A chegada dos "pseudo intelectuais" ao futebol teve muitas coisas boas. Os métodos, a ciência e a inteligência permitiram trazer para o jogo algumas dimensões menos trabalhadas anteriormente.
Houve, no entanto, um ponto que os intelectuais trouxeram e que foi, a meu ver, muito negativo: a cultura (quase a religião) da posse.
Já sénior, tive um treinador que, com ironia, dizia: "O futebol é uma coisa muito simples. É pegar na bolinha e pô-la dentro da baliza".
Os intelectuais repararam que, na maior parte dos jogos, segundo as estatísticas, ganhava quem tinha mais tempo a bola, ou seja, quem tinha mais posse. Concluíram, então, que a possa originava e era causa da vitória.
Associaram a esta conclusão - absurda, como é evidente - uma recomendação aos jogadores: "Não larguem nunca a bola, mesmo que estejam em situação de risco e próximos da vossa baliza, pois se mantiverem a bola, não sofrem golos".
Este tipo de pensamento foi, como disse, muito negativo: vemos jogos que parecem "meiinhos" e equipas a sofrer golos ridículos, originados por perdas de bola em zonas proibidas (durante a minha formação, jogador que perdesse a bola em zona complicada, saía imediatamente do jogo).
Mas tudo continua, alegremente, a associar posse a vitória.
Ora, a posse não é causa da vitória. O que se passa é que, habitualmente, a melhor equipa tem mais posse; e a melhor equipa, habitualmente, ganha o jogo. Mas não ganha por ter mais posse, antes por ser mais eficaz nos diversos "momentos" do jogo (a defender, a disputar cada lance, a construir e, fundamentalmente, a finalizar).
O absurdo da posse fica mais exposto em provas onde a excelência está mais presente: em campeonatos da Europa e campeonatos do Mundo. Aí, manifestamente, não vai mais longe quem tem mais posse, desde logo porque equipas teoricamente inferiores, conseguindo concretizar nas poucas oportunidades que têm, alcançam o sucesso.
Fiz essa análise no campeonato da Europa de 2016, em que Portugal não teve um futebol de posse e foi feliz.
De resto, muito mais ligada à vitória está a distância percorrida pelos jogadores, por ser um indício de chegada mais rápida à bola e de sucesso na disputa de cada lance.
Neste campeonato do Mundo tivemos menos posse contra Marrocos (mas ganhámos nos duelos) e vencemos. Tivemos mais posse contra o Uruguai e perdemos.
O que fez o Uruguai? Fez o que dizia o meu treinador: pegou na bolinha e colocou-a dentro da baliza.
Também em Portugal, tivemos o exemplo do que sucedia com Lopetegui e do que sucedeu com Sérgio Conceição.
Tudo é importante: defender bem, construir bem e, especialmente, finalizar bem. A posse pode ser um meio, mas nunca deve ser um fim.
Eu prefiro o futebol da luta, da disputa de cada lance, do correr mais do que o adversário, do risco nas jogadas de ataque e do limpar a zona defensiva (não arriscando aí).
Espero estar a assistir ao enterro do futebol de posse, o futebol dos que aceitam e se resignam à frase "Jogámos como nunca, perdemos como sempre".
Que esse futebol descanse em paz.
Se ainda tem algum complexo com Lopetegui, esqueça isso e vire a página.
ResponderEliminarTudo o resto é um qualquer complexo sem qualquer fundamento.
Eu, ao contrário do autor, tenho pena de estar a assistir ao final da era do "futebol de posse", pois é sem dúvida o estilo que mais apreciei nos últimos 20 anos em que assisto ao futebol com maior atenção.
ResponderEliminarAlém disso, escrever um texto destes numa altura em que assistimos ao declinio deste tipo de jogo é menosprezar o que assistimos na era em que ele imperou.
Senão vejamos, quantas equipas vencedoras em grandes competições assistimos entre 2008 e 2015 que praticaram este estilo de jogo?
Para além dos inumeros campeonatos nacionais ganhos pelas equipas de Guardiola (Barcelona, Bayer e até mesmo o City esta última época), basta lembrar os Euros 2008, 2012 e os Mundiais 2010 e 2014, as quatro maiores competições internacionais de seleções, que foram ganhas por equipas de futebol de posse, inclusive 3 delas (2010, 2012 e 2014) tinham como equipa base os jogadores dos clubes de Guardiola nas respectivas alturas, o grande revolucionário e implementador deste estilo de jogo desde a época 2008/09.
Equipas vencedoras à parte, vimos um pouco por todo o mundo, nas diversas ligas e competições, equipas a sair a jogar desde trás, baseando como nunca o seu futebol na posse de bola.
Ainda nesta última época tivemos um exemplo disso em Portugal, com o Rio Ave a implementar esse estilo de jogo, o que até os levou a uma das (senão a melhor) classificação da sua história, mesmo com o desgaste e falta de melhores soluções do plantel na segunda parte da época.
Por isso, se há frase que possa caracterizar este tipo de futebol, nos últimos 10 anos, não será certamente a "Jogámos como nunca, perdemos como sempre"...
Excelente reflexão. Tb não compreendo como há tantos fundamentalistas da "posse" q conseguem ver horas infindáveis de futebol em q os jogadores nada arriscam e passam a bola sucessivamente para trás conseguindo, nos melhores jogos, criar 2 ou 3 situações de golo... Nada contra o Guardiola mas sim contra os maus seguidores q nada arriscam; nem qd podem...
ResponderEliminarNão foi o Guardiola que "implementou" a "posse" mas sim a escola Holandesa sendo o seu expoente máximo Cruijff, o Professor de Guardiola.
O sucesso do Real Madrid nos últimos anos deve-se a uma mudança de estratégia em relação à "posse", arriscando mais vezes no ataque e marcando muitos golos a recuperar perdas de bola ofensivas. A ambição do Ronal teve importância mas o Zidane tb deve ser valorizado.