quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A crónica inadaptação que tantos pontos tem custado

Quem anda à chuva sem guarda-chuva molha-se. Quem anda de guarda-chuva quando não chove, não se molha mas o mais provável é que ganhe uma tendinite de pulso sem sentido. A vida é um processo constante de adaptação. Há treinadores que têm muita dificuldade em assumir essa realidade. Facilmente afirmam que cada jogo é um jogo mas depois, na prática, quantas vezes não vimos repetir-se o mesmo guião de uma equipa, jogando de uma mesma forma, se vê incapaz de superar rivais que jogam de uma outra forma concreta? Não se trata nem de desenho táctico, disposição de jogadores ou dos nomes dos futebolistas elegidos. Trata-se de adaptar-se a uma realidade distinta da habitual e de procurar pontos favoráveis para sair vencedor. Vila das Aves, Estoril (até ver) e Moreira de Cónegos sairam mal todas pelo mesmo motivo e em alguns outros jogos o cenário podia ter sido parecido (Santa Maria da Feira) porque o problema foi sempre o mesmo. Zero adaptação.

Sérgio Conceição tem feito milagres. É fácil esquecer isso quando levamos todo o ano à frente da classificação mas ninguém, em Agosto, podia sequer sonhar com esse cenário. Era dificil antecipar o pior ano do Benfica em largo periodo de tempo, um ano em que só o Polvo lhes permite estar a dois pontos e não a doze. E era igualmente dificil antecipar que o Sporitng, ainda que competitivo, fosse não aproveitar o investimento realizado no mercado com dinheiro que ninguém sabe muito bem de onde veio, tanto no que não teve de vender como no que acabou por contratar. Face a essa realidade, e visto o plantel disponível, a liderança é um milagre e Conceição o seu artifice. Nada a dizer a não ser aplaudir.
No entanto a liderança lograda a partir de uma ideia de jogo muito concreta – que segue a escola de Jorge Jesus ainda que, com o handicaap duplo de haver pior qualidade individual da que este teve à disposição e a ausência do guarda-chuva arbitral que deu tantas vitórias a esse  -tem esbarrado com dois problemas muito sérios. O primeiro, mais natural e evidente, é o desgaste. Num plantel curto, onde jogam sempre os mesmos, é impossível em Janeiro pressionar e recuperar o esférico com a mesma frescura que em Setembro quando o modelo de jogo não assenta em descansar com a bola e sim na procura do espaço.

Conceição começou o ano com um verticalissimo 4-2-4 em que o meio campo exercicia uma tremenda pressão sobre o rival, a dupla avançada roubava as primeiras bolas e a equipa, recuperada a posse, verticalizava cada lance – seja pelas bandas laterais, seja em passes em diagonal para as corridas de Aboubakar e Marega – e explorava, em momentos de bloqueio, as bolas paradas (na Champions, onde há menos espaços, foi um recursos fundamental). Esse modelo assentava nas caracteristicas muito especiais de alguns jogadores – desde Danilo a Marega – e sobretudo no entrosamento e estado de forma dos restantes. O Porto matava cedo os jogos e esfolava depois, sem especular, levantando os fantasmas da NESificação horizontal e temerosa que guardava o 1-0 como se fosse a virgindade de uma donzela. Esse modelo, que Jesus implementou em Portugal com êxito – com ajuda extra-desportiva de distintas naturezas – sempre encontrou um problema. Em jogos em casa e contra rivais que saem a jogar haveria sempre forma de fazer o modelo funcionar. Mas contra rivais que preferem estacionar o autocarro em casa, em campos pequenos, relvados em más condições e onde o espaço não abunda, os problemas da ideia de jogo eram evidentes. Jesus perdeu assim três campeonatos – dois com o Benfica e um com o Sporting – cedendo empates em deslocações onde a equipa era incapaz de fazer vingar o modelo, e ganhou outros quantos quando os fieis amigos de negro vieram ao resgate para evitar resultados mais embaraçosos. Resgaste que o FC Porto, já sabemos, não tem ao seu serviço. Tanto não tem que começa sempre – ou devia – a pensar que o rival já ganha por 1-0, seja por um golo mal anulado, um penalty por marcar ou uma expulsão ou duas perdoadas pelo VARissimo de serviço. Nesse contexto, como Vitor Pereira demonstrou, o FC Porto que era fiel ao 4-3-3, o modelo de jogo que dominou quase vinte anos de futebol português, de 1996 a 2014, encontrava melhores opções para esse cenário porque gerava maior controlo, maior jogo interior e com ele encontrava forma de criar espaços onde este não existiam.

Essa é a principal diferença e o principal problema da falta de adaptação de Conceição a estes cenários. O seu Porto não procura criar o espaço, procura apenas explorar o espaço. Se ele existe, o plano funciona, como tem sido evidente. Se não existe, não há plano B mais do que se tem visto, cruzamentos laterais, lançamentos bombeados para que o volume de homens gere o caos e do caos saiam as oportunidades. Bolas para os avançados deixarem para o interior. Cruzamentos que os extremos procuram surpreender ao segundo posto. Tudo sabendo que o rival sempre vai ter a lógica vantagem númerica de quem defende com mais e com o contorlo do espaço. Em nenhum momento se viu Conceição procurar outra coisa em momentos de aperto e mesmo em Moreira de Cónegos quando decide mudar, em duas ocasiões, o que faz primeiro é aplicar um 3-5-2 que dá as alas aos extremos mas não gera nada de jogo interior porque se continua a insistir no cruzamento e na segunda jogada; depois, ao lançar Sérgio Oliveira, não procurou gerar jogo interior se não reforçar outro lançador de bolas altas. Em nenhum instante, como nos restantes tropeções que geraram em empate, se tentou fazer “outra coisa”. Que “outra coisa”?
É verdade que o plantel do FC Porto tem pouco talento e, indismentivel, que a baixa de Danilo – aliada à baixa de forma de outros jogadores chave (Aboubakar e Brahimi, sobretudo) – não ajuda, mas ninguém pode dizer que não sabiamos ao que iamos. Em lugar de insistir com um modelo que está em crise, Conceição devia ter procurado gerar futebol mais apoiado, maior toque, maior procura dos espaços. Provavelmente Oliver tenha feito o pior jogo em muito tempo mas não terá sido mais porque o que se pedia de ele era contra-natura ao que pode dar? Não foi Herrera desaproveitado como pivot quando é precisamente cubrindo todo o cambo que faz com que a sua aportação resulte positiva? Não pedia ontem – e na Feira, Aves ou Estoril – talvez um 4-3-3 que em posse se transformava, de facto num 2-1-4-3, com dois interiores gerando um fluxo constante de bolas interiores com o apoio dos extremos (Oliver, Paulinho ou Herrera), para dois avançados interiores (Marega/Aboubakar e Brahimi) e um avançado mais móvel (Soares)? Sabendo que o rival não ia atacar e o campo era curto, porque não gerar superioridade por dentro em vez de a procurar insistentemente por fora?


O problema não são apenas os empates concedidos – a equipa continua invicta e gerou, em todos esses jogos, oportunidades suficientes para ganhar (a fraca produção ofensiva tendo em conta o volume gerado é outro dos grandes problemas deste Porto) e foi prejudicado claramente em todos esses jogos – mas sim a sensação de que os próximos duelos desta natureza resultem num cenário repetido já demasiadas vezes. Conceição acertou em cheio com o plano A e potenciou muitos jogadores para lá do seu nível mas em condições adversas as suas fraquezas ficam expostas e o técnico parece não encontrar um antidoto, um plano B seja com outra forma de jogar com os mesmos jogadores ou trocando cromos para procurar potenciar outras situações. Se não for capaz de o fazer até Maio estes seguramente não serão os últimos pontos fora concedidos. E seria um péssimo sinal que a inadaptação fosse um dos condicionantes para vencer uma Liga a todos os títulos merecida.

2 comentários:

FCP_SEMPRE disse...

Na minha modesta opinião de treinador de bancada o que falhou (e tem falhado ultimamente) foi entrar a matar de inicio. Desde o minuto 1 que o Porto tem de resolver o jogo, com agressividade de quem está nos minutos finais. E para isso é dar oportunidade a jogadores menos rodados, enquanto simultaneamente se faz descansar os "Cristos" com tantos minutos nas pernas. Se resultar estes ultimos podem entram e segurar/matar o jogo. Se não resultar entram na mesma com garra e frescura para um segundo round. Agora pensar que temos 90 minutos para marcar, e o golo não acontece, a intranquilidade começa a surgir para acabar em desespero, é um filme já visto e revisto.
GARRA ! foi isso que nos conquistou o primeiro lugar e éisso que nos pode manter lá.
PS: a P* da roubalheira era desnecessária.

Ricardo disse...

Na minha modesta opinião faltou a garra do inicio do campeonato e erros tácticos na montagem do onze.

A garra vem de continuar um trabalho mental, que parece ter "afrouxado" um pouco. Não pode o treinador falar só de árbitros, pois leva a que os jogadores achem que não depende deles. O cansaço dos minutos a mais reflecte-se em lesões não em cansaço de não conseguirem correr.

Erros tácticos pois ninguém percebeu aquele meio campo.