sábado, 6 de dezembro de 2008
Setúbal, 13 de Abril de 1986
A propósito do jogo de hoje em Setúbal lembrei-me da nossa talvez mais épica jornada naquele estádio e decidi debitar esta prosa. Foi, de facto, um dia inesquecível.
A época de 1985/86 aproximava-se do fim. Faltavam precisamente duas jornadas e o F.C. Porto estava a dois pontos do Benfica, o primeiro classificado (e na altura as vitórias ainda valiam só dois pontos). Ao FCP restavam uma deslocação a Setúbal e uma recepção ao condenado Covilhã (treinado pelo nosso antigo jogador Vieira Nunes, aliás cunhado do nosso treinador Artur Jorge).
O Benfica recebia o “eterno rival” e deslocava-se ao recinto das “panteras”, então ainda não conhecidos por esse nome, mas já pelo de “remendados”. Ainda vinha longe o tempo do Boavista campeão, e mais longe ainda o dos jantares de solidariedade para com essa espécie de BPN do futebol.
Depois de ter sido campeão com bastante folga na época anterior, o FCP estava à beira de perder o título. De facto, datava da já longínqua época de 1965/66 a última vitória dos “lagartos” na Luz (por 4-2, com os célebres 4 golos do Lourenço). Além disso, as relações do FCP com o SCP eram do pior que imaginar se possa (presidia ao clube o famoso João Rocha, por José Maria Pedroto poucos anos antes alcunhado de “J.R.”) e, sem que se esperasse pouco profissionalismo da parte dos jogadores de Alvalade, ninguém os via a dar a pele em campo por uma causa alheia. Acresce que o nosso jogo em Setúbal não era propriamente favas contadas.
Com este estado de espírito pouco auspicioso se deslocaram ainda assim ao Bonfim uma mão-cheia de milhares de portistas para quem, para usar o chavão, a esperança era a última coisa a morrer. Na semana antes do jogo Artur Jorge lançou uns, nele inabituais, bitatites a propósito da necessidade de os árbitros desse fim-de-semana serem “corajosos”. Decerto preocupava-o a eventual “falta de coragem” de quem arbitrasse o jogo da Luz.
E lá começaram os jogos. Além de ainda estarmos nos bons tempos do futebol na tarde de domingo, estávamos nas três últimas jornadas, pelo que todos os jogos tinham de disputar-se à mesma hora. E de repente, das bocas dos portistas “transistorizados” nas bancadas do Bonfim sai o brado de “Gooolo!”. É verdade! Na Luz o Sporting inaugurara o marcador! Em Setúbal o jogo estava ainda 0-0. Passado pouco tempo novos festejos da falange portista em Setúbal: os surpreendentes lagartos acabavam de fazer o 2-0! Para que conste, e por uma questão de justiça, devo mencionar aqui os marcadores dos golos do Sporting, salvo erro Morato (que mais tarde seria jogador do FCP) e o inefável Manuel Fernandes, fundador da escola de mergulhos de Alvalade, a qual ainda hoje enobrece aquela ecléctica colectividade.
Em cima do intervalo, no Bonfim, Mlynarczyk faz uma reposição de bola em jogo com um passe longo, com a mão, na direcção de Futre, descaído sobre o lado direito do nosso meio-campo. O genial filho do Montijo, cuja presença nas nossas fileiras devíamos, como sabemos, ao atrás referido J.R., arrancou por ali abaixo no seu peculiar e empolgante estilo e inaugurou o marcador! Com o que estava a passar-se na Luz, aquilo era ouro sobre azul!
O Benfica viria a reduzir para 2-1, enquanto que em Setúbal as coisas se mantinham. O nosso jogo terminou antes do da Luz. No relvado, jogadores, técnicos e dirigentes do F.C. Porto, de transistor no ouvido, aguardavam ansiosamente o fim do jogo da Luz, no qual o Benfica desesperadamente procurava salvar-se de um inesperado naufrágio. Nas bancadas, entre os adeptos portistas, o ambiente era o mesmo. O espectro do Calabote chegou a pairar na imaginação de muitos, recordando as cenas de Torres Vedras 27 anos antes. Até que na Luz soava o apito final! Momentos indescritíveis no relvado do Bonfim, com uma festa verdadeiramente inesperada. O próprio Artur Jorge, indivíduo habitualmente calmo e ponderado, correu com os jogadores na direcção da bancada onde se situava o maior número de portistas, e todos festejaram esfusiantemente.
Era dia 13 de Abril. No meio da falange azul-branca um adepto bradava emocionado: 13 de Abril! Nª Srª de Fátima antecipou-se um mês! (nota: o campeonato acabava inusitadamente cedo para que a selecção nacional tivesse mais tempo para preparar devidamente a vergonha de Saltillo, o que efectivamente não deixou de fazer).
Uma semana depois o Benfica perderia de novo, desta vez por 1-0, no Bessa, como atrás referi, e nós, no meio de uns sustos (o Covilhã chegou a estar a ganhar nas Antas) venceríamos por 4-2. Dos dois pontos de atraso a duas jornadas do fim, acabávamos o campeonato em primeiro lugar e com dois pontos de avanço. Não fora este título e, obviamente, não teríamos disputado a Taça dos Campeões Europeus na época seguinte, precisamente a da Final de Viena! Tal é por vezes a estreita fronteira entre a glória e o fracasso.
Pois pois isso é tudo muito giro mas o f.c.p só foi campeão nessa época, porque o F.Martins na semana do derby lisboeta ofendeu o s.c.p e o João Rocha duplicou o prémio de jogo aos seus jogadores.Depois na última o jornada o amigo Major recebeu tb uns incentivos e o seu Boavista lé deu o título ao f.c.p.Calabote!? Em 100 anos de futebol português só sabem falar nele, curiosamente o f.c.p até foi campeão nessa época, logo se v~e o estrago que o Calabote fez.LOL
ResponderEliminarQuer-me parecer que tanto Sporting como Boavista fizeram o que lhes competia, caro lampião Peter: jogar para ganhar. Aliás, podia até o Benfica ter ganho no Bessa que já não seria campeão, pois o Porto tinha vantagem no desempate.
ResponderEliminarQuanto ao Calabote, eu sei que ele é uma espinha encravada nas vossas gargantas, mas também é verdade que, numa tão grande colecção de figurões, é lamentável que apenas ele tenha sido punido, ao longo de "100 anos", por benefícios ao Benfica.
Lembro-me perfeitamente desse jogo e do golo do Futre.
ResponderEliminarLembro-me também muito bem da festa preparada antecipadamente para o estádio da Luz. As contas eram simples: bastava o FC Porto não ganhar em Setúbal, para o SLB comemorar o título (evidentemente, era um absurdo pensar na hipótese de o SLB não ganhar em casa ao Sporting...).
Pela forma como decorreu, foi dos campeonatos que melhor me soube.
Nota: No último jogo do campeonato, o já despromovido Covilhã, encheu-se de brios e ao intervalo do FC Porto - Covilhã estava a ganhar por 2-1.
O Gomes fez um grande jogo, incluindo um golo de bicicleta, viramos o resultado e vencemos por 4-2.
Se calhar, José Correia, e a fazer fé no que nos diz o nosso estimado leitor Peter, também o Covilhã recebera uns "incentivos";-)
ResponderEliminarÉ caso para dizer que, afinal, quando a materia prima é de qualidade inquestionável, nem com os "incentivos" o adversário lá vai.
ResponderEliminarAlexandre Burmester disse: «Para que conste, e por uma questão de justiça, devo mencionar aqui os marcadores dos golos do Sporting, salvo erro Morato (que mais tarde seria jogador do FCP) e o inefável Manuel Fernandes, fundador da escola de mergulhos de Alvalade, a qual ainda hoje enobrece aquela ecléctica colectividade.
Esta passagem para mim está divinal! Ehehehehe
Excelentes recordações, lembro bem do sofrimento que foi até ao fim do jogo dos lampiões.
ResponderEliminarDepois a festa caseira entre mim e o meu Pai.
foram de facto tempos emocionantes... segui o jogo de Setúbal colado ao radio e sofri a bem sofrer nas Antas...
ResponderEliminarmas no final fomos mesmo campeões e a festa foi linda!!
Excelente evocação, Alexandre. Não me lembrava do dia, mas retive, do resumo que me lembro da tv, que o Futre rompeu foi pela esquerda, entrou na área em posição esquinada para a baliza e já no bico da pequena área, com a baliza à sua direita, meteu-lhe o bico (ou peito do pé?) creio que com o pé direito, à saída do g.r. sadino.
ResponderEliminarEssa imagem tenho-a gravada na minha memória e quase aposto qe foi com o pé direito, no desvio clássico à saída do g.r., que marcou, a bola entrou devagar junto ao canto mais distante. Mas estou seguro de que Futre correu pela esquerda, sempre a galopar.
Deliciosos os detalhes dos "piscineiros" de Alvalade, mas, antes, o do BPN do Bessa.
Esse título, de 1986, de resto pareceu comprometido no final da 1ª volta, porque o FC Porto perdeu na Covilhã por 2-0! Na última jornada, o FC Porto tinha de facto vantagem no confronto directo com o Benfica (vitória e empate), pelo que bastava-lhe ganhar ao já despromovido Covilhã. Estivemos a ganhar 1-0, o intervalo chegou com 1-2 e tive de sair ao intervalo para ir trabalhar.
Quanto ao Sporting, a raiva deles cresceu porque um mês antes tinham levado 5-0 ao intervalo nos quartos da Taça na Luz...
Adoro estes posts. :)
ResponderEliminarvideo do FC Porto 4-2 SC Covilhã
Salvo erro foi Venâncio e não Morato quem marcou um dos golos do Sporting, repito, salvo erro.
ResponderEliminarSaudações Portistas
Não fui a Lisboa, nem quis ouvir o relato. Resolvi ir ver o Salgueiros.
ResponderEliminarTentei alhear-me do que se passava nas bancadas, mas ao meu lado um "bacano" comentava as incidências do que se passava na Luz e em Setúbal.
Quando terminou o jogo em Vidal Pinheiro, ainda na Luz se jogava. Fui rapidamente para casa, sem saber ao certo o resultado, até que passou por mim um carro a buzinar furiosamente e com um cachecol do FCP a esvoaçar na mão dum jovem.
Fiz o resto do caminho numa cavalgada acelerada, mas serena, para ouvir os últimos relatos.
Depois, foi o jogo com o Covilhã. A nossa aflição não foi maior porque o SLB perdia no Bessa. Fomos campeões. Foi, porém, em Setúbal que se escreveu o prefácio do novo campeão europeu.
Recordo, ainda, desse jogo com o Covilhã, as excelentes exibições na 2ª parte de André, Elói e Fernando Gomes.
Caro Alexandre,
ResponderEliminarÉ sempre bom e bonito recordar com nostalgia estas emoções. Tinha 12 anos e o Porto desde que me conheço quem me corre intensenmente nas veias. Lembro-me muito bem desta vitória suada em Setúbal, mais, mais viva está ainda a recordação do golão do Gomes a virar o resultado no jogo da festa com o Covilhã nas Antas. Para mim, esse 3 a 2 foi o Golo dos Golos. O Golo que toda a vida sonhei marcar!
Á entrada da área, o bi- bota, dominou no peito levantando a bola que vinha pelo ar, e na queda da chicha encheu o pé num remate á meia volta que meteu a bola ao ângulo! Um sonho!...
Peter...pan ! Ou melhor: pum ?
ResponderEliminarZé Luís.
ResponderEliminarObrigado pela simpatia.
Garanto-te que o Futre correu pela direita na jogada do golo!;-) Também nunca mais me sairá da retina!
Um abraço
Francisco Marta disse:
ResponderEliminarLembro-me muito bem desta vitória suada em Setúbal, mais, mais viva está ainda a recordação do golão do Gomes a virar o resultado no jogo da festa com o Covilhã nas Antas. Para mim, esse 3 a 2 foi o Golo dos Golos. O Golo que toda a vida sonhei marcar!
Esse golo do Gomes foi o golo do empate a 2, como pode ser comprovado no vídeo que já foi aqui colocado: http://www.youtube.com/watch?v=iJq7wb77Oc0
Porra ó Saraiva deste-me cabo do sonho!
ResponderEliminarNão sabias que nunca se diz não a um puto de 12 anos?...