O lugar deste FC Porto na história (I)
Em 1978 o estádio das Antas encheu-se para viver um momento histórico. Um momento que as gerações de hoje não poderão nunca entender totalmente. Em 1987 a cidade de Viena marcou um antes e um depois na evolução meteórica de um clube que passou numa década de ser um conjunto de provincia a ser potência mundial. E durante o biénio 2003-2004 os milhões que dão forma ao futebol moderno significaram pouco quando comparados com uma equipa formada com uns tostões e que devolvia a um clube à deriva o prestigio europeu e nacional que nos anos anteriores tinha sido destroçado por uma péssima politica de gestão. Três momentos que marcam a história do FC Porto como esta equipa de Villas-Boas nunca o fará. Porque definiram uma era, desafiaram a estrutura vigente e lançaram os cimentos do futuro.
José Maria Pedroto criou o FC Porto moderno, aquele que não tinha medo de atravessar a ponte. Demorou mas conseguiu criar uma cultura de balneário de que Villas-Boas é, de certa forma, filho e herdeiro. E lançou jogadores de primeiro nivel europeu, de Gomes a Oliveira, de Freitas a Duda, de Rodolfo a Octávio. A sua equipa em campo pode não ter sido a mais espectacular das quatro, nem a mais mediática, mas do ponto de vista moral, social e histórico foi, sem dúvida, a mais importante.
Artur Jorge herdou essa cultura mas deu o salto que faltou em Basileia. Desafiou e bateu a Europa no seu próprio jogo. Nesse ano de Viena houve a sorte do sorteio (Napoli, Real Madrid ficaram pelo caminho e não havia o Liverpool) mas também a garra e a magia que faziam do FCP uma equipa diferente. E se dúvidas houvessem, Ivic confirmou-as num ano seguinte talvez melhor a que só uma arbitragem tendenciosa impediu que se tornasse totalmente plena. Essa geração dos Madjer, Sousa, Futre, João Pinto só teve realmente herdeiros à altura quando um polémico e sempre mal amado setubalense chegou, viu e venceu. Pegou em jogadores desconhecidos, pagos a tostões, mudou a atitude dos jogadores que já estavam, há três anos, sem saber o que era vencer, e reacendeu a chama do dragão. Com José Mourinho o FC Porto entrou no novo século, no século do futebol da alta competição e bateu-se de igual para igual com os tubarões financeiros do jogo. E, claro, ganhou. Só uma equipa – a Juventus – venceu de forma consecutiva a Taça UEFA e a Champions League e isso diz bem do tamanho do trabalho de um treinador que depois seguiu a sua visão individualista do jogo e deixou os azuis orfãos de lider e moral para afrontar o futuro.
Depois disso o FC Porto voltou a vencer com rostos diferentes, claro que sim, é a nossa cultura. Mas nunca mais voltou a ser “especial”. Mourinho não foi o único treinador do Porto a merecer esse astuto, certamente que Pedroto e Artur Jorge foram tão importantes quanto ele nas suas etapas. Mas a sua equipa fechou essa trilogia histórica. Villas-Boas e os seus ameaçam com bater recordes e vão a caminho de fazer história e de entrar nessa elite. Mas herderam um projecto ganhador, consolidado – desportiva e financeiramente – e sem uma montanha por trepar. Tem um mérito indiscutivel o feito, tem mais mérito ainda a forma, mas a conjuntura actual não apresenta, nem de longe, o nivel de dificuldade que tiveram de ultrapassar essas três equipas. Talvez o futuro diga o contrário. Acabo como comecei, é impossível eleger o melhor, é impossível comprar o incomparável e é impossível falar de algo presente quando se pensa em algo passado. Falcao, Derlei, Madjer ou Gomes? Hulk, Deco, Futre ou Oliveira? Moutinho, Maniche, Sousa ou Rodolfo? É possível realmente escolher?
O certo, no meio de tudo isto, é que em todos os portistas a imagem de um Dublin azul recorda aquela tarde contra o Braga, aquela noite frente ao Bayern ou aqueles momentos em Sevilla e Gelsenkirchen. Isso diz-nos o quão importante é esta equipa. Mas também nos faz lembrar o quão dificil foi chegar lá naqueles dias e hoje, sinceramente, a caminhada não me pareceu tão dura. Se calhar foi porque fomos a voar, como dragões que somos...
José Maria Pedroto criou o FC Porto moderno, aquele que não tinha medo de atravessar a ponte. Demorou mas conseguiu criar uma cultura de balneário de que Villas-Boas é, de certa forma, filho e herdeiro. E lançou jogadores de primeiro nivel europeu, de Gomes a Oliveira, de Freitas a Duda, de Rodolfo a Octávio. A sua equipa em campo pode não ter sido a mais espectacular das quatro, nem a mais mediática, mas do ponto de vista moral, social e histórico foi, sem dúvida, a mais importante.
Artur Jorge herdou essa cultura mas deu o salto que faltou em Basileia. Desafiou e bateu a Europa no seu próprio jogo. Nesse ano de Viena houve a sorte do sorteio (Napoli, Real Madrid ficaram pelo caminho e não havia o Liverpool) mas também a garra e a magia que faziam do FCP uma equipa diferente. E se dúvidas houvessem, Ivic confirmou-as num ano seguinte talvez melhor a que só uma arbitragem tendenciosa impediu que se tornasse totalmente plena. Essa geração dos Madjer, Sousa, Futre, João Pinto só teve realmente herdeiros à altura quando um polémico e sempre mal amado setubalense chegou, viu e venceu. Pegou em jogadores desconhecidos, pagos a tostões, mudou a atitude dos jogadores que já estavam, há três anos, sem saber o que era vencer, e reacendeu a chama do dragão. Com José Mourinho o FC Porto entrou no novo século, no século do futebol da alta competição e bateu-se de igual para igual com os tubarões financeiros do jogo. E, claro, ganhou. Só uma equipa – a Juventus – venceu de forma consecutiva a Taça UEFA e a Champions League e isso diz bem do tamanho do trabalho de um treinador que depois seguiu a sua visão individualista do jogo e deixou os azuis orfãos de lider e moral para afrontar o futuro.
Depois disso o FC Porto voltou a vencer com rostos diferentes, claro que sim, é a nossa cultura. Mas nunca mais voltou a ser “especial”. Mourinho não foi o único treinador do Porto a merecer esse astuto, certamente que Pedroto e Artur Jorge foram tão importantes quanto ele nas suas etapas. Mas a sua equipa fechou essa trilogia histórica. Villas-Boas e os seus ameaçam com bater recordes e vão a caminho de fazer história e de entrar nessa elite. Mas herderam um projecto ganhador, consolidado – desportiva e financeiramente – e sem uma montanha por trepar. Tem um mérito indiscutivel o feito, tem mais mérito ainda a forma, mas a conjuntura actual não apresenta, nem de longe, o nivel de dificuldade que tiveram de ultrapassar essas três equipas. Talvez o futuro diga o contrário. Acabo como comecei, é impossível eleger o melhor, é impossível comprar o incomparável e é impossível falar de algo presente quando se pensa em algo passado. Falcao, Derlei, Madjer ou Gomes? Hulk, Deco, Futre ou Oliveira? Moutinho, Maniche, Sousa ou Rodolfo? É possível realmente escolher?
O certo, no meio de tudo isto, é que em todos os portistas a imagem de um Dublin azul recorda aquela tarde contra o Braga, aquela noite frente ao Bayern ou aqueles momentos em Sevilla e Gelsenkirchen. Isso diz-nos o quão importante é esta equipa. Mas também nos faz lembrar o quão dificil foi chegar lá naqueles dias e hoje, sinceramente, a caminhada não me pareceu tão dura. Se calhar foi porque fomos a voar, como dragões que somos...
Nota final: O 'Reflexão Portista' agradece ao Miguel Lourenço Pereira a elaboração deste artigo (2ª parte).
Foto 1: Paixão pelo Porto
Foto 2: José Sena Goulão
"Nesse ano de Viena houve a sorte do sorteio"
ResponderEliminarDiscordo em absoluto.
Apanhámos pela frente 2 dos 3 "papões" da competição, como era visto consensualmente na Europa: D. Kiev (o repositório das jóias da coroa da excelente selecção soviética, com Myhailichenko, etc) e Bayern (de Augenthaler, Pfaff, etc).
Desses 3 só não apanhámos o Real Madrid, e isso apenas porque foram eliminados pela equipa q defrontámos na final (o q dá duplo valor à vitória contra o Bayern).
A única sorte foi de não haver campeão inglês em prova, mas isso foi o caso para todos durante várias épocas (86/87 não foi especial nisso).
Pode-se dizer q "só" apanhámos pela frente 2 grandes equipas, mas antes de haver LC era assim para toda a gente, durante décadas. Quantas grandes equipas é q o slb defrontou para chegar à final na época seguinte, por ex?
De resto tivémos até muito azar ao perder por lesão 2 jóias da coroa para a final, L Pereira e Gomes.
os meus parabéns! excelente texto...
ResponderEliminarJosé,
ResponderEliminarSem dúvida, para mim, a melhor equipa da Europa então era o Dynamo de Kiev, mais ainda que o Bayern Munchen, o Napoli, o Real Madrid e o Liverpool, campeão inglês em titulo ausente pelo Heysel. O que quis dizer foi que o sorteio permitiu que em lugar de uns 8s ou 4s de final contra Napoli, R. Madrid, Bayern ou Dynamo, fomos defrontando rivais acessiveis até aos dois jogos decisivos enquanto que estes se iam eliminando entre eles.
Não seria o mesmo o percurso com uma sequência dessas até Viena do que com dois jogos de máximo risco (e tens razão com a lesões) na ultima etapa da época. Tanto é que no ano seguinte, onde tinhamos se calhar uma equipa melhor e tivemos o azar de apanhar cedo o Real Madrid, enquanto que o Benfica foi tendo a sorte do sorteio e lá chegou a Estugarda sem saber muito bem como.
Como contraposição, por exemplo, 2004 e como o grande colosso United nos caiu nos 8s, a matar, e salvou-nos aquele golo milagroso quando todos imaginavam que não iriamos mais longe!
PeidoMestre,
Obrigado! ;-)
um abraço aos dois
Mais um excelente texto do Miguel.
ResponderEliminarDe salientar que em 1987, nos quartos defrontamos o Brondby, na altura com Schemeicael (reconheço estar mal escrito o nome) na baliza e jogadores que foram a base da selecção da Dinamarca campeã europeia em 1992. Não foi um trajecto fácil até Viena, comparem-no com o nível das equipas que o SLB defrontou em 1988.
"José Maria Pedroto criou o FC Porto moderno... a sua equipa em campo pode não ter sido a mais espectacular das quatro, nem a mais mediática, mas do ponto de vista moral, social e histórico foi, sem dúvida, a mais importante." Totalmente de acordo, Pedroto teve de criar do nada uma mentalidade/cultura ganhadora, ao contrário Villas Boas já encontrou essa mentalidade dentro da estrutura do FC Porto.
A espinha dorsal da equipa do FC Porto campeã europeia em 1987, já vinha a formar-se desde 1983/84 (já na fase final de Pedroto) Artur Jorge apenas teve de dar continuidade ao trabalho anterior e (re)ajustar algumas pedras: Quim e André entraram para os lugares de Jaime Pacheco e Sousa (que regressaram na época de 1987), chegada de Futre (que ocupou com outra magia e eficácia o lugar de Vermelhinho) e Madjer.
Quando Pinto da Costa escolheu, como sucessor de Pedroto, o Artur Jorge muita gente temeu o pior, mas foi com o "poeta" como treinador que o FC Porto se estabeleceu definitivamente como um vencedor crónico em Portugal.
Daniel,
ResponderEliminarO Brondby era uma boa equipa mas perfeitamente acessivel, os grandes jogadores dinamarqueses estavam quase todos em Itália e Inglaterra. Imaginemos em vez do Brondby o Napoli do Maradona (eliminado nos quartos pelo Real Madrid da Quinta del Buitre) e ficamos com uma ideia do que queria dizer.
Pedroto é o re-fundador do FCP e a sua ultima equipa, no pós-Verão Quente estableceu a base de trabalho de Artur Jorge como se pode ver na lista de jogadores que estiveram em Basileia e Viena. Lembro-me que na altura muitos queriam o Antonio Morais como sucessor do Pedroto mas Pinto da Costa e "o mestre" há muito que tinham visto em Artur Jorge o sucessor ideal para fazer o que Pedroto não teve tempo para completar, o salto europeu.
um abraço
Boas!
ResponderEliminarAdicionem o meu blogue aos links sff: http://davidjosepereira.blogspot.com/
O FCP na última época de JMP no activo (na fase final substituído pelo seu adjunto Morais, pelas razões que são conhecidas) foi à final da Taça das Taças, contra a Juventus. Fizemos um bom jogo : Zé Beto teve uma noite menos inspirada e o árbitro, na dúvida, beneficiou os italianos.
ResponderEliminarAJ herdou esta equipa, que praticava bom futebol , tendo, ainda, uma boa parte dos seus jogadores uma larga margem de progressão. Saíram Sousa e Jaime Pacheco, entraram Quim, André e Futre.
A base estava lá, o AJ acrescentou em organização e uma nova forma de encarar o jogo. Passamos a ouvir falar em concentração total para o melhor desempenho individual e colectivo, e passamos a ter um meio campo muito mais pressionante. O trio composto por Frasco, André e Quim, muitas vezes a contando com Jaime Magalhães na ajuda, tinha uma acção asfixiante e nova sobre o adversário e a bola . O FCP jogava no campo todo e a um nível de competitividade demasiado alto para o futebol que se praticava à época em Portugal.
Apenas, perdemos um jogo no Bessa – na 2ª. jornada – e contra o SLB na Luz demos um baile, vencemos por um a zero – mas convencemos todo o mundo, acho eu.
AJ modernizou conceitos, exigia trabalho e profissionalismo, em suma concentração competitiva. Aquele meio campo funcionava como um relógio. Praticámos muito bom futebol, tacticamente evoluído. Foi essa modernidade que lhe ficámos a dever.
Qual a melhor equipa do FC Porto? Difícil dizer...cada equipa teve o seu contexto futebolístico diferente e específico, o futebol actualmente é mais competitivo do que nos anos 70 e 80. A equipa de Mourinho e a de Villas Boas são mais "objectivas" do que a de Viena, ou seja, mais preocupadas em ganhar e marcar golos do que em "jogar bonito e bem" (a história da ópera), lembro-me do guarda redes do Bayern, em 1987, que afirmou que "a equipa do FC Porto era excelente para jogar... mas sem balizas". Ainda era muito pequeno no tempo de Pedroto (76/79) mas afirmam que foi ele que introduziu no futebol em Portugal o "pressing" no meio campo como táctica.
ResponderEliminarDaniel,
ResponderEliminarO melhor é sempre complicado no presente quanto mais em épocas distintas. Eu fico-me pelo "mais importante" ou seja, o conjunto que mais obstáculos teve e melhor soube definir o rumo do clube. Aquela equipa sem a qual talvez as outras nunca tivessem existido. Como os Busby Babes do Utd, as equipas do Shankly no Liverpool (antes do titulos do Paisley), o Milan de Sacchi (antes dos titulos de Capello)...
No nosso caso acho que a importância fundamental está no conjunto moldado por Pedroto em 76 e que, salvo Cubillas, logrou o titulo no ano seguinte. E em segundo plano as equipas de Mourinho porque pegaram num clube de rastos, a nivel nacional e sem impacto europeu, e estableceu as bases da nossa "ditadura" actual, desafiando igualmente os muitos milhões europeus contra os quais só nós, em 15 anos de CL, soubemos desafiar.
Um abraço
Mário,
ResponderEliminarTotalmente de acordo, Artur Jorge herdou essa equipa e essa filosofia e o seu grande mérito não foi o bicampeonato nacional (depois de largos anos sem um titulo, é certo) mas a forma como interpretou essa realidade ao futebol europeu e deu esse salto emocional que o projecto de Pedroto e Pinto da Costa necessitava. Trouxe essa modernidade europeia e permitiu ao clube subir mais um degrau e de certa forma tanto Ivic como Alberto Silva e Robson viveram muito da sua labor.
um abraço