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II. A pouco inocente nomeação de Calabote
Chegados à última jornada do Campeonato Nacional da I Divisão da época 1958/59, tudo se ia decidir a 23 de Março de 1959, com o FC Porto a deslocar-se a casa do Torreense e o Benfica a receber na Luz o Desportivo da CUF.
Para um jogo que se previa escaldante, com o estádio da Luz totalmente esgotado, a Comissão Central de Árbitros entendeu nomear o Sr. Inocêncio Calabote (AF Évora), um árbitro de má memória para os portistas.
Mas afinal, quais eram os antecedentes de Inocêncio Calabote e que desaconselhariam a sua nomeação para um dos dois jogos decisivos, ainda por cima envolvendo o SLB?
Recuemos no tempo para relembrar os factos que estiveram na origem da fama que o Sr. Calabote já tinha (antes do Benfica-CUF).
Época de 1953/54
30 de Novembro de 1953, Sporting–FC Porto: vitória dos “leões” por 2-1, mas com o segundo golo, apontado por Vasques, a ser muito polémico.
No final do jogo, um Barrigana revoltado afirmou: “Quando a bola vinha no ar, a cair sobre a baliza, fiz-me ao lance para a captar, o Vasques antecipou-se e enfiou-a nas redes com um soco.”
O autor do golo retorquiu: “Foi um golo limpo, de cabeça, aliás o árbitro estava mesmo ao pé de mim.”
Quanto ao árbitro – Inocêncio Calabote – garantiu não haver tido dúvidas (mal seria se dissesse o contrário...) e afirmou:
“E se eu expulsasse o Barrigana pelas atitudes que tomou? Essa foi a parcialidade de que me acusaram os portistas! Barrigana foi indisciplinado, só a responsabilidade do encontro é que me levou a não o expulsar pelo seu comportamento e pelas suas ameaças...”
Que rico árbitro! Diz que foi ameaçado por um jogador e não o expulsou... Pois, devia estar com a consciência pesada...
Anos depois, numa entrevista que deu após o final da carreira, o sportinguista Vasques reconheceu que esse célebre golo tinha sido de facto marcado com a mão.
Nota: Recorrendo a factos irrefutáveis, irei demonstrar ao longo destes artigos que Inocêncio Calabote era um individuo que mentia comprovada e descaradamente, incluindo naquilo que escrevia nos relatórios dos jogos.
Francisco Guerra (árbitro), Abel da Costa e Inocêncio Calabote, jogo Espanha-Turquia, em Chamartin, a 06/01/1954 (foto: Boletim 'O Árbitro', Nº5, Novembro de 1957)
Época de 1956/57
O FC Porto tinha como treinador Flávio Costa, o qual veio substituir Yustrich, e que antes de chegar ao Porto tinha no seu curriculum ter treinado dois dos maiores clubes brasileiros (o Vasco da Gama e o Flamengo) e sido seleccionador do Brasil.
Segundo relatos da época, bem como de quem assistiu e ainda é vivo, os azuis-e-brancos jogavam um futebol que deslumbrava e rapidamente se isolaram na liderança do campeonato. Após vencerem o Sporting (2-0), Belenenses (5-0) e Vitória de Setúbal (7-1), no início de 1957 também o Benfica foi derrotado nas Antas de forma concludente (3-0), isto apesar de Monteiro da Costa ter sido expulso ainda na primeira parte (aos 40 minutos).
O FC Porto estava embalado para a revalidação do título de campeão mas, como era habitual nesse tempo, houve forças exteriores que começaram a meter pedras na engrenagem.
Primeiro com a chamada de vários jogadores portistas a trabalhos da Selecção realizados em Lisboa. Ora, há 50 anos uma deslocação Porto-Lisboa não se fazia de auto-estrada, confortavelmente instalado, com ar condicionado, em duas horas e meia. O desgaste destas viagens era enorme e, indignado com estágios marcados em momentos cruciais da época, Flávio Costa acusou a Federação de “os impedir de treinar-se como deveria ser”.
Depois veio o Sporting-FC Porto, da 18ª jornada, disputado no dia 13 de Janeiro de 1957. O jogo teve uma arbitragem altamente polémica, tendo os azuis-e-brancos sido derrotados por 1-2.
No final do desafio, jogadores e treinador do FC Porto não calavam a sua revolta.
«O juiz de linha chamou-me parvo quando lhe reclamei um fora-de-jogo. E foi mais longe, utilizando termos ainda de maior incorrecção. Absolutamente lamentável, a linguagem que me dirigiu. E houve muita maldade nesta partida. Os sportinguistas mostraram-nos muitas vezes as solas das botas.»
Osvaldo Cambalacho
«Os jogadores do Sporting foram à liça apenas para não nos deixar ganhar, dando duro, sem bola.»
Hernâni
Flávio Costa não aguentou tamanha roubalheira e disse: "a arbitragem desse tal Calabote foi péssima".
Calabote?!! Pois é, foi ele mesmo que arbitrou esse Sporting-FC Porto de má memória da época 1956/57.
«Quando corria em todos os portistas a imensa esperança, um empeço, em Alvalade: derrota por 1-2, os benfiquistas outra vez à perna. Mas começavam a pressentir-se zoadas de forças secretas no caminho – com Inocêncio Calabote na ribalta.»
in 'Glória e Vida de Três Gigantes', A BOLA
Pedroto, perante o que se tinha passado e quase direi premonitório daquilo que haveria de ocorrer dois anos depois, não teve papas na língua e no final do jogo afirmou: “terei todo o prazer em ver Inocêncio Calabote na lista negra”.
Pedroto num FC Porto–Sporting da 2ª metade da década de 50 (foto: ‘Glórias do Passado’)
Mas há mais. Nos 26 jogos da época 1956/57, Inocêncio Calabote foi nomeado para arbitrar o Benfica em cinco ocasiões:
11ª jornada, Barreirense – Benfica (2-4)
13ª jornada, Académica – Benfica (0-0)
15ª jornada, Sporting – Benfica (1-0)
22ª jornada, Setúbal – Benfica (2-3)
26ª jornada, Benfica – Académica (2-0)
Que regra ou critério esteve na base de se ter nomeado o mesmo árbitro – Inocêncio Calabote – para arbitrar quase 20% dos jogos de uma equipa – o SLB?
Havia alguma razão ou interesse especifico para nomear Calabote para tantos jogos do SLB?
Pior. Como é possível que esse árbitro tenha sido nomeado para arbitrar quatro dos jogos que essa equipa fez fora de casa, três dos quais seguidos (11ª, 13ª e 15ª jornadas)?
Imagine-se como reagiriam os benfiquistas (ou sportinguistas) e a sempre “isenta” imprensa de Lisboa se um árbitro conotado com o FC Porto fosse nomeado para arbitrar 30% dos jogos que os “dragões” fizessem fora de casa... De certeza que não era só o Carmo e a Trindade que cairiam...
Mais ainda. Nas últimas cinco jornadas da época 1956/57 o Sr. Calabote apitou dois jogos do Benfica incluindo, claro está, o decisivo jogo da última jornada (tal como iria acontecer dois anos depois).
Tudo absolutamente normal, não é?
Pois, parece que naquele tempo era.
Época 1957/58
19ª jornada, Benfica-FC Porto: os azuis-e-brancos venceram por 3-2, mas o que marcou este jogo, arbitrado por Calabote, foi a expulsão do melhor goleador do FC Porto e as consequências e (in)decisões subsequentes da FPF.
«Inocêncio Calabote pôs mascarra na tarde, ao expulsar o portista António Teixeira, num lance que suscitou dúvidas, muitas dúvidas.
Espantado, com as lágrimas bailando-lhe nos olhos, ciciou: “Sinceramente, não sei por que fui expulso. A jogada foi viril, mas não bati em ninguém. O Serra cuspiu-me na cara e eu, nesse instante, empurrei-o, perguntando-lhe apenas se isso se fazia. Claro que fiquei indignado, mas não bati em ninguém, nem sequer esbocei essa intenção.”»
in 'Glória e Vida de Três Gigantes', A BOLA
No seu relatório Calabote escreveria: «Teixeira foi expulso porque bateu na cara do adversário.»
Com base no relatório de Calabote, o castigo aplicado a Teixeira foram três jogos de suspensão.
Inconformados, os dirigentes do FC Porto solicitaram à FPF a relevação da pena ou, no mínimo, a sua suspensão até à conclusão do inquérito que foi aberto (no estádio ninguém tinha visto a agressão).
A FPF recusou a solicitação do FC Porto e a Direcção Geral dos Desportos disse o mesmo.
«Demonstraram ambas, sem sequer cuidar de guardar as aparências, que agiam com dois pesos e duas medidas, até porque antes vários clubes lograram efeitos suspensivos em processos semelhantes de penalização de atletas seus.»
in 'Glória e Vida de Três Gigantes', A BOLA
Em meados de Março de 1958, com o campeonato quase concluído, a FPF emitiu, finalmente, um comunicado a propósito do caso Teixeira.
«Que sim, admitia-se que Teixeira fora mesmo mal expulso durante o jogo com o Benfica, que, por isso, fora injusta e ilegalmente obrigado a um castigo de que os dirigentes do FC Porto logo recorreram, pedindo baldadamente o efeito suspensivo que o regulamento da Federação estabelece e que tem sido concedido a todos os outros clubes portugueses que o invocam, mas que decidira passar uma esponja sobre tudo. Mais: ao fim de dois meses de inquérito (dois meses!) confirmava-se o que milhares de espectadores do Estádio da Luz já sabiam: que Teixeira nada fez que merecesse o castigo de expulsão – mas que o FC Porto tomasse tudo à conta de lamentável incidente ou partida do destino!»
in 'Glória e Vida de Três Gigantes', A BOLA
O timing e conteúdo deste comunicado da FPF diz quase tudo sobre o que era o Sistema do antigamente. E, claro, demonstra que Calabote mentiu descaradamente no relatório do jogo.
No final do campeonato Sporting e FC Porto somavam ambos 43 pontos, mas com vantagem para os “leões” que assim ganharam mais um campeonato marcado por calabotices e pelos dois pesos e duas medidas da FPF.
Miguel Arcanjo, Yustrich e Teixeira, Outubro 1987 (foto: Revista 'Dragões', Novembro de 1987)
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Repare-se na quantidade de casos (e graves!) que já tinham envolvido Calabote em jogos do FC Porto contra Sporting e Benfica, não por acaso disputados em Alvalade e na Luz. Por tudo isto, Inocêncio Calabote era, pelas piores razões, um árbitro bem conhecido dos adeptos portistas. Foi pois com um misto de indignação e apreensão que no Porto se soube da nomeação de Calabote para um dos jogos decisivos da última jornada da época 1958/59.
Mas não foi só a "imprudente" nomeação de Calabote que marcou os dias que antecederam a última jornada do campeonato nacional de 1958/59. Os “tentáculos” do Sistema eram muitos e fizeram-se sentir em outras manobras de bastidores.
(continua: ‘Os estágios das selecções em Lisboa’)
Fontes:
[1] 'Glória e Vida de Três Gigantes', A BOLA, 1995
[2] 'Norte Desportivo', Março de 1957
[3] ‘Paixão pelo Porto’, Julho de 2008
Fotos: ‘Paixão pelo Porto’, ‘Glórias do Passado’, Boletim 'O Árbitro' Nº5
caro amigo:
ResponderEliminaro jornal do benfas anda a tentar branquear a historia, é preciso acabar com a politica de verdade fascista imposta pelos meios de comunicação benfiquista, peço aqui ajuda a todos os Portugueses para que não deixem que isto aconteça.
Muito úteis estes artigos numa altura em que os benfiquistas estão bastante empenhados em reescrever a História. Mas percebe-se. Afinal Calabote era um dos homens da casa.
ResponderEliminarEu dou-lhe os meus Parabéns, pois acho que esta história toda a gente deve conhecer! E também para fazermos o paralelismo para hoje em dia...
ResponderEliminarPor estas razões e muitas mais é que digo, que quem é verdadeiramente Portista não pode gostar desse pessoal do Sul... Depois de tudo que nos fizeram...
Mais uma vez Parabéns José Correia
Aurélio Estorninho disse...
ResponderEliminar«é preciso acabar com a politica de verdade fascista imposta pelos meios de comunicação benfiquista, peço aqui ajuda a todos os Portugueses para que não deixem que isto aconteça.»
Caro Aurélio Estorninho, é uma inevitabilidade que a comunicação social do regime empole uns casos e assobie para o lado em relação a outros. Faz parte do DNA dessa gente.
Conforme referi no primeiro desta série de artigos (e posso adiantar que serão pelo menos seis), a propósito do Caso Calabote irei abordar os antecedentes, as decisões da FPF, o comportamento de jogadores e treinadores, o relacionamento entre clubes e as reacções dos jornais.
Vendo o “filme” do caso Calabote, ficará claro que é muito mais do que um mero caso de arbitragem (claro que haverá sempre quem olhe e não veja, ou não queira ver…).
Esta série de artigos permitirá que as pessoas percebam que este caso deu-se num contexto onde o Sistema (que vigorou durante décadas) tinha uma série de “tentáculos”, os quais existiam e actuavam em benefício de uns clubes e prejuízo de outros.
Estes artigos são baseados em fontes consultáveis e devidamente identificadas e em cada um deles são apresentados nomes, datas, resultados, citações e transcrições de jornais.
Já o disse, e repito, se algum destes elementos, se algum destes factos, estiver incorrecto, eu agradeço a devida correcção através da caixa de comentários ou do e-mail do blog.
Posso dizer-lhe que, até agora, ninguém o fez.
Caro José Correia:
ResponderEliminaro jornal do benfas tem na primeira pagina um titulo sobre o a "inocencia" do calabote.
é preciso ter coragem para aguentar
citando o manuel alegre:
Mesmo na noite mais triste
em tempo de sevidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
temos de dizer sempre que não a essa gente que quer através da propaganda fascistas e imprensa corrupta reescrever a historia do futebol nacional.
É assim mesmo, investigação fantástica num período difícil onde é preciso continuar a chamar os bois pelos nomes...
ResponderEliminarE não desarmar...
Estes facínoras saudosistas ainda não se conformam com o fim do proteccionismo salazarento que procuram de toda a forma reactivar nesta " democradura " cada vez mais centralista.
Caro Aurélio Estorninho,
ResponderEliminarÉ um facto que vivemos num país centralista, em que a esmagadora maioria da comunicação social está sedeada em Lisboa e defende (como sempre defendeu) os interesses dos clubes da capital.
Significa isto que não há nada a fazer e que nos devemos conformar com a propaganda e as “lavagens ao cérebro” que nos querem impingir?
Claramente, não!
Esta série de artigos que estou a fazer sobre o caso Calabote e tudo aquilo que o rodeou é um pequenino contributo para contrariar as verdades feitas.
No final irei elaborar um documento (em principio um PDF) que será disponibilizado no ‘Reflexão Portista’, de modo a poder ser consultado e/ou enviado para terceiros.
Compete a cada um de nós (portistas) divulgar estas coisas pelos meios que tiver ao seu alcance.
Um outro aspecto, não menos relevante, é as sinergias que pode haver entre as muitas dezenas de blogues portistas.
ResponderEliminarComo?
Cruzando e partilhando informação e divulgando este tipo de documentos.
Por exemplo, até o Zé Luís o referir num comentário ao primeiro artigo desta série, eu não conhecia o ‘CSI – Calabote Sob Investigação’ elaborado por um elemento do blog ‘Pobo do Norte’.
Pois bem, não só o irei usar como uma preciosa fonte de consulta, como irá fazer parte da lista de referências obrigatórias do documento que estou a elaborar.
Do meu ponto de vista, não faz qualquer sentido as “guerrinhas” entre blogues portistas, procurando “ganhar” uma competição que não existe.
A nossa “guerra” deve ser outra e consiste em contrariar (no que estiver ao nosso alcance) as doses maciças de propaganda anti-Porto.
Afinal, havia mais antecedentes do Calabote em relação ao FC Porto do que aquilo que eu refiro neste artigo.
ResponderEliminarMão amiga fez-me chegar por e-mail a indicação de que já na época 1953/54 tinha havido uma arbitragem polémica num Sporting-FC Porto, disputado em 30/11/1953, envolvendo Barrigana e a forma como Vasques marcou um dos golos da vitória do Sporting (2-1).
Na época 1957/58, num SLB-FC Porto, disputado na 19ª jornada e também arbitrado por Calabote, a expulsão de Teixeira e as consequências que teve provocou uma grande celeuma.
Oportunamente, irei estudar melhor estes dois casos e editar este artigo, por forma a dar uma imagem mais completa dos antecedentes que havia de arbitragens polémicas envolvendo o Calabote e o FC Porto em jogos com Sporting e Benfica.
"Mão amiga fez-me chegar por e-mail a indicação de que já na época 1953/54 tinha havido uma arbitragem polémica num Sporting-FC Porto, disputado em 30/11/1953, envolvendo Barrigana e a forma como Vasques marcou um dos golos da vitória do Sporting (2-1)."
ResponderEliminarPois eu recordo-me de ver uma reportagem com o tal Vasques em que ele confessa ter marcado o golo com a mão mas que o que mais o divertiu foi a explosão de fúria do Barrigana !
Elucidativo, não é ?
Zé Correia, continuo interessadíssimo nesta série que, como deixaste antever, seria muito mais completa do que o já muito importante CSI do Pobo do Norte cujo pdf obviamente guardei.
ResponderEliminarVenham de lá mais pormenores picantes.
Quanto a guerras entre blogues, sinto-me à parte, tanto colaboro com algumas dicas neste como fiz questão de, no Pobo do Norte, aduzir uma entrevista deManuel Oliveira, jogador da CUF nesse jogo do Calabote, em que corroborou todas as peripécias desse jogo manobrado até à exaustão.
Foi essa entrevista que li em A Bola, há unsdois anos, que me abriu os olhos sbre o caso Calabote.
Mas em A Bola, apesar das 2 páginas, não ouve um título chamativo. Não fossem despertar algum monstro e incomdar muitas consciências pesadas.
É como te disse, quando li aquela verborreia do blogue benfiquista a branquear o Calabote, meti a minha colherada que lá está registada e outra ficou nas garras da censura.
Só temos de dar-lhe(s), mais e mais.
Excelentes artigos. Cá espero os próximos episódios.
ResponderEliminarAbraço.
Uma mão cheia de... nada!
ResponderEliminarBela investigação!