«Essas altas funções [presidência do Sporting] têm sido exercidas por vigorosas personalidades clubistas com destacadíssimas posições no meio social português.»
in website ‘Centenário do Sporting’
Ainda a propósito da discussão havida no último ‘Trio de Ataque’, sobre qual era o clube do Regime durante o Estado novo, há um aspecto que me chamou à atenção: o número de altas patentes militares que foram presidentes do Sporting.
O Comandante Joaquim Guerreiro de Oliveira Duarte, foi presidente do clube de Alvalade durante 12 anos, em dois períodos distintos (1928-29 / 1932-42). Mais tarde, nos anos 60, sucederam-se na presidência dos “leões” mais três militares de alta patente:
- O Comodoro Joel Azevedo da Silva Pascoal (1962-1963);
- O Brigadeiro Horácio de Sá Viana Rebelo (1963-1964), que uns anos mais tarde haveria de fazer parte do governo de Marcello Caetano, como ministro da defesa nacional e exército;
- O General Martiniano Piçarra Homem de Figueiredo (1964-1965).
No último programa do ‘Trio de Ataque’, Rui Oliveira e Costa afirmou que Casal-Ribeiro não marcava golos. Pois, mas ter gente bem colocada às vezes é muito útil. Por exemplo, com o início da guerra colonial, todos os homens (com idade para isso), incluindo os jogadores de futebol, tiveram de cumprir serviço militar. Contudo, os critérios de colocação de jogadores nas unidades militares não parece terem sido muito claros. Recordemos três casos de jogadores portistas:
Lemos, que se tinha destacado como goleador nos juniores portistas, e que na época de 1970/71, com apenas 21 anos, marcou 6 golos ao Benfica nos dois jogos do campeonato (2-2 e 4-0) foi mobilizado e cumpriu o serviço militar na Guiné-Bissau entre 1973-74, em condições particularmente difíceis, conforme testemunho de um seu camarada de armas. Apenas regressou ao FC Porto em Setembro de 1974, mas nunca mais foi o mesmo.
Chico Gordo, que fez parte de uma grande equipa de juniores do FC Porto (que incluía o Lemos, o Vítor Silva, o Luís Pinto, o Aníbal na baliza entre outros) estreou-se na equipa principal do FC Porto na época 1968/69 (4 jogos a titular, 8 a suplente e 1 golo) e na época seguinte disputou 15 jogos (2 golos). Viria a ser mobilizado para Angola tendo ajudado o FC Moxico a ser campeão em 1972/73, destronando o Benfica do Huambo que tinha sido campeão na época anterior.
Seninho chegou ao FC Porto com 20 anos, na época de 1969/70. Natural de Sá da Bandeira, foi mobilizado em 1972 e teve de cumprir o seu serviço militar em Angola, tendo jogado no FC Moxico entre 1972-74. Voltaria ao FC Porto em 1974/75 e viria a ser um jogador decisivo no fim do jejum portista em 1977/78 (para a história ficou a sua exibição em Manchester, que lhe abriu as portas do Cosmos de Nova Iorque).
Se jogadores do FC Porto, como Lemos, Chico Gordo e Seninho, e também de outros clubes tiveram de cumprir o serviço militar numa das ex-colónias, com o argumento de que, como de lá eram naturais, tinham de "defender a sua terra", porque razão isso não se aplicou a todos?
O caso mais mediático foi o do Eusébio, que foi colocado a uns milhares de quilómetros da sua terra natal – Moçambique – , mais propriamente em... Lisboa!
Aliás, era normal grande parte dos jogadores serem colocados em Lisboa, os do Benfica, os do Sporting e os do... FC Porto. Foi o caso do portista Serafim, que jogou com Eusébio na selecção militar (Serafim que mais tarde haveria de ser transferido para o Benfica por 2.500 contos e, depois de duas ou três épocas no SLB, foi para a Académica).
Talvez os senhores Rui Oliveira e Costa e António Pedro Vasconcelos saibam e, num futuro programa, queiram explicar os critérios “transparentes” subjacentes à mobilização e colocação de jogadores de futebol durante os 13 anos que durou a guerra colonial.
Até lá, continuará a discussão sobre qual dos dois, Benfica ou Sporting, foi mais "acarinhado" pelos interesses e homens do Regime...
(1) Foto do Presidente da República, Almirante Américo Tomás, a condecorar os futebolistas do Sporting, que venceram a Taça das Taças em 1964 (única competição europeia ganha pelo clube de Alvalade)
(2) Plantel do FC Moxico (que incluía Chico Gordo e Seninho), campeões de Angola na época de 1972/73
A "mudança" do Serafim nada teve a ver com a vida militar.
ResponderEliminarO Serafim foi transferido para o SLB por 2.500 Contos. Depois de duas ou três épocas no SLB, foi para a Académica, onde jogou mais algum tempo. Muito fustigado por lesões, acabou a carreira bem antes de chegar a veterano.
Já falecido, Serafim é uma enorme saudade. Um potencial atlético muito acima da média, foi um jogador fabuloso que se "perdeu" no SLB. Foi, também, um excelente jogador de andebol e chegou a representar o FCP na modalidade.
De resto, José Correia tu és a verdadeira "vedeta" da época 2007/8, com este dicionário de oiro.
Duas pequenas correcções: o Lemos fez a tropa em Angola, tal como o Seninho e o Chico Gordo (eram os três de lá naturais). O Seninho chegou ao Porto na época de 1969/70 (teria uns 19 anos)e mais tarde foi então para Angola fazer a tropa. Ele e o Chico Gordo chegaram a representar naquele território a equipa do FC Luso (creio que era assim que se chamava, da actual cidade de Luena, capital do Moxico).
ResponderEliminarLembro-me de um jogador do Sporting que fez a tropa no Ultramar: trata-se do Oliveira Duarte (seria decerto familiar do tal presidente).
Mário e Alexandre, muito obrigado pelos vossos comentários e correcções.
ResponderEliminarRefiz o artigo e adicionei mais alguns elementos (e links).
É importante que estas coisas fiquem escritas e disponíveis para pesquisa e memória futura.
Tomei nota da correcção - aliás bem documentada - acerca do destino final do Lemos na sua missão em África. Obrigado pelo esclarecimento, José Correia.
ResponderEliminarQuando regressou à equipa, em 1974/75 e sob o comando de Aymoré Moreira, ainda fez umas flores e marcou uns golitos. Mas, de facto, nunca mais foi o mesmo. Jogou ainda no Espinho, na 1ª divisão.
Seria talvez interessante lembrar aqui que, nas suas duas primeiras épocas como senior, o Lemos esteve emprestado ao Boavista, sendo decisivo na campanha daquele clube na época de 1968/69, a qual viu o regresso dos ditos cujos à primeira divisão (onde até agora - mas não sabemos se por muito mais tempo - se têm mantido). Treinava o Boavista o nosso famoso "amigo" António Gama - esse mesmo, o guarda-redes da CUF do dia de São Calabote em 1959...
Alexandre, andei a pesquisar melhor o trajecto do Chico Gordo e na sequência disso refiz, novamente, parte do artigo.
ResponderEliminarNão sei ao certo quando é que o Chico Gordo regressou de Angola e o que aconteceu no imediato.
A coisa não deve ter corrido bem, porque na época de 1974/75 andou a jogar nos pelados da II Divisão, com a camisola do Lourosa.
Na época seguinte (1975/76) foi contratado pelo Braga (de regresso à 1ª Divisão), e nas épocas seguintes viria a destacar-se como o grande goleador dos arsenalistas.
Na mesma época que o Serafim foi transferido para o Benfica, foi também o Yaúca do Belenenses. O Serafim por 2.500 contos e o Yaúca por 2.400 contos. Uma nota curiosa:
ResponderEliminar- Na equipa do regime, um "gajo do Porto" entrar, seria complicado. Serafim tinha uma qualidade técnica e atlética fora do vulgar para aquela época. No Benfica, o ataque teria de ser sempre:José Augusto-Coluna-Torres-Eusébio e Simões. Entrar o Serafim? O Yaúca? Bom, só quando os "sobas" quisessem. Então para denegrirem o Serafim e como as moedas de 25 tostões de prata foram substituídas pelas de níquel, os mouros vermelhos passaram a chamar ás novas moedas SERAFINZINHOS, isto é, 2.500 qua nada valiam.
Transferiu-se para a Académica, arrastou-se pelos Nazarenos, esteve internado na Casa de Saúde da Boavista, para desintoxicação da droga que já consumia em larga escala e morreu canceroso na casa dos 50 anos. Efectivamente jogou andebol de 7 pelo nosso clube, mas apenas nos Juniores.
O Seninho, Chico Gordo foram mobilizados pelo Bartolo 3881 assim como o Fernando do Leixões, o Varela do Salgueiros e o Paixão do Barreirense, fazendo meia equipa do F C Moxico. Seninho e Chico Gordo eram enfermeiros, Fernando condutor e Varela transmissoes
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