Nos próximos dias irão ser feitas muitas análises acerca do bicampeonato ganho pelo FC Porto, com os méritos e deméritos a serem enfatizados consoante a preferência clubística e os destaques, positivos e negativos, a muitas vezes dependerem dos objetivos que se pretendem atingir.
«Pode um título ser ganho também contra o próprio treinador da equipa campeã? Não é normal nem razoável que assim seja, mas acaba por ser essa a convicção com que se fica depois de se ouvir e ler não só boa parte da opinião pública e publicada, mas também uma grande fatia dos adeptos do FC Porto. “Somos campeões, apesar de Vítor Pereira” – eis a opinião-síntese de muitos portistas, que teimam em não admitir os méritos do seu próprio técnico.
A frase encerra alguma injustiça, porque Vítor Pereira é um treinador conhecedor e competente na maioria das vertentes do seu trabalho. Mas reflecte, por outro lado, as debilidades de alguém que mostrou não ter o necessário sentido de liderança e de comunicação. Tirando uma outra excepção, as prestações nas conferências de imprensa foram apenas sofríveis ou até pior do que isso. Do que se sabe, fica a ideia de que a sua verve também nunca resultou empolgante no balneário. Mais, alguns jogadores terão aproveitado o seu trato dócil, que já era conhecido desde o tempo em que era apenas o braço direito de André Villas-Boas, para cometerem alguns excessos disciplinares. Nesse aspecto ter-se-á destacado um grave episódio protagonizado por Cristian Rodríguez, em que os factos terão ido muito para além da troca de palavras agressiva que constou na altura. Antes de ser definitivamente afastado, o uruguaio terá ainda agredido João Moutinho.
Tudo isto acabou por não impedir Vítor Pereira de chegar ao sucesso basicamente à custa da conjugação de três circunstâncias: o FC Porto tem um plantel de qualidade superior, como pode ser comprovado pelo orçamento que já ultrapassa os cem milhões de euros; os portistas continuam a ser clube com uma retaguarda forte e capaz de servir de “pára-raios” nos momentos de maior tensão; e, finalmente, o Benfica de Jorge Jesus não soube aproveitar os tropeções portistas e, mais do que isso, acabou ele próprio por cometer demasiados erros não forçados, voltando a ficar provado que o seu técnico tem dificuldades em gerir o desgaste nos finais de épocas.
A época seria sempre complicada para qualquer técnico do FC Porto. Porque lidar com o sucesso seria uma realidade ainda mas difícil de gerir depois de uma época inesquecível e quase irrepetível como foi a de 2010-11. Seria mais difícil até para o próprio André Villas-Boas, se este não tivesse trocado a sua cadeira de sonho pelos rublos de Roman Abramovich. O termo de comparação iria sempre funcionar como um obstáculo suplementar. As múltiplas conquistas de há ano atrás acabaram por ajudar a inflacionar a sensação de que no domingo foi garantido um título com sabor agridoce. Porque pioraram de forma substancial os resultados (não só para consumo interno mas também nas provas europeias) e, não menos importante, a nota artística dos espectáculos baixou de forma evidente.
Alguns factores alheios à vontade e às opções de Vítor Pereira acabaram de contribuir para as dificuldades. Desde logo a venda de Falcao ao Atlético de Madrid. Porque o plantel ficou claramente sem um dos melhores pontas-de-lança do futebol mundial, mas ainda porque o clube confiou em demasia na ideia de que a juventude de Kléber e os quilos em excesso de Walter não iriam impedir os dois brasileiros de se afirmarem como alternativas suficientes. Isso é tanto mais estranho quanto o FC Porto investiu mais de 51 milhões de euros em reforços, quase 30 milhões dos quais na contratação dos jovens defesas Danilo e Alex Sandro, que chegaram ao clube em Janeiro.
O outro aspecto com influência negativa resultou da instabilidade que começaram por revelar alguns jogadores que, no final da época, tinham algumas expectativas de serem protagonistas de transferências milionárias para campeonatos mais atractivos. Estão neste lote Álvaro Pereira, Rolando, Fernando, Hulk e João Moutinho, mas principalmente os três primeiros. O FC Porto não conseguiu, desta vez, o que havia logrado com grande sucesso em 2004, quando convenceu todos os principais craques, designadamente Deco, de que valia a pena esperar mais um ano antes de assinarem contratos ainda mais milionários noutras paragens para poderem perseguir (e, naquele caso, conquistar) o título de campões europeus. Claro que para isso fez diferença o facto de o FC Porto ser então treinado por José Mourinho e não pelo adjunto de André Villas-Boas...
Na área técnica, as principais críticas a Vítor Pereira resultaram da colocação de Maicon a lateral direito durante um longo período a meio da época, isto depois de Fucile (entretanto transferido para os brasileiros do Santos) e Sapunaru terem sido ostracizados sem motivo aparente, sendo que o romeno acabou mais tarde por ser recuperado. Outros reparos surgiram da colocação de Hulk na posição 9, mas a verdade é que essa solução já tinha sido utilizada aqui e ali por Villas-Boas. Nalguns jogos de maior grau de exigência acabou por ser uma opção razoável, até porque não houve paciência suficiente para com Kléber (e este também não tem ainda a estaleca psicológica para lidar com a pressão).
No final do ano, quando o Benfica ainda dispunha de cinco pontos de vantagem e o bicampeonato começava a parecer uma miragem para os portistas mais pessimistas, o FC Porto resgatou Lucho, depois de ter percebido que o Marselha andava a contar os tostões para pagar ao argentino. Apostou assim na experiência e na qualidade de um jogador que tinha ainda a vantagem de dar estabilidade e liderança a um balneário à beira de um ataque de nervos. Mas nem isso tornou suficientemente entendíveis as cedências, por empréstimo, de Belluschi, Guarín e Souza. Face ao reduzido número de médios disponíveis, valeu a Vítor Pereira as poucas lesões e castigos que afectaram os quatro médios sobrantes.
Em Janeiro também chegou Janko, um avançado austríaco de estatura elevada. Inicialmente marcou alguns golos, mas acabou por ter um rendimento de acordo com o seu preço reduzido (três milhões de euros). Trata-se de um avançado sem a mobilidade de outros que passaram com sucesso recentemente pelo Dragão, e a verdade é que o FC Porto, compreensivelmente, também não mudou o seu modelo de jogo para melhor aproveitar as suas características.
(…)
Há anos em que o treinador é considerado o pai da vitória. Noutros, o mérito é atribuído à equipa ou, no mínimo, a um ou dois craques que fizeram a diferença. No FC Porto, muitas vezes os dividendos acabam por ser principalmente atribuídos à estrutura que Pinto da Costa lidera há três décadas e que ajuda a disfarçar as debilidades e a exponenciar as virtudes. Até nisso este foi um ano atípico, porque os defeitos estiveram demasiado à mostra.»
Bruno Prata
PUBLICO, 30/04/2012
P.S. Os destaques no texto a negrito são da minha responsabilidade.
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