A 15 de Abril de 1989, antes da meia-final da Taça de Inglaterra entre Liverpool e Nottingham Forest em Hillsborough, Sheffield (estádio do Sheffield Wednesday) 96 adeptos do Liverpool morreram em consequência da sobre-lotação da bancada que lhes estava reservada. Foi a maior tragédia de sempre do futebol inglês, e uma das maiores a nível mundial.
Estava-se em pleno período da suspensão dos clubes ingleses das provas europeias devido ao hooliganismo, pelo que muitos rapidamente concluíram que a culpa só podia ter sido dos adeptos.
Apesar dessa atitude geral, o Relatório Taylor, elaborado na sequência do desastre recomendou a abolição das vedações e dos lugares em pé nos estádios britânicos, o que foi posto em prática (com a consequente redução das lotações, o que ainda hoje afecta muitos clubes que não puderam ampliar os seus estádios ou construir novos).
Um luto geral abateu-se sobre a cidade de Liverpool, aquela, provavelmente, onde a paixão pelo futebol é maior em toda a Inglaterra (e a que ostenta mais títulos de campeão de Inglaterra, 27 no total, sendo 18 do Liverpool e 9 do Everton). O ambiente aqueceu especialmente quando uma famigerada capa de The Sun lançou a culpa sobre os adeptos.
Também a polícia, nos seus relatórios, procurou culpar os adeptos e isentar-se de responsabilidades.
Entretanto, ao longo dos anos, cresceu uma onda de revolta em Liverpool, com muitas vozes exigindo um inquérito independente à ocorrência (estes inquéritos, em Inglaterra, tendem a ser feitos e a ter consequências). Entre essas vozes contou-se a do Ministro da Cultura, Comunicação Social e Desporto (2008/2010) Andy Burnham, natural de Aintree, arredores de Liverpool, e adepto do Everton, o qual, por altura do vigésimo aniversário da tragédia, reclamou a divulgação pública por parte da polícia e dos serviços de emergência de documentação a que o Relatório Taylor não tivera acesso. Esta posição de Burnham levou à formação de uma Comissão Independente, presidida pelo Bispo Anglicano de Liverpool, a qual, na semana passada, tornou públicas as suas conclusões, devastadoras para a polícia e serviços de emergência. Ficou demonstrado que houve um grande encobrimento e distorsão dos acontecimentos por parte da polícia.
Perante uma Câmara dos Comuns visivelmente consternada, o Primeiro-Ministro David Cameron informou das conclusões da comissão e pediu desculpa às famílias das vítimas em nome do governo e do país. As conclusões foram encaminhadas para o Procurador-Geral, o qual poderá dar início a processos-crime.
Na passada 2ª feira realizou-se em Liverpool o primeiro jogo desde a divulgação do relatório, entre o Everton e o Newcastle. Numa grande manifestação de solidariedade, o Everton homenageou antes do jogo as 96 vítimas da tragédia. Passaram nos ecrans os nomes de todas elas, enquanto a instalação sonora tocava "He ain't heavy, he's my Brother" dos Hollies. O futebol consegue, por vezes, unir os maiores rivais.
Nota: Esta solidariedade entre Everton e Liverpool teve, aliás, há poucos anos, semelhante expressão em Anfield, na homenagem a um rapazinho, adepto do Everton, morto por uma bala perdida num parque de estacionamento. O Liverpool convidou a família do infeliz e a instalação sonora de Anfield tocou o hino oficioso do Everton "Z Cars", antes de um jogo da Liga dos Campeões.
PS. Noutros tempos, vi muitos jogos em pé em Portugal, e que nem sardinha em lata. Não sei como uma tragédia destas nunca por cá aconteceu.
Esta é uma circunstância muito british; primeiro, como o foram tantas vezes ao longo da sua História, apesar de se considerarem justos e imparciais, acusaram o lado mais fraco... os suspeitos do costume. Depois, como também têm sido ao longo da sua História, foram dignos a reconhecer os seus males e defeitos, e repuseram a justiça...
ResponderEliminarWhat a waste of time!
Quanto ao futebol, ele é sem dúvida o desporto das massas (demos graças a Deus que nem Hitler, nem Staline, nem Mao gostavam da bola) e demonstra o que há de melhor e pior no comportamento das massas...
Quanto a nunca ter acontecido uma desgraça destas em Portugal, duas razões: a primeira , foi sorte; a segunda que os portugueses são sempre mais desconfiados e por isso tendem a pensar por si próprios nas ocasiões de aperto...
vivi isso no jogo de revanche do Bayern nas Antas... houve uma confusão, e abriu-se uma clareira para os "confusionistas" se expressarem sem prejudicar mais ninguém... levei boas pisadelas, mas...gostei
23 anos depois?! Parece o caso Camarate. Não é próprio dos ingleses, por isso até o primeiro ministro ficou envergonhado.
ResponderEliminarMas o caso Camarate chegou ao fim?
EliminarNão, meu caro Nightwish! Nem Camarate, nem Entre-os-Rios, nem sequer - imagine-se! - o regicídio de 1908! O que se passou em Inglaterra com este caso foi uma situação típica de "no melhor pano cai a nódoa". Mas nem toda a gente assim o entende...
EliminarPremier League, está a milhas de todos os outros campeonatos nacionais, em todos os aspectos.
ResponderEliminarNuno,
ResponderEliminarO teu comentário está claramente "off-side". Além disso, quem dera às famílias das vítimas de Camarate que, 23 anos depois, o caso tivesse sido esclarecido. É que já lá vão 32 anos, e nunca alguém algum dia será trazido perante a "justiça" portuguesa por causa de Camarate. Por cá, tudo prescreve e pouco se investiga e, à parte isso, a culpa morre sempre solteira. Mas, se queres fazer ironia, estás à vontade. Eu prefiro pensar naquelas 96 pessoas que apenas pretendiam ver um jogo de futebol.
Muito bem!
ResponderEliminarPs: sobre o adepto que morreu na final da taça, nunca mais se falou nada pois não?
Nem a federação, nem o clube fascista o slb fez nada pela família, que ao que parece, e que segundo ouvi dizer, até passam bem mal no dia a dia! Gostava de ver ser feita no salão de festas(luz) do FCPorto, uma homenagem ao falecido, mas isso seria impossível e inadmissível, para o pessoal do slb, principalmente para o vice-ordinário RG da Selva!
Alexandre,
ResponderEliminarNão é ironia. É um escândalo - e uma vergonha - que a responsabilidade da morte de 96 pessoas tenha demorado 23 anos a ser clarificada. Já que te queres debruçar sobre o assunto pensa nos familiares daquelas 96 pessoas que apenas pretendiam ver um jogo de futebol.
Mas claro que é um escândalo e uma verhonha, Nuno. O Primeiro Ministro brtitânico até deixou isso bem claro. Houve, aliás, unanimidade na Câmara dos Comuns, tendo o líder da Oposição referido que a responsabilidade deste atraso todo é de todos os governos que entretanto estiveram no poder.
EliminarEmocionante, diria mesmo comovente, a foto de uma menina e um menino de mão dada, envergando as camisolas dos dois grandes rivais de Liverpool e cujas camisolas compõem o número 96.
ResponderEliminarEssa imagem, José Correia, resume tudo. Não esqueçamos que, decerto, entre as 96 vítimas haveria familiares e amigos de adeptos do Everton, mas isso é secundário. Um cidade unida na dor, foi o que aquilo representou. E aproveito pra render o meu respeito a Sir Alex Ferguson, que se deslocou propositadamente a Goodison Park para asssitir a esta cerimómia.
EliminarEsperemos que, no domingo, aquando do Liverpool v Man. Utd., as coisas corram assim tão bem. É que há um pequeno segmento de adeptos do Man. Utd. que persiste em fazer piadas de mau gosto acerca do desastre de Hillsborough.
É, também, por situações como esta, que a Premier League é o campeonato mais apaixonante e com maiores audiências a nível mundial.
ResponderEliminarA premier league é a melhor liga do mundo, o campeonato português é o 4º.
ResponderEliminarBelíssimo texto. Parabéns.
ResponderEliminarUm grande dia. Parabéns pelo texto!
ResponderEliminarNão há muito mais a dizer sobre os acontecimentos ligados à tragédia de Hillsborough mas acho que a questão dos lugares sentados não é universalmente aceite como solução permanente.
ResponderEliminarVeja-se o caso da Bundesliga onde vários clubes, como por exemplo o Borussia Dortmund, desfrutam de bancadas específicas para adeptos que querem ver os jogos de pé. Mais a mais é um ambiente completamente diferente, e seguindo um mínimo de regras de segurança é uma situação perfeitamente comum e geralmente bem aceite pelos adeptos.
Basicamente o que quero dizer é que os "Stands" ou áreas onde os adeptos vêem os jogos em pé podem ser tão seguras como as bancadas com assentos.