segunda-feira, 31 de julho de 2017

Rock and Roll

Quando Jurgen Klopp assinou contrato com o Liverpool, interrompendo o seu ano sabático, a cidade dos Beatles celebrou o feito como um regresso às origens - tácticas e emocionais - e a imprensa local, sempre desejosa de tecer comparações com a sua herança musical declarou que tinha voltado o "Rock and Roll" a Anfield Road. Klopp tinha-se celebrizado com o seu modelo vertical, ofensivo e de pressão alta no Dortmund, o "Gegenpressing", e nos últimos dezoito meses logrou repetir o modelo de jogo em Inglaterra. Salvas as (imensas) diferenças que (ainda) existem entre Klopp e Conceição e entre os plantéis de Dortmund e Liverpool com o FC Porto, não é no entanto descabido olhar para esta pré-temporada a que falta apenas um jogo, e assumir que o Rock and Roll também voltou à Invicta.

O termo de comparação ajuda.
Quem sobreviveu a Nuno Espirito Santo está preparado para desfrutar e ver o lado positivo de tudo. O jogo pastelento, sem ideias, defensivo e primário de NES é felizmente passado mas isso não impede de que ver que o salto qualitativo para Conceição seja real. Olhando para a equipa, nestes últimos encontros, há uma evidente aura a anos noventa que não podemos ignorar. O jogo com dois avançados que se complementam a lembrar a verticalidade da dupla Domingos-Kostadinov ou, numa comparação simpática e distante, entre Jardel (Aboubakar) e Artur (Soares). Com a bola, o posicionamento da equipa convida a um jogo ofensivo pelas alas - com a abertura dos laterais e o jogo combinativo interior dos extremos e médios com a dupla de ataque - não muito distante do clássico 442 utilizado até à chegada de António Oliveira, com a equipa a jogar, efectivamente, muitas vezes num 4-1-3-2. E depois está a evidente garra e o dinamismo físico que recorda os melhores anos de Robson, de uma equipa sempre disposta a jogar simples e fácil mas com uma ideia vertical de jogo. Poucos passes, futebol menos rendilhado mas extremamente mais eficaz, com o esférico a ser conduzido em direcções concretas para gerar constante superioridade na zona de finalização. Rock and roll com chuteiras.



A realidade do futebol português, demonstrada na última década, pede um modelo assim.
O futebol mais pensado e pausado, de controlo do esférico e do espaço mas com poucos homens a aparecer na zona de definição que marcou os anos de Vitor Pereira e Lopetegui pode funcionar até melhor na Europa - onde a qualidade dos rivais é muito superior e há mil variações tácticas a ter em conta - mas no campeonato português, como Jesus, Villas-Boas, Jardim, Marco Silva e Vitória entenderam perfeitamente - por oposição a Paulo Fonseca, Nuno Espirito Santo e companhia - o que conta em 90% dos jogos não é a posse nem o controlo do jogo desde o dominio do espaço mas sim o sufoco ofensivo de forçar o erro ao contrário ocupando os espaços de finalização e tentanto chegar até lá com o menor tempo de posse possivel para aproveitar a desorganização contrária. Dois avançados sempre móveis na área, extremos que se incorporam, laterais que esticam o campo e interiores com remate, foram marcas das equipas do Benfica e de Villas-Boas e mostraram funcionar perfeitamente para um enquadramento onde a imensa maioria dos rivais joga posicionando os seus homens atrás da linha do meio campo a esperar possíveis contra-ataques. Rendilhar o jogo pode ser desesperante e exige paciência e muito talento, sobretudo individual, para quebrar esses muros. Atacar sucessivamente, de diferentes formas e com muita gente é um modelo que sendo menos controlador, na posse, tem mais opções de levar ao erro do contrário e é um atalho mais rápido para o golo. Conceição, ao contrário de NES, sabe-o perfeitamente dos seus dias no Minho, onde as suas equipas sempre procuravam em momentos de ataque surpreender o rival pela acumulação de efectivos ofensivos mesmo que isso ás vezes também significasse que a equipa ficava partida nos momentos de perda. Com um plantel superior e uma força moral por detrás do escudo do Dragão, tem ficado claro que empurrar os rivais contra as cordas - a sua área - e dedicar-se a aplicar golpe atrás de golpe - remates de todos os enquadramentos, acumulação de jogadores em zonas de finalização - mais tarde ou mais cedo vai provocar um KO. Se Vitor Pereira ou Lopetegui jogavam para ganhar o combate aos pontos, se NES jogava para não perder o combate aos pontos, Conceição joga para o KO. Fazia falta esta lufada de ar fresco.

Há ainda muito trabalho táctico pela frente - um mês de trabalho colectivo não é nada - mas as ideias estão lá e nota-se, sobretudo, que os jogadores entenderam o plano A do treinador (falta por ver se existe e qual é o plano B e C) e que há uma clara sintonia do banco para o campo.
É normal que no início tudo seja amor. Os jogadores querem triunfar e estão, quase sempre, predispostos a abraçar novas ideias se isso significar vencer. Os laços são verdadeiramente testados ao primeiro tropeção, nos dias frios de Inverno ou quando mais tempo de banco signifique menos tempo de jogo para alguns. É aí que a liderança de Conceição será realmente testada mas até agora as impressões são claramente afirmativas. No discurso, na atitude no banco, no trabalho da equipa e na motivação dos jogadores.
A recuperação de Aboubakar - que complemente a Soares e Brahimi melhor do que André Silva, que sendo melhor jogador e avançado não tem a presença física do camaronês, que abre outras modalidades de jogo a ser exploradas - é um dos seus primeiros grandes méritos e não foi necessário afastar um Brahimi que é sempre determinante, durante uns meses, para mostrar quem manda. Conceição sabe que não há dinheiro para reforços (mas para as comissões de Vaná, seguramente sobra algo quando o que sobra realmente é o jogador, como Conceição tem deixado claro ao manter José Sá como número 2 de Casillas) e fez dos descartados Hernani, Marega, Aboubakar e Ricardo Pereira apostas seguras em distintos momentos. Não tem havido demasiado espaço para as afirmações da formação. Rafa sofre com o overbooking á esquerda de Alex e Layun (se há necessidade de vender, realmente, esta é a oportunidade de ouro para que um deles saía) e a Dalot passa-lhe o mesmo à direita onde Maxi deixou claro já que será importante para o balneário mas que em campo não oferece o mesmo que Ricardo. Conceição, melhor do que ninguém, uma vez que também foi lateral e extremo, sabe o que sacar do jogador e o futebolista tem demonstrado que é dificil encontrar um lateral ofensivo melhor que ele na ala direita em Portugal. A sua amplitude ofensiva tem-se revelado fundamental para o apoio a Corona e a possibilidade de o utilizar à frente do próprio Maxi revela bem a fartura de opções para as alas que Conceição vai procurar utilizar (Brahimi, Ricardo, Hernani, Corona e o próprio Layun, sem esquecer Otávio) ao largo da temporada.
No ataque a dupla Aboubakar-Soares é uma certeza já e ainda que seja dificil imaginar que Marega possa causar o mesmo impacto, estando em campo - e Rui Pedro continua a ter escassos minutos para provar o seu real valor - não seria de surpreender que não venha mesmo mais nenhum reforço, pelo menos até Janeiro. Se o ritmo goleador se mantiver - e com Conceição o positivo é que com tantos jogadores em zona de finalização vamos ver futebolistas pouco habituais na lista dos marcadores - pode até ser que não faça falta.

O que sim vai ser curioso ver é a conjugação dos nomes do miolo.
O modelo de pressão alta de Sérgio Conceição parte de um 4-1-3-2 em posse, onde os extremos fecham as laterais formando um losango na perda da bola, o que obriga um maior sacrificio de Corona e Brahimi. Em principio há poucas dúvidas que os vértices serão entregues a Danilo e Oliver. São os melhores jogadores para as respectivas posições. No caso do internacional luso nota-se que chega tarde e que precisa de recuperar o tom físico e beber das ideias do técnico mas tem valia suficiente para se fazer com um lugar que, curiosamente, teria assentado como uma luva no modelo de jogo de Ruben Neves, em que o pivot defensivo não é apenas um polvo mas tem a responsabilidade dupla de iniciar a criação da jogada - algo que Neves fazia melhor que Danilo - e também muitas vezes aparecer à entrada da área em posição de remate ou de último passe - algo que Neves também fazia melhor que Danilo. A ajuda constante dos laterais em posição de posse e a pressão uns metros mais acima do habitual com NES, com a linha de quatro da frente a exercer o primeiro bloco de pressão, liberta muito das funções do pivot defensivo o seu trabalho de estar em todas partes e isso tem-se feito notar. Talvez por isso SC tenha igualmente tentado colocar André André ou Herrera nessa posição mas a qualidade do passe de ambos faz-se notar demasiado tanto na saída da bola no início da jogada como no momento final da conclusão. Servem para correr e ocupar espaço, colaborar na pressão, mas Conceição pede mais ao "6" do que isso, ao contrário do modelo primário de NES. E no plantel, actualmente, ninguém pode oferecer essa função. No outro lado está Oliver, mais completo que Otávio em tudo, com essa pausa chave para permitir que as restantes peças do tabuleiro se mexam e com essa facilidade do primeiro toque que desbloqueia situações de um para um e gera superioridade. Será fundamental no modelo de Conceição, um autêntico Deco que muitas vezes seja liberto da pressão pela ajuda de um dos avançados para depois receber em recuperação a bola em melhor posição e aplicar a sua magia. Nenhum modelo de jogo favorece mais as suas características de uma forma pro-activa que este. Terá de o aproveitar.



Sem embandeirar em arco - afinal de contas, o FC Porto sabe que parte para mais um campeonato que não se joga só em campo e onde ser muito competente pode não ser suficiente - as melhorias são evidentes. Com menos Conceição tem feito mais do que os seus últimos predecessores e resta agora saber se esse mais será capaz de o fazer em jogos a doer e contra rivais de caracteristicas distintas. O processo de crescimento é acumulativo e a equipa, como um todo, terá de evoluir com as novas ideias do técnico mas no Dragão respira-se já outro ar. Esperam-se jogos mais verticais, mais espectaculares - talvez mais sofridos também em alguns momentos de organização defensiva onde Casillas e a frieza Marcano-Filipe serão chave, como tem sido hábito - e um FC Porto sobretudo mais pro-activo á procura de resolver cedo o marcador e de ampliar cedo o resultado a margens confortáveis de gestão de espaços para aplicar depois a sua velocidade com o decorrer do encontro. Salvas as distâncias - até porque não há Hulk, Falcao, Moutinho, James ou Belluschi - este é o modelo mais similar ao visto na época de AVB e todos sabemos como isso resultou. Na altura Pinto da Costa fez precisamente referência a que um treinador com esse talento tinha de ganhar sim ou sim de forma espectacular. Conceição tem a ideia de jogo e o modelo mas não tem o mesmo plantel. Será capaz de por o Dragão a dançar ao ritmo frenético das suas guitarras eléctricas?

7 comentários:

  1. faltou referir um factor de comparacao com Robson no primeiro parágrafo, e este eu nao via desde Sir Bobby:
    - a vontade de ganhar o jogo nos primeiros 15 minutos!

    ainda nao comecou a época, mas parece ser a pessoa certa no momento certo.

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  2. Vejo muita histeria e um campeão já declarado antes do tempo. cautela...muita cautela porque a procissão ainda nem sequer está no adro. mais: continuamos com défice de atacantes nas alas e na frente. Que acontece se os titulares Corona aboubakar Soares e Brahimi se lesionan? Teremos que ir con adaptações Otávio André André e jogadores muito mais fracos comi Hernani , marega ou Herrera?

    E o mesmo atrás: nem Reyes nem indi tem qualidade suficiente para o fcp

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  3. "Salvas as distâncias - até porque não há Hulk, Falcao, Moutinho, James ou Belluschi - este é o modelo mais similar ao visto na época de AVB"

    Miguel, isto nao tem sentido nenhum. O AVB tinha um claro 4-3-3, com 1 ponta de lanca (Falcao) e 3 medios centros (Fernando, Moutinho, Guarin/Beluschi). E James era um extremo que constantemente aparecia a 10.
    O que temos agora sao 2 ponta-de-lanca (do tipo pinheiro, alto, forte, semi-tosco por isso pouco se complementam), 2 extremos que jogam para dentro e apenas 2 medios centros. Alem disso os 2 medios revezam-se na construcao (embora o Danilo esteja a ter dificuldades a interpretar isso).
    Se queres comparar o modelo, ha um que e claramente sobre o qual este e baseado - Benfica de Jorge Jesus... (ai, vade retro satanas, que se calhar agora temos de aceitar o facto de que esse modelo era bom e bem implementado).

    E por amor de deus, nao compares o Porto de VP com o de Lopetegui... O porto de VP aniquilava a oposicao e so depois se dedicava a controlar. Nao havia ca 200 passes entre os centrais como com Lopes - a bola mantinha-se no meio campo adversario e quando se perdia a pressao era assustadora e a bola ganhava-se rapido. tudo porque os jogadores estavam sempre posicionados ao milimetro - nao precisavam de fazer grandes correrias para cortar as linhas de passe e pressionar o adversario.

    Ao mesmo tempo dou-te muito credito por nao teres problemas em dizer que o Ruben seria uma muito melhor opcao neste modelo que o Danilo. Alias neste modelo ate o Herrera seria uma dupla mais logica com o Oliver - a posicao que tem feito pelo Mexico, no fundo.

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  4. Pancas,

    Um modelo de jogo e um desenho táctico não é o mesmo. O AVB jogava num claro 433 mas a mentalidade de jogo colectiva é similar - colocar jogadores em área de finalização, Falcao acompanhado por um dos extremos, sobretudo o Hulk; extremos a jogar como avançados interiores com a subida dos laterais; um dos médios constantemente a incorporar-se á manobra ofensiva na área, como fazia regularmente o Belluschi e o Cebolla Rodriguez.

    Era o mesmo principio de jogo com outro desenho táctico de partida mas que, em posse, gerava a mesma sensação de constante bombardeamento, de pressão asfixiante na perde para forçar o erro e na ocupação dos espaços a toda a largura do campo.

    O modelo VP e Lopetegui partiam de uma ideia similar de jogo, executada de forma diferente - tinham também protagonistas diferentes - mas a ambos custava-lhes muito colocar jogadores em posição de finalização e privilegiavam a posse sobre a ocupação do espaço e a verticalidade.

    Por fim, a este modelo de jogo vai passar ao Danilo o que o modelo do Fonseca fez com o Fernando. Quando desaparece o médio tampão, colado aos centrais, o polvo, esse perfil de jogador mais fisico claramente sai a perder com jogadores que sabem mexer a bola com critério. O que não se entende - ou sim, sabendo de quem se trata - é que tendo o Conceição claro o seu modelo de jogo porque não se vendeu Danilo e se ficou com Ruben.

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  5. Já vi no Dragão futebol bem mais pastelento, sem ideias e primário do que com NES. Repetiu-se a época toda a ideia do futebol defensivo, mas a verdade é que o Porto criou mais do que o campeão Benfica (há várias estatísticas que o demonstram). Houve, sim, em vários momentos, uma enorme falta de eficácia. O Porto não teve (nem tem) um grande finalizador e durante metade da época nem sequer houve Soares. Para além disso, falhou (por incapacidade de gerir a pressão) em momentos decisivos e assim se explica o tetra de um Benfica pouco mais do que banal.

    Esta época temos a vantagem de ter um bom onze base que vem praticamente todo da época passada, o que já não acontecia há muito tempo, temos o compromisso coletivo reforçado com uma causa (ganhar o campeonato), temos um treinador com um perfil do qual eu gosto, mas que é uma incógnita, e temos um plantel limitado, sem alternativas para o ataque. Gosto do que tenho visto, mas só quando for a doer é que vamos ver se o modelo do SC funciona, se a dupla Aboubakar/Soares consegue resolver os problemas de falta de eficácia e se a equipa cresceu com os erros da época passada e se apresenta mais sólida nos momentos decisivos.

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  6. Em 2 primeiras partes (Vitória e Depor) vi mais futebol ofensivo de qualidade (com arrojo e ideias) do que numa época inteira (a passada). O que conhecia do Sérgio Conceição (trabalhos em Portugal) não me deixava antever a proposta de jogo que tem apresentado. Evoluiu, refinou-se e agora acredito no que se dizia do Nantes (não o vi jogar). A organização / transição defensivas carecem de melhoria (ainda se vê muito buraco e espaço), mas como bem diz o Miguel, só há um mês de trabalho, vai muito a tempo de melhorar. Não deixa de ser uma pré-época prometedora, principalmente em termos ofensivos (o tridente Brahimi, Óliver, Corona é um regalo, devidamente aproveitado). Nota negativa: o plantel tem pouca profundidade, há muitos jogadores no banco que são uma incógnita ou de pouca qualidade. Pode notar-se mais à frente. A ver vamos.

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  7. Uma pergunta: agora que aboubakar está a marcar e eh um imprescindível querem renovar com ele. Que se passa se ele ( na sequência de tudo o que disse do FCP é que queria sair..etc..) não renovar ? Vão encosta lo na B? Vão pressiona lo? Que alternativa ha? A campanha já está montada ( pela Bola), identificado o ponto fraco e qual eh o plano B? Rui Pedro? Marega? Atenção porque aboubakar pode ser um grande factor de instabilidade

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