A imagem do FC Porto na Europa é a de um caso de sucesso. Nos últimos anos jornais e revistas de referência, da France Football à Marca, da World Soccer à Gazzetta dello Sport, foram publicadas várias reportagens elogiosas à gestão do clube. É o reconhecimento internacional de que no estádio do Dragão as coisas se fazem bem e que muitos clubes europeus devem seguir o nosso exemplo.
A questão que essas reportagens levantam, os elogios que tecem ao FC Porto, estão no entanto pouco relacionadas com o futebol. Pode parecer irónico mas não o é. É raro ler em algum desses textos análises ao nosso modelo táctico, ao nosso sistema de jogo, ao talento do nosso staff técnico, à nossa política de formação ou à nossa hegemonia incontestada do futebol português nas últimas três décadas. São, sobretudo, artigos que se focam na forma como o FC Porto domina, na perfeição, o mercado de transferências, a política de import-export que temos praticado na última década. No fundo são artigos que falam mais da FC Porto empresa do que propriamente no FC Porto clube. E há uma diferença.
O trabalho da SAD na descoberta de talentos e na sua posterior revenda por valores milionários tem sido incrível. Descobrir jogadores como Deco, Lucho Gonzalez, Lisandro Lopez, Anderson, Pepe, Paulo Ferreira, Hulk, Falcao, Bosingwa, Raul Meireles, Bruno Alves e companhia, é algo que ultrapassa a gestão da esmagadora maioria dos clubes europeus. Muitos desses nomes não eram desconhecidos do grande público, mas o FC Porto apostou neles, recrutou-os antes de outros clubes e valorizou-os com a marca Porto. Pelo caminho realizou a maior soma de ingressos por transferências da última década no futebol europeu, muito por cima de outros gigantes. Tivemos os nossos erros, nos últimos anos temos alterado de forma significante essa política de descobrir barato e vender caro (leia-se Danilo, Alex Sandro, a própria compra do passe total de Hulk ou as revendas de percentagens), mas mesmo assim estabelecemos um comportamento padrão que só agora outros clubes começam a imitar. Essa gestão vem acompanhada de um imenso passivo - que a maioria das reportagens nunca menciona - e tem-se tornado mais consequência desses problemas de tesouraria do que desejo da própria directiva, mas os números não mentem. A política import-export empresarial do clube tem sido a base do trabalho da SAD nos últimos anos. Mas e o clube?
Neste mesmo período de tempo, uma década, o FC Porto clube venceu duas provas europeias.
Foi o corolário de duas grandes gerações - com o respectivo mérito da directiva em recrutar os jogadores e apostar em dois técnicos desconhecidos - mas durou o mesmo que uma estrela fugaz no céu. O primeiro ano depois de cada título europeu foi um desastre absoluto, um comportamento padrão com debandada generalizada, problemas de balneário e técnicos de perfil baixo para controlar um balneário de "vedetas". O clube saiu a perder e a imagem que deixou foi a de ter sido o sonho de uma noite de Maio e pouco mais. Desde então o FC Porto participou em nove temporadas de Champions League. Apenas por uma vez falhou a grande prova internacional de clubes, um registo que nos permite estar logo atrás do Manchester United como o clube com mais edições do torneio às costas. Precisamente por isso conseguiu coleccionar pontos (o ranking da UEFA não premeia da mesma forma a presença na Champions e o respectivo apuramento aos Oitavos com os mesmos pontos da Europe League) para ser por três vezes cabeças-de-serie da fase de grupos. Mas salvo em 2008-09, a equipa nunca mais passou a barreira dos Oitavos.
Eliminados por Inter (04-05), Chelsea (06-07), Schalke 04 (07-08), Arsenal (09-10) e Málaga (12-13) na primeira fase a eliminar não chegando sequer a passar da fase regular em duas épocas (05-06 e 11-12), os registos são pobres, muito pobres para uma equipa capaz de descobrir tão bons jogadores, de os vender por tão bom preço e de marcar presença regular na prova rainha do futebol europeu.
Também por isso o FC Porto começou a tornar-se um desconhecido para o grande público europeu. Pura e simplesmente porque ouvem falar dos "Dragões" mas nunca os vêem. Não os vêem porque, naturalmente, não seguem a Liga Sagres e na fase de grupos da Champions encontram, seguramente, jogos mais importantes que seguir. Se a equipa é eliminada na primeira ronda da fase a eliminar, está claro que continuará longe dos focos mediáticos. E isso é um problema para o clube.
Não só para as suas arcas (menos exposição igual a menos uns trocos na venda de alguns jogadores, menos receita de bilheteira em alguns jogos a eliminar por época) mas para a imagem internacional da instituição. No defesa todos falam do FC Porto, na capacidade espantosa do clube vender bem e comprar melhor, mas durante os nove meses que dura a temporada o clube passa por um suspiro pela bocas dos adeptos neutrais, os adeptos na Ásia e na América Latina, já para não falar no resto da Europa. E sem essa popularidade, dificilmente o FC Porto se poderá afirmar como um grande da Europa. Não é a compra e venda de jogadores que permitirá ao clube dar esse passo. Mal chega para manter a cabeça por cima da tona de água. É vencer os jogos que realmente importam na temporada europeia que permitem ao clube trepar posições na tabela dos clubes mais importantes do futebol europeu.
Actualmente o FC Porto está em oitavo no ranking da UEFA e será cabeça de série na edição do próximo ano. Consequência de cinco temporadas em que a equipa somou muitos pontos no ano da vitória da Europa League e no da chegada aos Quartos da Champions que compensam a pontuação mediana das outras três temporadas. Daqui a dois anos, quando essas duas épocas deixarem de contar, se os resultados se mantiverem na média actual, é provável que o FC Porto caia uma dezena de postos na tabela (dependendo também dos seus imediatos perseguidores, logicamente). É um toque de atenção para a direcção.
O Borussia Dortmund, um clube que, literalmente, faliu à menos de uma década, venceu duas Bundesliga consecutivas e este ano declarou, publicamente, desde o início da época que o tricampeonato não era o objectivo. Era chegar às meias-finais da Champions League. Porque isso não só valia muito mais dinheiro como daria muito maior exposição ao clube, permitiria manter alguns dos seus jovens jogadores e atrair outros tantos. A equipa sobreviveu ao "grupo da morte" e está perto de cumprir o objectivo e apesar de seguir a quinze pontos do Bayern Munchen nenhum adepto do Westfallen põe em causa a política do clube. Entende que a importância do sucesso continental hoje em dia supera, em muito, o do triunfo nacional.
O FC Porto é o maior clube português e dificilmente o deixará de ser nos próximos anos. Está na hora da direcção do clube começar a pensar mais na consolidação do clube na Europa do que perpetuar apenas a hegemonia doméstica.
Isso significa, em primeiro lugar, garantir que tem uma equipa técnica à altura dos desafios porque não foi por acaso que as melhores épocas europeias do clube chegaram com os treinadores com mais talento e carácter (Artur Jorge, Robson, Mourinho, Villas-Boas).
Isso significa pensar num plantel que dê garantias muito para lá de 30 jogos de uma liga medíocre onde só há quatro ou cinco encontros de nível de exigência alta ao ano, com mais opções por posto, com mais jogadores da casa para terem minutos nos jogos de liga prévios a choques europeus e procurando conciliar a excelente política de contratações de Hulks, Falcaos e Jackson com a de Maicons, Bosingwas e Meireles.
Isso significa exigir, desde o principio - mesmo que de portas para dentro - que os Oitavos são o principio e não o fim da carreira europeia, principalmente enquanto o clube pode sacar partido da sua condição de cabeça de série na fase de grupos, como pode suceder este e no próximo ano ainda.
Isso significa deixar de pensar no clube apenas como uma empresa de compra e venda (e não vou falar aqui de comissões, revendas de passes porque não acho que seja o momento) e mais como um clube que precisa de um núcleo duro que resista 4 ou 5 anos para fazer a ponte geracional e manter uma presença forte no balneário.
Isso significa, no fundo, pensar mais no FC Porto como um clube importante a nível europeu e menos numa empresa de negócios e um clube com uma dimensão meramente nacional, áreas onde já demonstramos solvência suficiente nos últimos anos. Para que as próximas reportagens das publicações internacionais não se foquem apenas na forma como fazemos negócios mas na qualidade dos jogadores que temos, no estilo de jogo que a equipa pratica, no talento do nosso treinador principal e na sensação de importância que começamos a transmitir lá fora.
Podemos não passar dos Oitavos para o ano, nem sequer no seguinte, se nos cruzarmos com os Barcelonas, Bayerns e Real Madrid deste concerto europeu de futebol. Mas temos condições, base, adeptos, talentos na equipa directiva e mentalidade para ser uma pedra no sapato de muitos dos clubes europeus que nos olham agora como o Málaga, um clube hábil na mesa de negociações mas frouxo no relvado quando chega a hora da verdade.