terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O portista que acabou ídolo em Lisboa

Não é muito habitual em Portugal que se conheça a paixão clubistica de um jogador quando este se transforma em ídolo do seu maior rival. Mas com o Benfica o historial de jogadores que nasceram e cresceram portistas e acabaram por brilhar ao serviço dos encarnados não é curta. Os exemplos mais recentes de Nuno Ribeiro (Gomes, apenas pela sua devoção ao "Bibota" a quem queria suceder de azul ao peito) e João Vieira, Pinto, que chorava baba e ranho quando o FC Porto perdia em miúdo e acabou rejeitado nas captações do clube, ou até mesmo de Artur Jorge, que das categorias inferiores do FC Porto passou a Coimbra e daí a Lisboa, escondem uma história similar mas com mais de 70 anos.

Em 1949, o mundo do futebol acordou estupefacto. O acidente de Superga, em Itália, tinha acabado com a vida da mais formidável equipa do pós-guerra, o Il Gran Torino. Era a equipa de Loik e de Mazolla, os pentacampeões de Itália, herdeiros superlativos da escola centro-europeia. Um mês depois deveriam viajar à Peninsula Ibérica para decidir o destino da primeira edição da Taça Latina, criada em parte para medir o seu valor nos palcos europeus. Nunca veio a equipa de gala, perdida nessa tarde de nevoeiro. O voo vinha de Lisboa, precisamente. De um jogo de homenagem que passaria para a história como um jogo negro. O jogo de despedida do capitão do Benfica, Francisco Ferreira.

O curioso é que o herói encarnado, capitão da equipa durante largos anos, era portistas dos pés à cabeça.
Tinha nascido em Guimarães, em Agosto de 1919, mas desde cedo tinha vindo viver para o Porto. O seu pai era o porteiro do campo da Constituição e desde pequenino que "Chico"  se tornara um fanático adepto do clube. Começou desde baixo, a limpar as chuteiras dos jogadores da primeira equipa no intervalo dos treinos das equipas juvenis e com 17 anos cumpriu o sonho de estrear-se com a camisola azul e branca. Era uma das grandes promessas do clube e foi um dos mais lutadores no célebre Porto vs Benfica que acabou com o sonho do título em 1938 no estádio do Lima. Sofreu o insofrível às mãos da defesa benfiquista e assistiu Pinga para o segundo golo. No final da temporada, recebeu uma oferta inesperada do Benfica. Ofereciam-lhe 1000 escudos de ordenado e uma ficha de 15 mil escudos.

O jogador, pobre mas honrado, respondeu que preferia ficar no Porto e que falaria com o clube para saber se tinham previsto melhorar o seu salário. Titular indiscutível, Ferreira ganhava a metade de muitos dos seus colegas de equipa como Reboredo, Pinga, Poças, Vianinha e Carlos Nunes. Pediu 700 escudos - menos trezentos do que oferecia o Benfica e mais duzentos do que ganhava - e uma ficha de 10 mil escudos. E um emprego numa das empresas dos directivos do clube. A direcção bateu-lhe com a porta na cara. Uma semana depois apareceu o Benfica com 13 mil escudos nas mãos para conseguir a carta de liberdade. A directiva do FC Porto acedeu de bom grado e um dos seus melhores jogadores lá fez as malas e tornou-se na figura nuclear da equipa encarnada durante a década de 40.

Curiosamente, um mês depois de vender Francisco Ferreira, o FC Porto abordou o espanhol Quincoces, que acabaria por assinar pelo Real Madrid, oferecendo-lhe 1500 escudos de salário e um prémio de 15 mil escudos para substituir...Francisco Ferreira. O espanhol recusou a oferta (ganharia o dobro ao serviço dos merengues a partir da época seguinte) mas ficou claro que para a directiva de então o dinheiro não era o problema. O problema era onde o gastar. Quanto ao jogador, voltou ao Porto depois de acabar a carreira. Quando soube do desastre de Superga - ele que tinha sido convidado para seguir com a equipa no avião - enviou todo o prémio do jogo de despedida para as famílias das vitimas. Um coração à Porto que a directiva do clube preferiu esquecer e impedir uma carreira de sucesso de dragão ao peito.

7 comentários:

  1. Outro portista que acabaria simbolo dos avermelhados: Humberto Coelho!
    Pretendido pelo FC PORTO e pelo clube da capital foi vendido pela... mãe que gostou mais de ver o dinheiro nas suas mãos que o filho perto de casa!!!! Esta história é bem conhecida em Ramalde.

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  2. http://www.record.xl.pt/Futebol/Nacional/1a_liga/Porto/interior.aspx?content_id=802962


    Paga o Guardanapo...

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  3. ...Só que o Humberto, chegado a Lisboa, foi dos tais que ainda em júnior já dizia que era benfiquista desde pequeno...
    Sobre estes casos, embora algo diferente, o que mais me entristeceu foi o Gomes não ter acabado a carreira no F C Porto e por cauda do palmelão pequenote, com a Direção a assobiar para o lado, teve de ir acabar no Sporting, como podia ter sido noutro lado qualquer.
    Ainda quanto ao Chico Ferreira, tenho diversas revistas Stadium em cujos números há uma crónica continuada a contar a sua biografia.
    Abraço.
    Armando Pinto
    http://memoriaporto.blogspot.pt/

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  4. Caro Miguel Lourenço Pereira muito obrigado por esta estoria.... Nem sequer imaginava isto e por isso prezo cada vez mais o n/presidente (apesar de nem sempre estar de acordo com ele).Ainda assim às vezes assistimos a estas coisas nas camadas Jovens (vide o Andre Gomes do SLB que é ed Grijo e era fanatico pelo FCP) mas se fosse nos Seniores alguem imaginava que o n/presidente deixasse que tal acontecesse.....

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    1. Caro Miguel, de memória e já com Pinto da Costa como presidente, lembro-me do Gomes, Jaime Pacheco e Sousa a saírem do Porto para o Sporting.

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  5. Sim, uma história interessante. Atenção que lá por terem nascido no Porto não significa que fossem simpatizantes ou adeptos do FCPorto. Mas há muitos benfiquistas que jogaram no Porto.

    Fernando Couto, que ia com o pai frequentemente à Luz. Paulo Ferreira é benfiquista. Assim como Maniche. Mas há muitos mais.

    No Sporting então nem se fala! O Patrício é benfiquista. Mas ninguém sabe! lol!

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