Num artigo de opinião publicado no DN de 02/11/2010, Santiago Segurola, um dos principais jornalistas desportivos espanhóis, analisou a forma como os direitos televisivos cavam a diferença entre os clubes mais ricos/poderosos e os outros e, desse modo, distorcem as competições.
Vale a pena (re)ler, até porque, embora a escalas diferentes, a realidade portuguesa não é muito diferente da espanhola.
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A Liga espanhola está condenada a repetir-se. Cada temporada será a mesma que a anterior, com uma única diferença; o vencedor. Será o Barça - como nas últimas edições - ou o Real Madrid. É impossível pensarmos numa alternativa.
Os optimistas consideravam que este ano oferecia boas possibilidades ao Valência, Villarreal, Sevilha e Atlético de Madrid. Se não conseguissem ser campeões, pelo menos podiam ameaçar os dois colossos do futebol espanhol. A última jornada funcionou como um banho de realidade: os gigantes voltam a estar sós. Villarreal, Atlético de Madrid, e Valência empataram e o Sevilha até perdeu, humilhado em Camp Nou. Encaixou cinco golos.
O campeonato está submetido a um processo de destruição. O Real Madrid e o Barcelona recebem mais dinheiro de direitos televisivos que qualquer outro clube no mundo. Cada um cobra 120 milhões de euros pelo seu contrato com a empresa Mediapro. O terceiro clube no ranking é o Valência, com 44 milhões de euros. Segue-se o At. Madrid, com 42 milhões. Equipas como o Sevilha ou o Atlético de Bilbau - dois clubes de tradição em Espanha - recebem sensivelmente 20 milhões. E assim será até 2015. Cada temporada que passa agudiza mais as diferenças, que já são abissais. A competição está destruída, a maioria dos clubes encontra-se na bancarrota e os adeptos cada vez encontram menos motivos para sonharem com as suas equipas. O seu destino está traçado: a mediocridade.
A diferença também é escandalosa no que diz respeito às grandes potências do futebol europeu. A Juventus, o Inter de Milão e o AC Milan recebem, aproximadamente, 88 milhões de euros pelo contrato televisivo em Itália, que factura quase 50% mais que o mercado televisivo espanhol. Na Premier League, o sistema de distribuição concede 66 milhões de euros ao Manchester United. Na época passada, o clube que menos dinheiro recebeu foi o Middlesbrough; 40 milhões de euros, quase o mesmo valor que o Valência e o Atlético de Madrid tiveram direito.
Se, por outro lado, a Premier League e a Bundesliga se preocupam em manter uma fórmula equitativa que protege todos os clubes, a Liga espanhola distingue-se pelos enormes privilégios de dois clubes e a brutal diferença que os separa dos restantes. Resultado? Uma competição ferida de morte. Com o actual sistema, que seguramente se repetirá a partir de 2015 - último ano do actual contrato -, o futebol espanhol está condenado à destruição. A Liga espanhola não é uma competição real. É um lamentável simulacro.
Na época passada, o Barcelona obteve 99 dos 114 pontos que disputou. O Real Madrid conseguiu 96 e fez 102 golos. Perdeu a Liga porque foi derrotado nos dois jogos com o Barcelona. No fim de contas, a Liga resume-se ao duelo - primeiro em Camp Nou e depois no Bernabéu - entre as duas equipas. O restante tem, apenas, um valor ornamental. É comovente o esforço de equipas como o Hércules, recém-promovido à primeira divisão. Frente ao Real Madrid adiantou-se com um golo madrugador de Trezeguet. O sacrifício para manter a vantagem foi algo de dramático. O Real Madrid reagiu e marcou três golos na segunda parte. Ninguém pensou, por um momento que fosse, numa possível surpresa. É uma Liga sem nuances, empobrecida por um capitalismo selvagem que não atende os interesses do futebol em geral, apenas aos interesses muito particulares de dois clubes que não têm a mínima solidariedade.
O campeonato serve para sacar mais algum dinheiro para a competicao que realmente interessa: a Liga dos Campeoes. Com o tempo esta tendencia so' se vai agravar.
ResponderEliminarMuito mais no pais do Nadal, do Alonso e outros que tais... podem ter 20% de desemprego, mas enquanto der para festejar qualquer coisa, o povo nao se queixa.
A questão é que em Inglaterra e na Alemanha os dirigentes são capazes de olhar para o futebol como um todo, enquanto que em Espanha, Itália e Portugal impera o mega-clubismo e não há "estadistas" do futebol.
ResponderEliminarAlexandre, ao contrário de Portugal, Espanha, Itália, Grécia, etc. a distribuição da massa adepta em Inglaterra, Alemanha e já agora em França, é muito mais distribuída, o que por si só facilita um maior equilíbrio de forças, isto para além dum dirigismo competente (exclua-se o Tapie desta contas, apesar das vitórias do grande Marselha dos anos 90).
ResponderEliminarLeceiro,
ResponderEliminarEm relação a Portugal e Grécia ainda posso concordar parcialmente consigo, mas a Espanha e a Itália têm grandes centros urbanos para lá de Madrid, Barcelona, Milão, Turim e Roma.
Direitos televisivos esses que o essiobê quer para si, e para a benfatv, ou melhorados substancialmente. Mas porquê se as assistências deles não são diferentes dos demais? Sobre isso escrevi dois posts (deixo ficar aqui um link para um se não se importarem): http://bancadadeimprensa.blogspot.com/2010/11/cronica-de-santiago-segurola-02112010.html
ResponderEliminarI Desfralda a invicta bandeira À luz viva do teu céu! Brade a Europa à terra inteira: Portugal não pereceu Beija o solo teu jucundo O oceano, a rugir d'amor, E o teu braço vencedor Deu mundos novos ao Mundo!
ResponderEliminarA discussão acerca dos valores dos direitos televisivos e da forma como os mesmos são negociados – globalmente ou clube a clube – é um dos assuntos mais importantes do futebol actual e, particularmente, do futebol português.
ResponderEliminarÉ uma pena que todas as semanas se percam horas e horas a analisar ao milímetro decisões dos árbitros e nem um minuto seja gasto para discutir este assunto.
Alexandre, falo da massa adepta e não dos grandes centros urbanos, os nossos vizinhos dividem-se entre o Madrid e Barça e os restos são para o Atlético. As rivalidades entre regiões Espanholas fazem com que seja quase impossível encontrar um adepto do Sevilha em Vigo ou um adepto do Maiorca em Bilbao, por exemplo sendo que tradicionalmente os habitantes de cada região torcem pelos clubes locais mas continuam a simpatizar com o Madrid ou Barça.
ResponderEliminarEm Itália, a Juventus, o Inter e o Milão polarizam a massa adepta.
Eu se fosse Estrangeiro passava e ia embora!
ResponderEliminarO Ministro que fosse atrás de mim...
Mas isto discute-se, Ze. E como sabes no caso das modalidades deu origem a um intervenção na AG do Clube. Pode parecer que não, mas esta directamente relacionado.
ResponderEliminarA SportTv tem mais de 600 mil assinantes. Isto significa que, só por esta via, obtém receitas (aproximadas) na ordem dos 180 milhões de euros por ano (600000 assinantes x 25 euros x 12 meses).
ResponderEliminarActualmente, a quantia paga pela PPTV, empresa de Joaquim Oliveira, aos três grandes é de aproximadamente 25 milhões de euros por ano. A PPTV rentabiliza este investimento com as receitas da SportTV, com a venda dos direitos aos canais generalistas (TVI, SIC ou RTP), e com a venda destes conteúdos para diversos países (Angola, Moçambique, etc.).
A SportTV terá pago cerca de 50 milhões de euros à PPTV, para prolongar o contrato de transmissão televisiva dos jogos do campeonato nacional por mais uma época (2012/13).
ResponderEliminarDe notar que a SportTV é detida a 50% por Joaquim Oliveira e os outros 50% pela ZON.
Há um enorme espaço de renegociação dos direitos televisivos em Portugal. Se fosse feita uma negociação global, por exemplo através da Liga, estou convencido que seria possível aumentar significativamente o que é pago pela PPTV.
ResponderEliminarPor exemplo, um “bolo” global de 120 milhões de euros (2/3 da receita dos assinantes da SportTv), permitiria uma distribuição do seguinte género:
- 60 milhões para os três grandes (20 milhões para cada)
- 52 milhões para as restantes 13 equipas da I Liga (4 milhões para cada)
- 8 milhões para as 16 equipas da II Liga (500 mil euros para cada)
Estes valores são muito superiores ao que estes clubes recebem actualmente.
Por que razão não se avança em Portugal para uma negociação global dos direitos televisivos?
ResponderEliminarPara além de Joaquim Oliveira, a quem interessa que o negócio seja gerido clube a clube, com os clubes a partirem de posições frágeis perante uma entidade – PPTV – dominante e quase monopolista?