terça-feira, 30 de junho de 2015
O PODER DA TURBA E AS ASSEMBLEIAS PLEBISCITÁRIAS
No passado domingo o Sporting Clube de Portugal ("esforço, dedicação, devoção e glória", que o caso não é para menos), realizou uma Assembleia Geral, na qual, entre outras coisas, uma turba de mil sócios assanhados votou favoravelmente a expulsão de sócio de um antigo presidente.
"Foi 'democrático'", dirão aqueles que da democracia têm um conceito que raia o comicieiro. Mas eu acho que isto é tudo menos democracia e é, sim, a típica mobilização da turba para fins pouco dignos, por gente, também ela, muitas vezes pouco digna, e sem qualquer ponta de respeito por vozes dissidentes, as quais, muitas das vezes, nem vão a estes "comícios" por prezarem a sua integridade moral e física.
Não detém, obviamente, a agremiação do Campo Grande o exclusivo deste tipo de manipulação das massas e de perversão da democracia associativa. Lembro-me, a propósito, de um episódio ocorrido no nosso clube em 1969: o treinador José Maria Pedroto saíra do clube, a dois jogos do fim do campeonato, em conflito com o presidente, Afonso Pinto de Magalhães (os pormenores desse conflito ficarão, talvez, para um artigo futuro). O presidente, acossado na imprensa pelo referido treinador, decidiu promover uma assembleia geral, na qual propôs aos sócios que José Maria Pedroto nunca mais pudesse servir o F.C. Porto. A turba, claro, votou favoravelmente.
O calendário avançou e chegou-se a 1976. O presidente de então, Américo Sá, convidou Jorge Nuno Pinto da Costa para chefiar o Departamento de Futebol. Segundo constou, Pinto da Costa terá dito que só aceitaria o cargo se pudesse trazer Pedroto de volta ao clube. Nada mais simples: organizou-se nova assembleia, e os sócios, claro, votaram a favor do levantamento do "banimento" (a seca de 17 anos sem título de campeão e o esmorecer das memórias obviamente ajudaram.).
Onde pretendo eu chegar? Pois bem, em tempos existia no quadro estatutário do clube uma entidade chamada Assembleia Delegada, uma espécie de parlamento clubístico, para a qual os sócios elegiam os seus representantes. Muita matéria era da exclusiva competência dessa assembleia, assim retirando às decisões o imediatismo, irreflexão e demagogia - quando não traulitada - em que as assembleias gerais são mestras. Se a memória me não atraiçoa, foi Pinto da Costa quem propôs, e conseguiu, a abolição da Assembleia Delegada, que considerava elitista, ou coisa que o valha. Como hábil tribuno que sempre foi, a Assembleia Geral chegava-lhe perfeitamente. Mas perante os pouco edificantes espectáculos de muitas assembleias gerais, e atendendo até à parca representatividade que sempre manifestam, acho que chegou a hora de reinstituir a Assembleia Delegada, ou algo semelhante.
Decerto que o clube ficará a ganhar com o fim do poder da turba.
Fotos: ao alto, Afonso Pinto de Magalhães; em baixo, Juan Domingo Perón, antigo presidente argentino e hábil manipulador das massas.
Poderiam também colocar a fotografia do velho Pinto Balsemão que tem sido o grande manipulador de massas do pós 25 de Abril...Quase sempre na sombra.
ResponderEliminarO tal que avisou o pinóquio 2 de que era melhor pagar as dívidas que os jornalistas sabiam demais?
EliminarExacto, o godfather português!...Ele até se parece um pouco com o Marlon Brando decadente.
EliminarNão me digam, alguém está surpreendido por mais uma vez ficar demonstrado que o futebol profissional nada tem a ver com desporto?
ResponderEliminarO que preocupa é que depois do grande negócio do Adrian andamos armados em ricos outra vez.
@Nightwish, se calhar é porque somos (ricos) e não sabemos.
ResponderEliminarAgora a sério, obrigado ao Alexandre Burmester por (mais) uma pertinente visita à "memory lane".
Um grande texto. Bem hajas Alexandre.
Recordo que ouvi nas bancadas muitas críticas ao funcionamento da Assembleia Delegada. Uma parte substantiva dos sócios não dispensava o direito de intervenção ainda que o não exercesse. Tenho de memória que essa assembleia era escolhida entre os notáveis e de forma pouco criteriosa. Não desvalorizo a existência de camaras consultivas como as que funcionam no FCP e no FCP-SAD eleitas por sufrágio. Apesar disso, não lhes reconheço obra conhecida ou intervenção meritória. As Ag´s poderão ser o “pior”, mas não conheço alternativa melhor.
ResponderEliminarcom efeito, a democracia tem um preço, preço que estou disposto a pagar
EliminarMário, de facto já não me lembro dos moldes em que era organizada a Assembleia Delegada. Se esse modelo não era o ideal, isso não exclui, a meu ver, a criação de um novo equivalente, com base mais "democrática". Abraço
EliminarMas como referi, caro Luís Pires, na minha opinião as AGs são apenas uma caricatura de democracia.
EliminarNa verdade as AGs são uma caricatura de Democracia porque os cidadãos não sabem afirmar-se e tomar posição. Delegam sempre nos outros as suas próprias responsabilidades e a Assembleia Delegada representa isso mesmo, Delegação de Competências e Responsabilidade.
Eliminar