Por Hugo Mocc
Dizia a minha avó que não se pode ter tudo. Sol na eira e chuva no nabal, ter o bolo e comê-lo, etc. Ora cada vez mais o clube dos clubes europeus (ECA) onde o nosso Porto tão graciosamente se situa, anda, alegadamente, a preparar o caminho para uma Superliga Europeia que, num momento de recessão económica, parece ser para os clubes a panaceia ideal para a salvação de um futebol profissional altamente endividado e em vias de colapsar estrondosamente.
Tal como artistas de circo, os grandes clubes europeus lá vão fazendo os seus actos de malabarismo e/ou acrobacia financeira de modo a competir ao mais alto nível nessa montra que é a Champions League e, tal como na corrida ao ouro, ninguém se satisfaz com uma pepita aqui e outra além. Todos querem encontrar o filão. Todos querem os ovos de ouro, mas se puderem deitar a mão à galinha...
A proposta de um novo modelo de Superliga Europeia que veio a público via jornais italianos e franceses não é senão mais um passo tentado em direcção ao "Eldorado". Mais jogos entre os "Senhores da Europa", mais receitas televisivas, de bilheteira e patrocínios, a troco de mais do mesmo.
Ainda que veementemente desmentidos, os rumores que são agora públicos indiciam um fumo perto do qual haverá certamente fogo. A nova prova, ainda sob a tutela da UEFA, teria um contexto muitíssimo mais complexo de 3 séries com 20 a 24 clubes cada, com promoção e descida, e com lugares cativos para um certo número de clubes. Pondo de parte todas as questões de pormenor já debatidas um pouco por toda a Internet, interessa-me mais debater a causa e as potenciais consequências deste projecto, nomeadamente o seu impacto sobre o desporto simples que é o futebol.
Penso que a história do Rei Midas (o tal que transformava em ouro tudo em que tocava) se adequa ao problema. Na minha opinião, quanto mais o futebol se entrega à prospecção do lucro, mais vazio se torna e por consequência menos apelativo enquanto actividade de competição. A Superliga Europeia arrisca-se a ser um sucedâneo, não da NBA como pretende, mas sim de uma tournée dos Haarlem Globe Trotters. Pelo menos nos moldes em que o projecto parece estar a evoluir.
É verdade que, neste momento, na maioria dos campeonatos europeus existe um grande desnível entre as 4-6 equipas de topo e o resto que, como diz o povo, todos os anos lutam para não descer. Não seria então lógico agrupar os melhores numa prova em que todos competissem com outros clubes num patamar semelhante? Não queremos nós portistas medir as nossas capacidades contra outras equipas de top com mais frequência?
Por outro lado, o facto de que o Presidente da UEFA anda activamente a encorajar a fusão de alguns campeonatos (Balcãs, Bélgica e Holanda) não apontará para um caminho alternativo em direcção ao mesmo objectivo? Será que o agrupamento de ligas nacionais em ligas regionais poderá evitar uma secessão dos grandes clubes do organismo europeu para formar a sua própria prova?
Parece-me que no final, todos os caminhos irão dar ao mesmo. Dentro de 15-20 anos (se não forem menos) haverá uma prova rainha europeia com a "nata" dos clubes a competir semanalmente ou de 15 em 15 dias. Se será por grupos, eliminatórias ou num modelo de campeonato a duas mãos não sei, mas parece-me algo inevitável.
Mas o que é que isso implicará para o FC Porto, caso sejamos, como tudo indica, parte do grupo impulsionador destas mudanças? Penso que indicará mais receitas mas também acarretara maior desafectação entre o clube e os seus adeptos e principalmente sócios. Aliás, o passo dado quando se formou a SAD foi um passo, consciente ou inconscientemente nessa direcção.
E esse afastar entre adeptos e clube começará quando o clube deixar de jogar contra os seus rivais naturais para jogar contra clubes fortes mas de lugares longínquos. Quantos portistas poderão acompanhar a equipa pela Europa fora em deslocações bi-mensais do tipo amanhã em Istambul, para a semana no Dragão e para a outra S. Petersburgo? E com quem irão gozar, no emprego ou na escola, no dia seguinte? Parece-me que na busca do lucro maior os clubes se estão a esquecer que quem faz do futebol um espectáculo são os adeptos que se deslocam ao estádio para apoiar a sua equipa.
Neste momento de crise económica mundial, quando existe uma imensa oportunidade para repensar o desporto futebol, todos temos de reflectir se queremos Pão, Circo ou Pão e Circo. O que nos temos de lembrar é que o cobertor é curto e se taparmos a cabeça, os pés ficarão a descoberto. Não se pode ter tudo.
P.S.: Tal como há interesse que Rangers e Celtic deixem a SPL para integrar a Premier League, seduz-me a ideia de ver Porto, Benfica e Sporting e outros clubes portugueses integrar uma Liga Ibérica. Mas teria de aceitar a possibilidade de não voltar a ser campeão tão cedo. Será que estou para isso?
Concordo com o post, na globalidade. Julgo que essa possibilidade iria matar muitos campeonatos. Por outro lado, provavelmente poderia despertar a necessidade de os clubes começarem a "escolher " as competições que quereriam participar (lá se iria a Taça da Liga/ Liguilha da 2.ª circular, por exemplo). Mas os interesses económicos serão justificação para tudo? Onde ficará toda a envolvente futebolística aguerrida dos próprios nacionais?! E por outro lado, não criaria mais um fosso incontornável aos clubes com pouco poder competitivo? Não sei...a minha opinião tertuliana fica-se por aqui pois como diz um blogue portista: manda quem pode obedece quem deve...
ResponderEliminarO Hugo foca um ponto muito importante: as rivalidades a nível local e nacional. Estas são a seiva do futebol. Em Inglaterra, por exemplo, é vulgar um Liverpool-Everton ou um Manchester Utd. - Arsenal (para não falar apenas em "derbies") terem mais espectadores que um jogo da Liga dos Campeões. E, de facto, quem iremos gozar no dia seguinte a uma hipotética vitória sobre a Juventus?
ResponderEliminarPodemos detestar Benfica e Sporting, mas no dia em que deixarmos de jogar contra eles o futebol não terá o mesmo paladar.
O europeísmo futebolístico é como o outro: uma coisa insossa que não desperta a apaixonada adesão popular, apenas cálculos mercantis e megalomanias utópicas.
O artigo é uma interessante reflexão para a qual creio que poucos terão conclusões. Deixo a minha opinião:
ResponderEliminar. Creio que o caminho da competição europeia é inevitável dado proporcional melhores espectáculos e receitas
. A questão das rivalidades e dos derbies é muito pertinente pois é nesta rivalidade que assenta muito do interesse dos actuais campeonatos
. Mas a pergunto que coloco é a seguinte: onde nos levou essa rivalidade nos últimos anos, p.ex. em Portugal? diria que nos levou a um clima muito pouco saudável e que em nada tem que ver com desporto
. Coloco ainda outra pergunta: quantos adeptos dos Chicago Bulls se deslocam a LA para ver a sua equipa jogar com os Lakers? talvez nenhum seja uma boa resposta
. Mas a pergunta que se segue pode ser: os europeus têm a mesma cultura desportiva que os americanos, ou seja, os desporto em si é uma festa e a competição em si é saudável? diria que não
Aquilo que digo para concluir é que o caminho da Liga Europeia é inevitável para os melhores competirem entre si e que isso deverá levar a uma mudança simultânea da mentalidade dos espectadores, dos jogadores e dos dirigentes. Vai-se acabar o amor à camisola dos jogadores (ainda existe?), vai-se acabar o protagonismo dos dirigentes às custas das ditas rivalidades e os espectadores passarão a exigir profissionalismo dos intervenientes e espectáculos que justifiquem os preços do bilhete. Na minha opinião, o futebol talvez se tornasse num espectáculo mais saudável.
Na minha opinião, no dia em que isso acontecer deixo de achar qualquer piada à coisa. Se hoje em dia pouco se parece com um desporto, esse mundo será um mundo de super-vedetas que jogam em super-clubes completamente separados de qualquer realidade normal.
ResponderEliminarMas eu não faço claramente parte do público alvo, vejo um joguito de vez em quando...