Quando, na tarde de 16 de Março de 1872, os rapazes do Wanderers e dos Royal Engineers , na fotografia (equipa formada por um major dos sapadores do exército), subiram ao relvado do Kennington Oval (um campo de cricket londrino na margem sul do Tamisa, diga-se), para disputarem a primeira final da Football Association Challenge Cup (normalmente conhecida por F.A. Cup e, entre nós, por Taça de Inglaterra) estariam longe de imaginar que escreviam o primeiro capítulo de uma longuíssima e ilustre história. De uma ideia original do jornalista desportivo C.W. Alcock, a competição fora apadrinhada pela federação inglesa (a Football Association, de cujo segundo nome, aliás, deriva a palavra soccer) e tivera início em Novembro de 1871.
Passados 137 anos a F.A. Cup é a mais antiga e lendária competição de futebol do mundo, sendo a sua Final um dos acontecimentos desportivos vistos por mais telespectadores em todos os cantos do planeta.
Em 1872 o futebol profissional ainda não fora organizado, o que só viria a ocorrer em 1888 com a criação da Football League por 12 clubes do centro e norte de Inglaterra (conhecidos por “Os 12 Apóstolos”). Até aí, alguns nomes bizarros e obscuros venceriam a competição, como o Blackburn Olympic, os Old Etonians (antigos alunos do colégio de Eton) e os já citados Wanderers e Engenheiros de Sua Majestade.
Até 1923 a final foi disputada em diversos locais como o mencionado Oval e o campo de Crystal Palace no sul de Londres (não confundir com o actual estádio do clube do mesmo nome e da mesma zona, o Selhurst Park). Nesse ano foi inaugurado o majestoso Empire Stadium, mais vulgarmente conhecido por Estádio de Wembley. O público, num total estimado em cerca de 200.000 pessoas, transbordou das bancadas, e ficou famoso o guarda Storey que, sozinho no seu cavalo branco, conseguiu acomodar a enorme multidão. Por esse motivo, essa Final passou à história como “The White Horse Final”.
Entre 2001 e 2006, enquanto se construía o novo Wembley, a Final disputou-se no “estrangeiro”, mais propriamente na capital do País de Gales, Cardiff, no sucessor do famoso Arms Park, agora denominado Millennium Stadium (nada a ver com o Engº Jardim Gonçalves), tendo regressado a “casa” em 2007.
Todo e qualquer clube de futebol em Inglaterra (e alguns do País de Gales) pode inscrever-se na competição, a qual totaliza 14 eliminatórias incluindo a Final, das quais seis são de qualificação, disputadas pelos clubes dos escalões regionais do futebol inglês e pelos clubes da Conference, liga com duas divisões hierarquicamente situada abaixo das 4 divisões tradicionais.
A todo este historial, repleto de surpresas e histórias bizarras e heróicas, acresce o gosto inglês pela pompa e pela tradição, que mais fascinante torna ainda a competição (mesmo a conservadora e tradicional Football Association não deixa, contudo, de querer dar-se ares de “modernaça”, e este ano a taça foi entregue pelo antigo Secretário-Geral das Nações Unidas Koffi Annan, em vez de um membro da família real, como é hábito).
Estas linhas ocorreram-me a propósito da Final deste ano, vencida pelo clube de um oligarca russo perante um dos mais tradicionais e antigos clubes ingleses (um dos acima referidos “12 Apóstolos”, de facto). Nos últimos anos a prova tem-se tornado menos “democrática” e os impropriamente chamados “4 Grandes” (“4 Mais Ricos” seria mais correcto, pois há uma boa meia-dúzia de clubes em Inglaterra com tantos ou mais adeptos que, pelo menos, Arsenal e Chelsea) têm tendido a monopolizá-la. Mas tudo gira e tudo evolui e, quanto mais não seja, com a chegada de mais investidores estrangeiros ao futebol inglês (especialmente árabes e americanos) o s “4 Grandes” tenderão a passar a 7 ou 8.
Por cá temos um parente pobre da Taça de Inglaterra, mas que mesmo assim tem mais prestígio que as suas congéneres de, por exemplo, Itália e Alemanha, essencialmente por adoptar o figurino inglês de eliminatórias a um só jogo, exceptuando as meias-finais que, este ano, passaram a disputar-se em dois jogos (em Inglaterra são-no em campo neutro).
Mas como o conceito de tradição em Portugal se resume a deixar uma vila alentejana fronteiriça matar uns touros à margem da lei do país, nem os muitos anos que a nossa competição já leva, chegam para lhe darem esse toque provecto que a idade e o respeito conferem. Não é propriamente desprezada, a nossa Taça, mas é claramente um parente pobre do campeonato, e também um símbolo da arrogância lisboeta, que faz com que a Final tenha de ser disputada no decadente, inseguro e ultrapassado Estádio Nacional, onde nem sequer a Selecção joga. Mas essa é outra história.
Parabéns pelo rigor histórico e factual sobre a FA Cup, Alexandre. É uma competição que me é muito querida, pois foi dos primeiros jogos de futebol que vi na tv (final de 1973, Leeds-Sunderland em que ganhou esta equipa da II Divisão contra o então poderoso clube branco) e que me seduziram e "inclinaram" para adorar o futebol.
ResponderEliminarCostumo dizer, para quem quer misturar a FA Cup com a nossa Taça de Oeiras e Wembley com o Jamor que confundem xixi com água de colónia.
Obrigado, Zé Luís. É para mim sempre um prazer escrever sobre o futebol inglês.
ResponderEliminarLembro-me bem da histórica Final de 1973. O Leeds era, na altura, das melhores equipas do Mundo, não apenas de Inglaterra. Golo de Ian Porterfield, recentemente falecido quando treinava a selecção do Casaquistão (ou outra parecida;-)).
Nessa equipa do Sunderland destacavam-se o central Dave Watson e o ponta-esquerda Dennis Tueart, ambos futuros internacionais ingleses e ambos futuros jogadores do Manchester City. O treinador era Bob Stokoe. Bons tempos!
Ao contrário da esmagadora maioria dos países, onde as Taças têm um prestigio reduzido e que tem vindo a diminuir com o aumento da importância (e número de jogos) das competições europeias, a Taça de Inglaterra tem, de facto, um prestigio impar no contexto do futebol internacional.
ResponderEliminarUsar a Taça de Inglaterra como referência para Taça de Portugal, nomeadamente quando se discute o local da Final, é querer comparar o incomparável. É algo de tal modo ridículo, que só mesmo a máquina de propaganda lisboeta é capaz de suportar tal tese.