brasil na mais absoluta miséria.
Obrigado por esta partilha! É muito bom, saber de pequenos pedaços da história do nosso clube.
Jaburú, Perdigão, Carlos Duarte fazem parte dos nomes de que eu ouvia falar em miúdo como tendo sido, em anos não muito distantes, grandes jogadores do FCP. Já não vi jogar nenhum deles, mas também não sou do tempo do Eça nem do Camilo e não deixo de conhecer a sua obra!;-)
Quanto às tristes circunstâncias em que Jaburú viveu os seus últimos tempos, elas fazem-me lembrar outro desgraçado, o Malagueta, Serafim dos Anjos Mesquita Pedro, nosso extremo (ainda não havia "alas" e "flanqueadores")nos anos 60, que várias vezes pude ver de azul-branco e que me lembro ainda de ver actuar contra nós pelo Espinho na época de 1977/78. Morreu na miséria em Angola há uns anos. Não teria muito mais de 40 anos, creio.
Esta é a geração que eu nunca vi jogar mas de que sempre ouvi falar pois nasci em 56 - ano campeão...
De facto as conversas lá em casa focavam estes jogadores e foi com os seus nomes que me fui fazendo portista ouvindo o meu Pai e o meu Avô.
Esta é uma das primeiras equipas de que me lembro. Ainda os vi jogar em 1958-59. Carlos Duarte e Hernâni formavam uma dupla excelente. Concordo que Perdigão era também um grande jogador.
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