II. A pouco inocente nomeação de Calabote
III. Os estágios das selecções em... Lisboa
IV. Treinador-adjunto do SLB no banco do Torreense
V. Deus deu o campeonato à melhor equipa
VI. Um Gama avermelhado na baliza da CUF
VII. Treinador do FC Porto comprometido com o SLB
VIII. Jornalistas de ‘A Bola’ lamentam título ganho pelo FC Porto
IX. Atraso inicial, penalties e descontos
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X. As mentiras e irradiação de Calabote
«A Comissão Central de Árbitros decidiu pedir esclarecimentos ao árbitro sr. Inocêncio Calabote sobre certos passos do relatório do jogo Benfica-CUF (...). Naquele seu documento, o sr. Inocêncio teria declarado que o jogo principiou às 15h, terminado a primeira parte às 15:45h. No que respeita à segunda parte, concedeu dois minutos como compensação de tempo perdido, registando o fim do encontro às 16:42.»
Jornal de Notícias, 26/03/1959
«Finalmente o sr. Inocêncio Calabote respondeu ao questionário que a Comissão Central de Árbitros lhe enviou, solicitando esclarecimentos sobre a cronometragem do jogo Benfica-CUF, no qual o referido indivíduo interveio como juiz da partida.
O sr. Calabote limitou-se a dar uma resposta ultra-sintéctica, afirmando que no seu relógio eram precisamente 15 horas quando deu o início ao jogo. Isto é, confirmou as declarações que redigiu no boletim.»
Norte Desportivo, 09/04/1959
Quer no boletim oficial do jogo, quer na resposta ao questionário que a Comissão Central de Árbitros lhe enviou, Calabote afirmou: “O jogo principiou às 15h e a 1ª parte terminou às 15:45. A 2ª parte começou às 15:55 e terminou às 16:42 (dei 2 minutos de compensação)”.
Ora, facilmente se provou que o Inocêncio estava a mentir descaradamente. Havia testemunhas? Sim, milhares de pessoas que no campo das Covas (nome do campo do Torreense) tinham ficado cerca de 15 minutos à espera que terminasse o Benfica x CUF e centenas de milhares de pessoas, que acompanharam o relato dos dois jogos feito pela Emissora Nacional.
Sabendo que seria facilmente desmascarado, o que levou Calabote a mentir de forma tão flagrante no boletim oficial do jogo e, posteriormente, a insistir nessa mentira?
Quem é que Calabote procurou proteger, com o harakiri ético-desportivo que cometeu?
Uma das primeiras pessoas a desmascarar Inocêncio Calabote foi precisamente um dos seus fiscais de linha, o qual, no âmbito do processo disciplinar que foi instaurado, diria o seguinte:
«Faltariam aproximadamente dois minutos para as quinze horas quando entrou a equipa do Benfica. Havia numerosos fotógrafos dentro do campo para fotografar a equipa. Isto deu lugar a uma certa demora, tendo o árbitro procurado que os fotógrafos abandonassem o campo. Isto fez com que o jogo principiasse uns três minutos, aproximadamente, depois das quinze horas.»
Manuel Fortunato, fiscal de linha de Inocêncio Calabote
Em 12 de Outubro de 1959, o ‘Mundo Desportivo’ refere: «O árbitro Inocêncio Calabote, da Comissão Distrital de Évora, foi irradiado após conclusão do respectivo processo disciplinar».
Três dias depois (15/10/1959), em entrevista publicada no ‘Norte Desportivo’, o Dr. Coelho da Fonseca, Presidente da Comissão Central de Árbitros (CCA), afirma:
“é (...) um caso de ordem moral. Inocêncio Calabote fez uma coisa em campo, aliás controlada por toda a gente, e escreveu, precisamente, o contrário no boletim de jogo. Isto somado a uns tantos casos já passados com o referido árbitro levou-nos à decisão tomada.”
Saliento a referência a “tantos casos já passados com o referido árbitro”.
Em 7 de Novembro de 1959, ‘A Bola’ publicou uma outra entrevista do Dr. Coelho da Fonseca, em que este diz o seguinte:
“Como é do conhecimento público, esse jogo [Benfica-CUF] principiou cerca de dez minutos depois da hora marcada e teve um prolongamento de cinco ou seis minutos. Tanto o atraso como o prolongamento não constituem, em si mesmos, ínfima matéria de culpa. O erro do sr. Calabote consistiu em pretender convencer-nos, contra as evidências dos factos, de que principiara o encontro às 15h precisas e de que o prolongara por dois minutos apenas. É aqui, nesta atitude escudada e incompreensível, que o antigo árbitro eborense deixa de merecer a confiança do público e da CCA”.
Em 1991, 32 anos depois de ter sido irradiado, Calabote ainda não mostrava arrependimento pelos seus actos como árbitro, nem pelas mentiras despudoradas que disse e escreveu.
Numa entrevista que deu sobre o caso, o "inocente" Calabote afirmou:
«Na manhã seguinte, em Évora, preenchi o relatório do jogo, que mandei para a Comissão. Tinha assinalado três penaltis e expulsado três jogadores da CUF. Creio que não houve mais nada de especial a registar. (...)
Em 1958/59, a presidência da Comissão Central de Árbitros, por força da rotatividade do cargo ou de qualquer coisa no género, foi parar às mãos do Belenenses, então um dos quatro grandes, na pessoa do Dr. Coelho da Fonseca.
O presidente anterior veio a Évora avisar-me um belo dia: 'Você ponha-se a pau, que a Comissão que entrou vem com intenções de o irradiar', disse-me ele, o Gameiro Pereira. Queriam vingar-se.
Logo de seguida, depois do tal Benfica-CUF, alegando má-fé minha no preenchimento do relatório do jogo – que teria começado não sei quantos minutos depois da hora, que teria tido um intervalo maior que o devido e um prolongamento excessivo também –, o Dr. Coelho da Fonseca abriu-me um inquérito e não descansou enquanto não conseguiu que me fosse aplicada a pena de irradiação da arbitragem.
Ao fim de 22 anos de bons e leais serviços, conseguiram pôr-me na rua alegando um pretenso erro meu de cronometragem. E se escrevi no relatório que prolonguei a partida durante quatro ou cinco minutos foi porque entendi que o devia ter feito e porque foi esse o tempo que o meu relógio realmente marcou. E qual é o relógio que conta?»
Enfim, para o Inocêncio tudo absolutamente normal... e, provavelmente, naquele tempo até era...
"22 anos de bons e leais serviços"?
Sobre isto não tenho a mais pequena dúvida.
Relativamente à "rotatividade do cargo ou de qualquer coisa no género", afirmação de Calabote referindo-se à presidência da Comissão Central de Árbitros, vale a pena perceber quem eram e como é que estas coisas eram feitas.
Filipe Gameiro Pereira (o dirigente da arbitragem amigo de Inocêncio Calabote que o foi avisar a Évora...) era um ex-árbitro, filiado na Associação de Futebol de Lisboa, entre 1931 e 1950.
Filipe Gameiro Pereira nas filmagens do filme 'O Leão da Estrela'
De 1950 a 1953 foi secretário-geral da Comissão Central de Árbitros por nomeação da Federação Portuguesa de Futebol e, de seguida, foi presidente da mesma Comissão durante cinco anos nomeado pelo... Governo (Ministério da Educação)!
No número 14 do Boletim ‘O Árbitro’, referente ao mês de Agosto de 1958, Filipe Gameiro Pereira escreveu um artigo no qual se despede do cargo de dirigente da Comissão Central de Árbitros, que exerceu durante oito anos.
Por curiosidade, nas Notícias Regionais do mesmo Boletim era destacada a palestra proferida pelo Tenente-Coronel Ribeiro dos Reis (lembram-se dele?) na Comissão Distrital de Árbitros de Lisboa. Eram todos amigos do peito…
No Boletim ‘O Árbitro’ Nº 15, referente ao mês de Setembro de 1958, é dado destaque à sucessão na presidência da Comissão Central de Árbitros, com a entrada de Coelho da Fonseca para o lugar de Filipe Gameiro Pereira.
José Coelho da Fonseca era um ex-Presidente do Belenenses (foi Presidente dos três órgãos do Clube, Assembleia Geral, Direcção e Conselho Fiscal) e, para além da presidência da Comissão Central de Árbitros, foi também Presidente da Associação de Futebol de Lisboa.
Percebem porque razão era quase impossível a um clube que não fosse da capital do Império ganhar o campeonato?
Inocêncio João Teixeira Calabote, árbitro da Comissão Distrital de Évora, foi considerado e premiado pela Comissão Central de Árbitros, «pelo Desporto e a Bem da Nação», como o melhor da época 1952/53.
Para premiar o "excelente" desempenho que tinha dentro de campo, Calabote foi indicado à FIFA como árbitro internacional em 1953/54 e 1956/57.
Numa entrevista concedida ao jornal A BOLA, em 26/03/1955, o presidente da Comissão Central de Árbitros da altura, o lisboeta Filipe Gameiro Pereira, referiu-se ao Inocêncio como «do melhor que tem passado pelo sector da arbitragem».
Enfim, foi com árbitros deste calibre, sempre devidamente premiados pelos dirigentes do BSB que rotativamente ocupavam os lugares na Comissão Central de Árbitros, que se escreveram quatro décadas da história do futebol português.
P.S. Hoje, 22 de Março de 2009, completam-se 50 anos desse tristemente célebre Benfica x CUF arbitrado por Inocêncio Calabote. Com a publicação deste artigo termino a viagem a um dos casos mais polémicos da história do futebol português (como lhe chamou o ‘Record’), o qual, conforme ficou evidente, é muito mais do que um mero caso de arbitragem.
Fontes:
[1] ‘CSI – Calabote Scene Investigation’, Pobo do Norte, Maio de 2008
[2] ‘Carta de Adriano Lima a Rui Moreira’, dragaodoente.blogspot.com, 2008
[3] Blog de Alberto Helder
Fotos: Record, Alberto Helder
7 comentários:
Parabéns José Correia.
Isto é investigação para dolcumentário...
Parabéns!
Excelente trabalho!
Para quando um sobre os "relevantes serviços" prestados pelo Lucílio Baptista aos dois grandes da capital?
HULK ONZE MILHAS disse...
«Para quando um sobre os "relevantes serviços" prestados pelo Lucílio Baptista aos dois grandes da capital?»
O 'Dossier Calabote', que brevemente irá ser disponibilizado em PDF, obrigou-me a um trabalho de pesquisa significativo e consumidor de muitas horas.
Para o futuro tenho outras ideias, uma das quais é melhorar e completar o 'Dicionário do Sistema', cuja publicação iniciei há um ano atrás, nos primeiros tempos do 'Reflexão Portista'.
Nessa altura voltaremos a falar do Lucílio Baptista...
Caro Zé, acho que todos lhe agradecemos por todo o trabalho consumido nesta investigação, e ficamos à espera de mais dossiers que nos elucidem melhor sobre coisas que todos já conhecemos mais pela rama. Quanto ao Inocílio Batistote, ontem lá preencheu com letras de ouro mais uma página de relevantes e leais serviços prestados aos do costume.
Um grande abraço
Eh pá!...antigamente é que era fixe!
«Calabote: 50 anos depois
Foi exactamente há 50 anos. Estamos em 22 de Março de 1959. Hoje é conhecido o campeão nacional. São três da tarde e a bola começa a rolar em todos os estádios. Em todos não. Na Luz, o Benfica recebe a CUF e sobe ao relvado dois minutos antes do início do jogo. A estratégia é retardar a partida o máximo possível, de forma a saber o que se passa em Torres Vedras, no Torreense-F. C. porto.
Os dragões estão a um pequeno passo do título: são líderes com os mesmos pontos do que os rivais da Luz, mas com vantagem na diferença de golos. Para ser campeão, o Benfica precisa de marcar mais cinco golos do que aqueles que os portistas marcassem.
No Campo das Covas, já se contam oito minutos de jogo, quando na Luz, Inocêncio João Teixeira Calabote, árbitro internacional de Évora e com passado infeliz nos jogos com o F. C. Porto, faz soar pela primeira vez o apito. A primeira parte corre de feição às águias que chegam ao intervalo a vencer por 4-0, com os dois primeiros golos de penálti, o segundo dos quais considerado inexistente por toda a crítica.
A vantagem era insuficiente, uma vez que os portistas já tinham inaugurado o marcador. Na segunda parte, já depois do golo de honra da CUF, o Benfica não demoraria a dilatar a vantagem com mais dois golos, um deles de penálti. Os encarnados são virtualmente campeões. Festeja-se na Luz, sofre-se nas Covas.
Não por muito tempo. O portista Noé faz o segundo golo e a festa volta a Torres Vedras. Por pouco tempo também. De rajada, os benfiquistas fazem o 7-1, já o guarda-redes Gama, da CUF, tinha sido substituído, a pedido dos colegas, num tarde muito infeliz...
Porém, em cima do minuto 90, Teixeira faz o 3-0 e volta a entregar o título ao F. C. Porto. O jogo termina a seguir, mas não há campeão. Na Luz, ainda faltam jogar oito minutos, mais os quatro de compensação concedidos por Calabote - que ainda expulsou três jogadores da CUF -, quando, na altura, não era normal dar-se mais do que dois. Foram 12 longos minutos de sofrimento em Torres Vedras, enquanto o Benfica desespereva por mais um golo, que não veio a acontecer. A festa mudava-se, de vez, para as Covas.
Poucos dias após o mais dramático epílogo dos campeonatos, Calabote é alvo de inquérito federativo e acusado de ter mentido no relatório, escrevendo que o jogo principiara às 15 horas e terminara às 16.42 horas. O árbitro de defende-se e diz que o seu relógio é que vale. Nada feito. É acusado de corrupção, mas diz que nunca recebeu um tostão. É irradiado uns meses mais tarde.
O livro sobre o "Caso Calabote", da autoria do jornalista João Queiroz, será editado brevemente pela Quidnovi.»
in JN, 22/03/2009
calabote, salazar, e lucilio, alguns dos mais leais servidores da Gaivota Bertilde....
" O benfica subornar-me? rídiculo! eu sempre fui benfiquista, não precisavam de me pagar..." Calabote
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