Equipa da URSS finalista do EURO 88, treinada por Lobanovsky e cuja base era o Dinamo Kiev
Na caminhada para Viena, depois de termos eliminado os campeões de Malta (Rabat Ajax), da Checoslováquia (Vitkovice) e da Dinamarca (Brondby), as meias-finais da Taça dos Campeões Europeus de 1986/87 afiguravam-se quase intransponíveis isto, claro está, se atendermos à valia dos três possíveis adversários que nos podiam sair em sorte: o campeão de Espanha (Real Madrid), o campeão da RFA (Bayern Munique) e o campeão da URSS e detentor da Taça das Taças (Dínamo Kiev).
Após o sorteio de Zurique, que colocou o Dínamo Kiev no caminho do FC Porto, a ‘Dragões’ escrevia o seguinte:
«Todos se lembram, certamente, do futebol de sonho que a selecção soviética patenteou no Mundial do México, levando inclusive alguns comentadores a considerar que tal futebol era já do próximo século. (...) Pode aliás dizer-se que, grosso modo, é a própria selecção da URSS que os “dragões” vão defrontar nos próximos dias 8 e 22 (...). É que, como é sabido, entre os 22 atletas que os soviéticos levaram ao México estavam nada mais nada menos que uma dúzia de elementos do Dínamo (...).
E quem não se recorda, também, da bela campanha do Dínamo na Taça das Taças da época transacta, concluída com um triunfo esclarecedor (3-0) sobre o Atlético de Madrid no encontro da final (...)»
in Revista Dragões nº 25, Abril de 1987
Equipa do Dínamo Kiev que venceu a Taça das Taças 1985/86, em 2 de Maio de 1986
O Dínamo Kiev era, de facto, uma autêntica máquina de jogar futebol treinada por Lobanovsky, que também era seleccionador da URSS.
Valery Vasilyevich Lobanovsky nasceu em 6 de Janeiro de 1939 e era um oficial de carreira do Exército Vermelho, que chegou ao posto de coronel. Daí que não surpreenda a disciplina que impunha aos jogadores das suas equipas. Mas como treinador Lobanovsky era muito mais que um “coronel” disciplinador. Ele seguia uma abordagem cientifica do treino e foi o primeiro treinador do Mundo a usar um computador para analisar as tácticas e o planeamento da equipa.
Os resultados começaram a ver-se logo em 1975, quando levou o Dínamo Kiev à vitória na Taça das Taças, derrotando na final os húngaros do Ferencváros, naquela que foi a primeira conquista de uma competição europeia por um clube da antiga União Soviética.
Contudo, para além da disciplina, preparação física e metodologia de treino altamente avançada para a época, que davam forma a colectivos fortíssimos, no Dinamo de 1986/87 também pontificavam vários jogadores acima da média.
Alexander Zavarov e Pavel Yakovenko (6º e 21º respectivamente na classificação da Bola de Ouro 1986) eram dois médios de classe mundial, a que se juntou a jovem estrela emergente Alexei Mikhailitchenko. Por estes três jogadores passava toda a organização de jogo da equipa ucraniana.
Oleg Blokhine era o nome mais sonante e, apesar de estar em final de carreira, mantinha a classe que fez dele em 1975, aos 22 anos, o Bola de Ouro com a maior votação de sempre (à frente de jogadores como Franz Beckenbauer ou Johan Cruyff).
Blokhine era um jogador rápido, de dribles curtos e com um enorme sentido de baliza.
Ao serviço do Dínamo Kiev, onde fez praticamente toda a sua carreira, disputou 432 jogos e marcou 211 golos, tendo conquistado 2 taças das taças, 8 campeonatos e 5 taças da URSS.
Na selecção soviética foi o jogador mais internacional de sempre – 112 jogos – e marcou 42 golos.
E havia ainda Igor Belanov, que era “apenas” o Bola de Ouro 1986. Sobre ele, o Dínamo Kiev e a Selecção da URSS, a revista France Football, promotora deste prestigiado prémio, escreveu o seguinte:
«En cette année 1986, Igor Belanov fut présent constamment sur tous les fronts. Il marqua de nombreux buts, gagna la Coupe des Coupes, brilla en Coupe du monde (trois buts contre la Belgique) et arracha le titre de champion d'URSS. Il ne fut, certes pas, tout seul à récolter tous ces lauriers, mais il ne vola pas sa part du jeu. Son Ballon d'Or, en fait, honora le jeu d'une équipe radieuse et inspirée, le Dynamo Kiev, conduite par un maître: Valeri Lobanovski. Il récompensa ceux qui cherchent et qui croient aux voies de l'inspiration. Il aurait tout aussi bien pu revenir à un autre joueur soviétique, Zavarov ou Yakovenko, ses coéquipiers en club, voire à Dassaev, son partenaire en sélection, tous les trois cités par le jury de France Football. (...)
Le triomphe d'Igor Belanov, s'il est aussi celui d'une sélection et d'un football soviétiques qui ont causé une petite révolution technique en 1986 (...)»
in France Football
Por tudo isto, não admira que a Selecção da União Soviética... perdão, o Dínamo Kiev fosse considerado a melhor equipa do Mundo e o adversário que todos queriam evitar.
A 1ª mão das meias-finais disputou-se no Estádio das Antas, a 8 de Abril de 1987, numa típica noite chuvosa do Porto.
FC Porto: Mlynarczyck, João Pinto, Lima Pereira, Celso, Eduardo Luís, André, Sousa, Jaime Magalhães, Vermelhinho, Gomes (cap.) e Futre
Substituições: Sousa por Juary (45); Jaime Magalhães por Madjer (81)
Suplentes não utilizados: Zé Beto, Inácio e Semedo
Dínamo Kiev: Tchanov, Baltacha, Bal, Kuznetsov, Demianenko (cap.), Yakovenko, Zavarov, Mikhailitchenko, Rats, Belanov e Blokhine
Substituições: Blokhine por Morozov (75); Belanov por Yevseyev (85)
O rebaixamento das Antas tinha sido concluído uns meses antes e, apesar da intempérie, o estádio estava quase cheio (ainda sem cadeiras deviam estar cerca de 75 mil pessoas).
Eu assisti ao jogo no novo 1º anel da Superior Norte, perto da bancada dos cativos, e aquilo que vi superou largamente as minhas melhores expectativas. O FC Porto, cujas exibições e resultados no campeonato estavam longe do que seria de esperar de uma equipa que era bi-campeã nacional (haveríamos de perder o titulo, e o sonho do Tri, para um sofrível SLB treinado por John Mortimore), fez uma exibição de luxo, na minha opinião a melhor dessa época, emperrando e vulgarizando a máquina futebolística soviética.
O intervalo chegou ainda com o resultado em branco, mas no início da 2ª parte, em apenas 10 minutos, o FC Porto marcou dois golos – Futre (49') e André (55', gp) – traduzindo no marcador a superioridade que vinha evidenciando no terreno.
Os dois golos do FC Porto neste jogo podem ser revistos no vídeo seguinte:
Quando o árbitro holandês, Jan Kaiser, mostrou o 2º cartão amarelo a Andrei Bal, ficando os ucranianos reduzidos a 10 unidades, a presença no Estádio do Prater pareceu, pela primeira vez, ao nosso alcance, mas aos 74 minutos Yakovenko haveria de deitar um balde de água fria nos encharcados adeptos portistas, quando reduziu para 1-2.
Daí e até ao final do jogo o 3º golo esteve à vista em três ocasiões, mas o fado que nos perseguia nas alturas decisivas não o permitiu e à saída do estádio eram poucos os portistas que acreditavam poder resistir 90 minutos ao inferno de Kiev, levando na bagagem uma vantagem tão curta (na altura o peso de jogar fora de casa era muito maior do que agora).
Duas semanas depois, a epopeia de Kiev haveria de ficar gravada a letras de ouro no historial do FC Porto, mas isso são outras estórias, quiçá futuros artigos.
P.S.1 O FC Porto 1986/87 tinha estrelas de nível mundial como o Futre e o Madjer, que faziam maravilhas com a bola e que perduram no imaginário dos portistas que tiveram a felicidade de os ver jogar. Mas deixem que vos diga que aquilo de que tenho mais saudades é de ver uma equipa formada por jogadores da estirpe e da raça do João Pinto, Lima Pereira, André, Jaime Magalhães, Gomes, entre outros, os quais, para além da sua inegável categoria, eram portistas e tinham orgulho em envergarem a gloriosa camisola azul-e-branca.
P.S.2 Valery Lobanovsky morreu de ataque cardíaco em 13 de Maio de 2002. A seguir à sua morte recebeu o titulo de herói da Ucrânia (a mais alta distinção do país) e o estádio do seu Dínamo Kiev foi renomeado Estádio Lobanovsky.
Em 2003, após o AC Milan ter ganho a Liga dos Campeões, Andrei Shevchenko voou para Kiev e colocou a sua medalha no monumento do seu antigo treinador.
8 comentários:
O Futre cansou-se mais a festejar o golo do que a jogar :) Bons tempos.
Uma das noites mais mágicas vividas no antigo estádio da Antas. E tantas foram nesses benditos anos de 1986 a 1988...
O que recordo com mais saudade? O ambiente único que então se vivia. A léguas daquilo que se vê hoje pelo Dragão onde tudo é tão artificial, a começar no insuportável "speaker".
Quanto à história dos 75 mil, confesso que tenho dúvidas. É bem verdade que era isso que os jornais da época sempre escreviam em dias de casa cheia mas duvido muito que alguma vez tivessem estado mais de 60 mil pessoas em qualquer jogo disputado nas saudosas Antas.
O jogo mais fantástico que vi do Dínamo foi uma final para a Taça das Taças (salvo o erro) em que bateu o Atlético de Madrid por 3-0.
Foi das exibições mais perfeitas em futebol de que tenho memória.
A única falha foi a quantidade de golos esbanjada pelo Dínamo.
Uma equipa fabulosa, tal como a da URSS, na altura. Vingar no Ocidente, em plena guerra fria, era só para os melhores.
Uma equipa do outro mundo, com futebol total. Era muito mais que músculo e boas rotinas. Os homens tinham talento e criatividade.
O FCP foi muito feliz na eliminatória, mas soube lutar para o merecer.
Depois do Ajax de 71-73 e do Liverpool de 75-77, o Dínamo de Kiev foi a melhor máquina de futebol nessa era de 86-88. A final da Taça das Taças de 1986 podia ter terminado com 8 ou 9-2, um compêndio de futebol.
No Mundial-86, a URSS apareceu com praticamente toda a equipa do Dínamo porque um mês antes o seleccionador foi substituído.
Era o que devia ter-se feito em 2004, mandar Scolari embora e pôr o Mourinho a dirigir o FC Porto no Europeu, sem Derlei e Alenichev, claro...
Ninguém teve coragem de o recomendar.
O FC Porto era sofrível no campeonato porque já estava concentrado na Taça dos Campeões. Até fiquei aliviado pela derrota nas Antas com o golo de Mário aos 120' nas meias-finais da Taça de Portugal, que dispensava um desempate em Alvalade. Tudo porque era só a Taça dos Campeões que importava para uma equipa que em 1984 tinha perdido de forma inglória a Taça das Taças.
De volta a Kiev, hoje quase todos os jogadores daquela equipa são treinadores na I Divisão ou nas selecções: Zavarov (Arsenal Kiev), Yakovenko (sub-21), Mykhaylichenko (selecção principal da Ucrânia), Demianenko foi campeão com o Dínamo , até o guarda-redes Chanov é treinador numa equipa local.
Aqueles jogadores eram modelos; hoje vejo as suas fotos e não os reconheço, estão gordos, balofos, pesados. Da disciplina espartana ao dolce fare niente do novo-riquismo das estrelas ucranianas.
Mas a memória daquele Dínamo é impagável. O de 1998-99, com Shevchenko a perder estupidamente o acesso à final para o Bayern (chegou a estar 3-1 e ficou 3-3 na 1ª mão), era muito bom, Lobanovskyi dizia que tinha em Sheva um jogador melhor do que Ronaldo.
Mas substituir jogadores como Zavarov e Belanov é praticamente impossível. E aquele Mykhaylichenko que em 1987 só tinha 20 anos?
Mas aquele FC Porto tornou-se, de facto, uma equipa de nível mundial.
É curioso que, sem ter visto o jogo na altura e a RTP não o ter transmitido, já vi o jogo todo na RTP Memória. Como é que uma exibição daquelas nem em diferido passou é algo que não lembrava ao diabo...
Quanto à lotaçao das Antas, nunca era oficial e neste âmbito ficou como máximo sempre a ordem das 60 mil pessoas em vários jogos. Mas muitos grandes jogos tiveram mais de 70 e 75 mil pessoas, com duas fiadas de adeptos em cada degrau em que muitas vezes tive de acomodar-me e era praticamente sair do sítio tal o aglomerado de gente.
Muito obrigado por este testemunho carregado de história e recordações!
Cumpz
Zé Luis disse: «É curioso que, sem ter visto o jogo na altura e a RTP não o ter transmitido, já vi o jogo todo na RTP Memória. Como é que uma exibição daquelas nem em diferido passou é algo que não lembrava ao diabo...»
16 depois, em Abril de 2003, já havia SIC, TVI e SportTv, e a meia-final FC Porto - Lazio também não foi transmitida.
Por coincidência, o FC Porto voltou a fazer uma exibição estrondosa e eu fui um dos milhares de adeptos que voltou a ter a felicidade de assistir ao vivo.
... mudaram as moscas, zé correia... os anos passam e o cheio continua nas tv's.
C disse:
Quanto à história dos 75 mil, confesso que tenho dúvidas. É bem verdade que era isso que os jornais da época sempre escreviam em dias de casa cheia mas duvido muito que alguma vez tivessem estado mais de 60 mil pessoas em qualquer jogo disputado nas saudosas Antas.
As Antas acabaram a sua vida com uma capacidade de quase 50000 lugares sentados, se pensarmos que sem cadeiras havia jogos com o pessoal de pé e em cada degrau formavam-se duas fileiras, não é difícil chegarmos aos 75-80 mil.
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