domingo, 4 de outubro de 2009
O patinho feio
«“E, meu Deus!, que patinho tão esquisito aquele! Não o queremos com certeza por aqui”. E um pato esvoaçou em direcção ao patinho cinzento e deu-lhe uma bicada no pescoço.
-“Deixa-o em paz”, disse a mãe, “ele não está a incomodar ninguém”.
- “Pois não, mas é muito grande e tem um ar esquisito”, respondeu o pato que o tinha bicado, “tem de ser metido na ordem”.»
O patinho feio, Hans Christian Andersen
«A entrada de Guarín no onze inicial talvez venha a monopolizar os debates sobre este Chelsea-FC Porto, mas devo dizer que a entendo. Contra uma equipa com tanto poder físico como esta, é natural que Jesualdo Ferreira opte por um jogador mais robusto, mais forte no contacto físico, capaz de se bater melhor nesse capítulo. Basta atentarmos a Essien para percebermos as dificuldades.»
João Vieira Pinto, O JOGO, 16/09/2009
Apesar de Guarín ter feito a melhor exibição desde que está no FC Porto, JVP tinha razão e nos dias seguintes ao jogo de Stamford Bridge muitas das discussões entre os portistas foram relacionadas com a titularidade de Guarín.
Mas se o desempenho de Guarín foi francamente bom, porquê tantas críticas?
Essencialmente devido a ideias pré-concebidas. Guarín é visto por uma parte significativa dos adeptos como um médio defensivo, trapalhão e muito limitado em termos técnicos. E contudo...
«O camisola 6 foi o 3.º jogador da equipa que mais correu (10,5 quilómetros) e até superou uma lacuna recorrente, o passe (74 por cento de sucesso). Mais: nenhum dragão rematou mais do que ele (3).»
in Record, 17/09/2009
«(...) Essien (o melhor homem em campo), Lampard, Ballack e até Malouda parecem blocos de aço, com a vantagem de se moverem com a agilidade de um peso pluma. Daí se perceber a entrada na equipa de Guarín. O colombiano é visto em Portugal como um jogador defensivo apenas porque Jesualdo, logo após a deserção de Paulo Assunção, tentou (sem êxito) adaptá-lo à função. Mas ele sempre foi um médio interior ou um ala direito tanto no Saint-Étienne como na sua selecção. De resto, acabou por ser, juntamente com Helton, o melhor portista em campo.»
Bruno Prata, PUBLICO, 16/09/2009
Ao contrário de Guarín, Belluschi caiu rapidamente no goto dos portistas e parte das críticas relacionadas com a titularidade do médio colombiano foram devidas ao facto do ex-Olympiakos ter ficado de fora. Percebo esta crítica, mas naqueles 90 minutos era fundamental ter um meio-campo com mais poder de choque e que permitisse equilibrar a dimensão física do encontro (o qual, recordo, foi em casa do líder do campeonato inglês, jogado num relvado encharcado e debaixo de uma forte chuvada).
«Com o meio-campo habitual (Fernando, Belluschi e Meireles), o FC Porto teria uma média de altura de 1,78m e a de peso seria de 71 kg, contra uma média de 1,82 e 83kg do Chelsea. Com Guarín, e sem Belluschi, o FC Porto subiu a média de altura para 1,82 (igualou a do Chelsea) e a de peso para 77kg.»
in O JOGO, 17/09/2009
Se a titularidade de Guarín contra o Chelsea já não tinha sido pacífica, a repetição da titularidade em Braga fez cair o Carmo e a Trindade, com o internacional colombiano a ser um dos “crucificados” na praça pública.
Perante uma exibição fracota, em que toda a equipa deixou bastante a desejar, poucos foram os que se preocuparam em analisar o persistente sub-rendimento de Meireles, ou algumas falhas comprometedoras de Fernando. Para a maior parte dos adeptos o problema, tal como em Londres, é que em vez de Belluschi tinha voltado a jogar Guarín, isto apesar do colombiano ter sido o menos mau do meio-campo portista e o único que não acusou o desgaste do intenso desafio da Liga dos Campeões.
Dando de barato que Belluschi teria feito a diferença no jogo disputado em casa dos líderes invictos do campeonato português, olhando para as exibições do meio-campo portista em Londres e Braga não faria mais sentido sugerir que o preterido devia ter sido Meireles?
Mas pronto, depois de ter sido “crucificado” por uma parte significativa dos adeptos portistas, na recepção ao Sporting Jesualdo voltou a colocar o “patinho feio” no seu lugar natural – o banco de suplentes. Infelizmente, não se viram grandes melhorias no nível exibicional da equipa, inclusive nos últimos 30 minutos, quando os leões ficaram reduzidos a 10 elementos.
Quatro dias depois, contra o Atlético Madrid, Guarín começou novamente o jogo no banco mas, desta vez, entrou a 25 minutos do fim e fez-se notar.
«[Guarín] Entrou em campo quando faltava menos de meia-hora para o fim e em boa hora o fez. Mexeu com o jogo do F.C. Porto logo no primeiro minuto, num remate que obrigou De Gea a boa defesa e serviu como um grito de alerta. Logo a seguir iniciou a jogada que Belluschi finalizou com muito perigo, numa dezena de minutos que viraram o jogo.»
in Maisfutebol, 30/09/2009
«Com a entrada de Guarín, a equipa ganhou alma, foi mais pressionante, mais viva. Nove minutos depois de ele ter entrado, o FC Porto marcou, e aí nasceu o chamado sentimento das noites europeias. Foi Guarín quem deu essa alma à equipa.»
João Vieira Pinto, O JOGO, 01/10/2009
Terá tido Guarín algum mérito no “acordar” da equipa e no melhor período do FC Porto no jogo contra o Atlético Madrid?
Haverá quem diga que não e destaque apenas a passagem de Meireles para a posição 6. De facto, para jogos no Dragão contra equipas mais fechadas, um meio-campo com Meireles a trinco e Belluschi e Guarin mais adiantados poderá ser uma solução interessante.
Mas o enquadramento do Guarín na equipa não se esgota neste cenário. As suas características podem ser potenciadas noutras situações. Por exemplo, como alternativa a Meireles (se a má forma deste persistir) ou, com o aproximar do Inverno, sempre que a dimensão física dos jogos for um aspecto relevante e for necessário um meio-campo mais musculado.
Agora, é certo que tal como na história do patinho feio, o Guarín vai ter que penar muito até que a generalidade dos portistas lhe atribuam algum mérito nas coisas positivas que a equipa fizer dentro de campo.
Um bom dia a todos os portistas e votos de uma boa viagem para todos aqueles que vão acompanhar a equipa ao Sul do país para o embate desta noite.
ResponderEliminarQueria também saudar o sr. José Correia pelo trabalho de pesquisa e boa articulação das declarações produzidas que culminou nesta pedaço de prosa bem agradável de ler.
De facto, o tribunal do Dragão é um palco onde custa muito a ser aceite. Aqui não há euforias desmensuradas, não há 1as páginas espampanantes. Chega-se por vezes até, ao cúmulo de assobiar quando o jogador é apenas razoável (prática com a qual não coaduno).
Guarin é um jogador bastante apreciado por quem gosta de dissecar futebol e avaliar a equipa como um bloco e nao como a soma de individualidades. Sou até da opinião que se deveria apostar nele, o mais tardar no início da 2ª parte pois vem aí a Liga Intercalar e a Taça de Portugal e convém ter o plantel todo em forma de modo a evitar precalços.
Força Porto que não podemos deixar fugir o nosso "rival" de vermelho e branco que anda imparável este ano.. falo claro, do Sporting de Braga!
O grande erro na questão Guarin e Tomás Costa tem a ver com as posições em que o Jesualdo tem insistido em colocá-los.
ResponderEliminarEles não são médios defensivos, nem médios ofensivos, ele são médios interiores. Ele são os substitutos naturais de Raul Meireles, e ao contrário deste não têm a capacidade de se reinventarem nas outras posições.
Continuar a insistir em colocar o Guarin e o Tomás Costa fora da sua posição é mau para equipa e injusto para eles. Não são foras-de-série, longe disso, mas também não são nenhuns Benitez...
Antes de falar propriamente no Guarin, só dizer que: gostei bem mais dos 20 minutos iniciais contra os lagartos do que os 20 minutos finais contra o atlético. Mas como é a última imagem que fica parece que a ideia geral é que neste último jogo jogámos melhor.
ResponderEliminarÉ verdade que a entrada do Guarin mexeu com o jogo, mas não se jogou melhor do que 4 dias antes.
Quanto ao Guarin, propriamente dito, acho que tem características físicas para ser um bom jogador, mas falta-lhe a "inteligência".
ResponderEliminarE é a "inteligência" que faz a diferença, um Meireles só chegou onde chegou por ser "inteligente", por saber ler o jogo, não foi certamente pelas suas qualidades físicas.
Comparando com um jogador que por aqui passou, o Alenichev, o Guarin é antítese.
Por isso um Alenichev era adorado pelos adeptos e jogava quando necessitávamos de controlar um jogo e ganhá-lo, e o Guarin não caiu no goto dos adeptos e joga quando precisamos de controlar um jogo para empatá-lo.
É verdade que muitos adeptos têm os seus patinhos feios e as suas "paixões", mas já agora constato que tb me parece que seja assim (ainda q de forma menos extrema) no caso do próprio treinador.
ResponderEliminarConvém tb assinalar q mesmo estando por vezes errados, os adeptos não "escolhem" patinhos feios só porque não gostam da cara deles. Por exemplo, o Benitez era um "patinho feio" mas pura e simplesmente porque os adeptos achavam q não tinha categoria para fazer parte do plantel do FCP; algo com que depois o treinador veio a concordar (ao dispensá-lo).
No q me diz respeito, não tenho neste momento qualquer patinho feio no plantel actual; não há nenhum jogador q eu ache q não deve jogar em quaisquer circumstâncias. Por exemplo: no q diz respeito a Guarin, defendi a sua titularidade contra o A Madrid (no lugar de Meireles, com este a trinco). No entanto e ao mesmo tempo critiquei a sua utilização contra o Braga, pelo menos no lugar do Belluschi (ainda se fosse no lugar do Meireles, dava um desconto). Lá está: depende. Concordo em muito com os comentários do Pacheco e do João Saraiva, já agora.
Portanto, parece-me que, embora concorde com muitos pontos específicos do artigo, o José Correira fugiu um bocadinho para a demagogia no tom geral, como que insinuando "quem critica a utilização de Guarin então é porque o trata como um patinho feio". Simplificações desse género são pura e simplesmente incorrectas.
Mais uma coisa: suspeito q se sobrevaloriza demasiado (embora haja mérito próprio, sem dúvida) a exibição de Guarin contra o A Madrid por duas razões:
ResponderEliminar1) de facto uma das razões principais do aumento do rendimento da equipa diz respeito à substituição de T Costa por Meireles a trinco
2) 80% do tempo em q Guarin esteve em campo foi com a equipa a ganhar. Acho q as características de Guarin fazem com q seja mais útil quando estamos a ganhar do q quando precisamos de marcar golos (mesmo q não ponha de parte em geral a utilização de Guarin a titular, mas no lugar de Meireles, principalmente quando este não está em muito boa forma como agora).
José Rodrigues disse...
ResponderEliminar«Portanto, parece-me que, embora concorde com muitos pontos específicos do artigo, o José Correira fugiu um bocadinho para a demagogia no tom geral, como que insinuando "quem critica a utilização de Guarin então é porque o trata como um patinho feio".»
Zé, repara no seguinte: É pacífico para praticamente todos os portistas que o Meireles está longe da sua melhor forma, e até o treinador o admite publicamente.
É também consensual que nos jogos em Londres e Braga o Guarin foi o melhor (ou menos mau, se preferires) dos médios portistas e, claramente, teve em ambos os jogos um desempenho superior ao do Meireles.
Assim sendo, porque razão houve muitos portistas (não estou a dizer que foi o teu caso) a questionarem a titularidade do Guarin em vez de questionarem a titularidade do Meireles?
O Guarin sofre do estigma de ser um “patinho feio” e, conforme se viu, de pouco lhe serve ter sido o melhor portista em Stamford Bridge (Helton à parte) e nos últimos jogos ter tido um desempenho competitivo muito superior ao do Meireles.
Boas noites.
ResponderEliminarPermitam-me juntar a esta discussão bem interessante e chamar à baila outro caso de 'patinho feio' o Tomás Costa. Ele é, sem dúvida, um jogador demasiado duro, mas é também um jogador polivalente e bastante competente, lembro-me do jogo do Porto em Istanbul o ano passado em que substituiu, e bem, o Lucho. Ao longo da época sempre foi voluntarioso e cumpre, de forma geral, o seu papel. Mesmo contra o Atlético de Madrid, na minha perspectiva, cumpriu bem a posição '6' varrendo a zona de influência tal como faz o Fernando e tentando deixar a bola jogável; não se pode pedir a um jogador que nunca joga para estar ao mesmo nível que um que joga sempre, por isso creio ser injusto vaticinar a sua incompetência por essa amostra. Creio ser esse um problema normal entre os 'portistas', demasiado críticos e com pouca paciência. O Tomás Costa é um jogador bravo, duro, mas competente e que pode jogar a '6' (se tiver que ser), na posição do Meireles, na do Lucho (na tática da época passada) ou até a extremo direito. Eu acho ser uma mais-valia para o plantel.
Quanto ao Guarín: era um jogador de quem eu não gostava tanto (até ao Chelsea-Porto) e fiquei desiludido com a sua prestação na época passada. Relembro que na visita do FCP à Luz (à 2ª jornada, ainda antes do surgimento em força do Hulk) ele jogou a extremo-direito, quando o jogo estava empatado e criou muitos desiquilíbrios. Vinha também referenciado positivamente por alguns críticos em que eu confio e em alguns rumores aquando da sua contratação; fiquei, por isso, admirado pela inconstante aposta nele na época passada. Por outro lado, surpreendeu-me muito a forma como ele pautou o meio-campo portista em Londres, tendo logo percebido o objectivo de Jesualdo Ferreira em colocá-lo. Se bem que goste de ver Belluschi jogar, naquele jogo o Guarín foi uma boa aposta e só não correu bem porque não conseguimos marcar um golo. Tal como o José Correia diz, também a mim a sua utilização em Braga suscita-me outras dúvidas.
Sem dar o mérito ao Guarín pela vitória ante o Atlético (como fez o JVP) foi inegavelmente o elemento que causou os desiquilíbrios precisos e que fez a equipa aumentar a pressão sobre os madrilenos. Creio que o meio-campo Meireles, Guarín e Belluschi tem qualidades para os jogos contra equipas mais defensivas. Creio que após Stanford Bridge o FCP ganhou um médio que pode dar poderio físico ao meio-campo como nenhum outro e isso também é importante. Quanto ao Tomás Costa é um bom suplente, sendo uma opção mais fiável (para já) que Valeri ou Prediguer.