quarta-feira, 18 de março de 2009

O caso Calabote (IX)

I. A trajectória da bola e as decisões da FPF
II. A pouco inocente nomeação de Calabote
III. Os estágios das selecções em... Lisboa
IV. Treinador-adjunto do SLB no banco do Torreense
V. Deus deu o campeonato à melhor equipa
VI. Um Gama avermelhado na baliza da CUF
VII. Treinador do FC Porto comprometido com o SLB
VIII. Jornalistas de ‘A Bola’ lamentam título ganho pelo FC Porto

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IX. Atraso inicial, penalties e descontos

«(...) foi à custa de uma grande penalidade inexistente que os lisboetas conseguiram marcar o segundo tento. Cavém foi de facto obstruído (...) a falta só exigia livre indirecto. (...) Talvez por isso o sr. Inocêncio Calabote tenha tido tanto cuidado na apreciação das faltas dos cufistas evidenciando o propósito de, a ter que se enganar, o fizesse em relação à equipa que nada sofresse com a derrota. Assim podem anotar-se-lhe frequentes erros de julgamento, benefícios do infractor e, para culminar, aquele exorbitante "penalty" que deu o segundo golo dos encarnados
Guilhermino Rodrigues, Mundo Desportivo, 23/03/1959

No Benfica x CUF os encarnados beneficiaram de três penalties (!) e mesmo os jornais de Lisboa, claramente afectos ao SLB, não têm dúvidas que o 2º penálti foi uma invenção do árbitro.

«Regular comportamento no julgamento das faltas. Só não concordamos com a segunda grande penalidade. A falta existiu, na verdade, mas só por ter sido executada fora de tempo. E porque não vimos irregularidade, tratava-se, quanto a nós, de um livre indirecto.»
in Record

Alfredo Farinha (esse mesmo), escreveu o seguinte em ‘A Bola’: «Quanto aos penalties, não temos dúvida de que o primeiro e o terceiro existiram de facto; dúvidas temos, porém, quanto ao segundo, pois Cavém, ao que se nos afigurou, não foi derrubado por um adversário, antes foi ele próprio que se descontrolou e desequilibrou

Acerca do árbitro e das grandes penalidades, o treinador da CUF, Cândido Tavares (antigo guarda-redes do Benfica), diria no fim do jogo:
Árbitro??... Não houve árbitro!... Só estranho que o senhor Calabote não tivesse arranjado uma quarta grande penalidade, nos últimos minutos”.

A propósito das polémicas entre Benfica e FC Porto e, nomeadamente do caso Calabote, Carlos Pinhão (pai de Leonor Pinhão), escreveu o seguinte em ‘A Bola’, de 08/09/1990:
«Recorda-se a [celeuma] de 1959, quando os portistas, em Torres Vedras, tiveram de esperar largo tempo que, na Luz, chegasse ao fim um Benfica-Cuf cheio de penalties e… de minutos».

Outro jornalista de ‘A Bola’, Homero Serpa (pai do actual director, Vítor Serpa), escreveria:
«O árbitro era o Calabote – houve erros inaceitáveis na Luz, com uma sucessão de golos incríveis. O guarda-redes era o Gama, que seria substituído. Os jogadores do FC Porto ficaram no campo à espera que acabassem os golos na Luz».

Estes comentários de elementos históricos de ‘A Bola’, absolutamente insuspeitos de qualquer pingo de simpatia pelo FC Porto, são ilustrativos das anormalidades que se verificaram naquele Benfica x CUF.

De facto, para além dos três penalties, que foram muito contestados pelos jogadores e treinador da CUF, o desafio ficou também marcado pelo enorme desfasamento horário em relação ao jogo de Torres Vedras.

«Um golo marcado no último minuto por Teixeira valeu o Campeonato. Na Luz, por artes e manhas do pouco inocente Calabote, jogaram-se mais 12 minutos, mas em vão...»
in 'Glória e Vida de Três Gigantes', A BOLA

Vírgilio, jogador do FC Porto, afirmou o seguinte ao Jornal de Notícias:
Pensava em ganhar, mas nunca julguei que custasse tanto. E já agora, um segredo: quando soube que o Benfica entrara em campo mais tarde 10 minutos para saber do nosso resultado, confesso que desanimei e julguei tudo perdido! Sabe o que nos valeu? Termos marcado muito tarde o segundo e terceiro golos!

Relativamente a tudo o que se passou durante o jogo, importa salientar que não havia transmissões televisivas que ajudassem a escrutinar as decisões dos árbitros. Havia, isso sim, os relatos que a Emissora Nacional transmitia e as crónicas dos jornais publicadas nos dias seguintes.

«Nesse dia eu estava no Restelo a assistir ao Belenenses-Sporting. Acabou o jogo e, depois, fiquei a ouvir o que se passava no Benfica - CUF, pela rádio, ouvindo a reportagem de Artur Agostinho para a Emissora Nacional. E ele ia dizendo que passavam dois, quatro, seis minutos... quando o jogo acabou, passavam oito minutos da hora.»
Dr. Coelho da Fonseca, presidente da Comissão Central de Árbitros

Ignorando o relato da Emissora Nacional e agarrando-se às crónicas de alguns jornais, nomeadamente de ‘A Bola’ e do ‘Record’, há benfiquistas que alegam que o Calabote “só” deu quatro minutos de descontos, dizendo que a restante diferença entre o final dos dois jogos – 12 minutos! – se deve ao propositado atraso da entrada da equipa do SLB em campo, de forma a poderem beneficiar do conhecimento do resultado em Torres Vedras.
Neste raciocínio está implicito que o árbitro do jogo Torreense x FC Porto não deu nem um minuto de descontos (o que, neste contexto, também importa destacar).

Convém também salientar que ao contrário do que se passa agora, em que é habitual haver jogos com 3 ou 4 minutos de descontos (devido às instruções que os árbitros têm da FIFA), na altura isso era muito raro. Havia apenas uma substituição, não havia cartões amarelos e o guarda-redes podia passear com a bola na grande área, batendo-a no chão as vezes que entendesse. Tudo isto não era motivo para prolongar um jogo de futebol.

Para se ter uma ideia da polémica que os descontos causavam, em 1959 ainda se falava de um caso ocorrido três anos antes, em Fevereiro de 1956, num Lusitano de Évora x SLB da 18ª jornada da época 1955/56. Nesse desafio, o árbitro Jacques Matias permitiu que Ângelo marcasse o golo da vitória dos encarnados dois minutos para além da hora, ignorando por completo os sinais do seu fiscal de linha a indicar-lhe o final do tempo. Os benfiquistas marcaram e, então, sim, o árbitro de Setúbal deu o jogo por findo...

Mas voltando ao Benfica x CUF, para além dos 4 ou 5 minutos de descontos algo, repito, verdadeiramente excepcional para a época, o facto de haver benfiquistas que desvalorizam o atraso da entrada da sua equipa no relvado, feito de forma deliberada para daí tirar uma vantagem ilegítima (os regulamentos eram claros e diziam que os jogos tinham de começar à mesma hora), mostra a forma “ética”, “limpa” e “desportiva” como encaram o futebol. E depois ainda vêm falar dos outros...

(continua: As mentiras e irradiação de Calabote)

Fontes:
[1] ‘CSI – Calabote Scene Investigation’, Pobo do Norte, Maio de 2008
[2] 'Glória e Vida de Três Gigantes', A BOLA, 1995
[3] ‘Carta de Adriano Lima a Rui Moreira’, dragaodoente.blogspot.com, 2008


Fotos: fpf.pt

14 comentários:

Zé Luís disse...

Formaste um belíssimo, minucioso e muito circunstanciado dossié, caro Zé Correia. Sigo atento a tudo o que mexe, nem que seja até se comemorarem os 50 anos desta efeméride do Desporto português protagonizado pelos impolutos cavalheiros daqueles tempos.

Hugo M disse...

Mais um excelente capitulo desta exemplificativa novela sobre a ordem vigente noutros tempos.

Agradeço novamente o trabalho desenvolvido.

Sinceros Cumprimentos

J Reis disse...

Um Pulitzer para o Zé Correia!

grande abraço

Uminho1 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Uminho1 disse...

É um dossiê excelente, mas ao estarmos sempre a falar no Calabote que a maior parte das pessoas nem sabem quem foi, a não ser os mais "velhinhos" até parece que nos nos últimos não tem acontecido peripécias, digamos roubalheiras ainda piores do que essa. Há muitas mas parece que nós os portistas só sabemos atirar à cara dos benfiquistas o teias de aranha do Calabote.

Sinceramente este ano, eu já vi cenas piores que o Calabote, são como sempre branqueadas e o FC Porto não tem força suficiente nem na comunicação social nem na sua propria organização para fazer uma marcação cerrada caso após caso.Sai umas larachas e uns comunicados que ninguem entende e tudo fica por aí. Por acaso os 3 penaltis contra o Naval não nos fizeram falta, mas há coisa mais escandalosa do que não marcar três penaltis num jogo contra a mesma equipa e essa equipa até joga em casa?

José Correia disse...

Caro Uminho1, percebo e aceito a observação. Contudo, o episódio Calabote não é apenas um caso de arbitragem. É muito mais do que isso. Traduz todo um sistema que existia na altura. É isso que este conjunto de artigos recorda e procura ilustrar com nomes, datas, factos, citações e fotos.

Jorge disse...

O Jose Correia merece um dragao de ouro.
Excelentes artigos, alem de os deixares no blog poderias no fim po-los numa pdf para melhor circulacao.

nobigdeal disse...

direi mais, um mto bom trabalho de investigação a merecer publicação.

xandreazevedo disse...

Vou embarcar numa luta PELA VERDADE DA JUSTIÇA EM PORTUGAL (o outro sistema)
Foi provado que o Sr. Luís Filipe Vieira traficava cocaína nos pneus que vendia enquanto empresário dos mesmos. A denuncia foi feita pelo Senhor António Carlos Martins, antigo colaborador de Luís Filipe Vieira (eu conheço outro está escondido em maputo).A droga partia para países como Espanha, França, Alemanha, Holanda e Itália. Suspeita-se de contactos do actual presidente do SL Benfica com um cartel da Colômbia, transportando assim a droga em contentores que supostamente transportavam a borracha para os pneus. O caso esta entregue à justiça e neste momento é mais importante a FRUTA!!!
No Próximo episódio falaremos sobre falsa OPA.
Depois se acreditam que alguém enriquece 33 milhões de euros a vender pneus passarão de anormais e coitadinhos a ingénuos.Não esquecer do dinheiro dos diamantes e petróleo de angola...a filha do presidente anda a viajar muito por cá...hhhmmmmm
Tenho dito

guardabel disse...

Obrigado pela referência. Para quem quiser um pdf com o CSI:Calabote Scene Investigation, do Pobo do Norte, pode clicar aqui: http://www.fileden.com/files/2007/11/15/1586454/CSI_Calabote.pdf

José Correia disse...

Jorge disse...
«Excelentes artigos, alem de os deixares no blog poderias no fim po-los numa pdf para melhor circulacao.»

Sim, irei fazê-lo.

José Correia disse...

Pobo do Norte: o pobo mais forte disse...
«Obrigado pela referência.»

Não tens que agradecer.
Considero uma obrigação fazer referência às fontes que uso para a elaboração de artigos e procuro sempre fazê-lo (embora às vezes seja dificil).

J F C Castro disse...

Muito Obrigado por este Belo Trabalho de Investigação.

Unknown disse...

E no Torriense x fcp o que aconteceu? O fcp jogou contra 9, não?...