quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Reforços sim, contratações não

É preciso recuar muito no tempo para descubrir um FC Porto activo em todas as quatro frentes chegado esta altura do mês de Janeiro, precisamente 2008-09, em que se chegou ao inicio do novo ano nos Oitavos de Final da Champions League (cairiamos em Quartos frente ao Manchester United), a camino das finais da Taça de Portugal (que ganhariamos) e da Taça da Liga (caindo nas meias-finais) e liderando o campeonato que encerraría o ano do Tetra de Jesualdo Ferreira. 
Nem sequer no mágico ano de 2011 a equipa de André Vilas-Boas aguentou o ritmo e soçobrou frente ao Nacional na fase de grupos da Taça da Liga precisamente no inicio do mês de Janeiro. Isso sem ter de jogar a exigente Champions League. Algo que permite colocar – ainda mais – em perspectiva, o feito dos homens de Sérgio Conceição. E sabendo que aí vêm cinco meses de máxima exigência, a expectativa não podía ser maior. Olhando para a forma desastrada como o plantel foi construido – victima do descontrolo dos últimos anos – desde cedo a maioria dos adeptos e analistas foi rápida a indicar que o plantel era curto e tarde ou cedo iria necessitar de ajustes. Não deixa de ser correcto o raciocínio mas o certo é que, com metade da época cumprida, esse inevitavel desgaste não se tem notado – nem nos resultados nem em campo – graças à excelente gestão de grupo de Conceição o que permite reabrir a discussão sobre a necessidade real de interferir activamente na reabertura do mercado.

O mercado de Inverno é um mundo complexo. 
Poucas vezes serviu, realmente, de algo para equipas com objectivos importantes. Os poucos casos são simbólicos e parecem reforçar a sua importância (e ninguém esquecerá Carlos Alberto em 2004 ou a série de avançados que foi chegando nos anos posteriores que, com golos importantes, ajudou a alcançar metas e títulos) mas na prática vale muito mais ter um plantel bem estruturado desde o início do que aventurar-se no desconhecido do defeso invernal. Num ano sem competição africana de selecções – fundamental quando os MVP´s da época têm sido Brahimi, Aboubakar ou Marega – e sem lesões largas e graves, salvo os problemas físicos repetidos de um Soares que ainda não apanhou a dinâmica e de um irregular Otávio, os problemas têm sido contornados com tranquilidade. Sobretudo o que estes meses nos têm ensinado é que o éxito do FC Porto começa e acaba no espirito de grupo que o treinador forjou nos meses de pre-temporada e que todos têm abraçado, jogando mais ou menos. 
Num modelo de jogo muito exigente físicamente – por vertical e ofensivo – mas onde a posse de bola ajuda, em momentos de descanso, gerir esforços, Conceição tem sabido trocar peça por peça em momentos pontuais sem perder o ritmo colectivo. Tem acontecido na metamorfose de Oliver a Herrera (onze mais físico, com menos posse, e com maior entrega e presença em troca de maior controlo), nas inclusões pontuais de Sergio Oliveira, Layun ou Maxi Pereira num onze quase sempre recitado de memoria. Até mesmo a recuperação de Diego Reyes e o regresso de Soares abriram outras opções em posições chave. Conceição tem claro na sua cabeça que há um onze titular base mas sujeito a alterações pontuais face a rivais ou forma física e uma poule de seis/sete jogadores (Maxi, Reyes, Sergio, Oliver, Otávio, Soares e André André) que permite cobrir essas necesidades. É certo que, de base, o plantel apresenta descompensações tais como o excesso de laterais (o que tem feito Ricardo actuar de extremo algumas vezes) e a falta de jogadores abertos nas alas quando, sobretudo, Corona, não está ao seu nível ou peca por ausente, sendo que a adaptação de Ricardo, por um lado, e o uso de Hernani, por outro, abrem outras questões paralelas na gestão de grupo. A forma como Conceição abdicou de jogar com um 10 tem retirado importancia e influencia a Oliver, e também a Otávio, e tendo em conta que Danilo é indiscutivel, aberto a Herrera, André André e Oliveira a possibilidade de rodar por um lugar. No fundo o técnico conta já com seis médios para duas posições (oferecendo às vezes uma modificação do 4-2-4 para 4-3-3 para acomodar Herrera-Danilo-André André/Oliveira em momentos de maior posse) e não tem necessidade de mais tendo em conta que todos cumprem os distintos perfis utilizados. Layun, vitima de um claro over-booking e de um grande ano de Telles, e Maxi e Casillas – por questões salariais – são os claros candidatos a sair das contas sem que, em principio, a equipa mostre sinais de ressentir-se das suas baixas mas e quanto a incorporações, que decisão tomar?


O importante, uma vez mais, é referir o espirito de grupo como base de tudo. 
A ideia de jogo do técnico não é complexa – digamos que é uma versão à Porto, com esse extra de garra, do que lograva o Benfica de Jesus com êxito a nível doméstico no inicio da década – mas a idiossincrasia da equipa é muito especial. Qualquer novo reforço entra num grupo já formado, trabalhado e emocionalmente muito unido e tem de ser capaz de adaptar-se a essa realidade em tempo recorde. Não há, no mercado e face à nossa realidade, um talento absoluto disponível capaz de ser titular de caras apenas pelo genial que possa ser, pelo que quem vir tem de ser parte da engrenagem colectiva ou o próprio técnico será o primeiro a excluí-lo das opções. Oliver, sem dúvida um jogador com um talento incomparável, não joga precisamente porque apesar das suas virtudes, não é o homem certo para o modelo de jogo. 
Ou seja, salvo que seja uma posição cirúrgica (estou a pensar em extremo esquerdo/direito) ou um avançado de natureza muito diferencial do jogo que oferece Aboubakar (e para isso já existe Soares, inclusive), as necesidades reais deste plantel são escassas. E mais ainda quando o grupo parece de tal forma unido que a capacidade de multiplicação de posições reduz ainda mais essa ideia de necessidade extrema individual. Chegar e sentir o que o técnico fazem os jogadores sentirem, dentro dessa dinámica de “irmãos de armas”, é algo extremamente complexo de lograr e difícil de exigir a uma cara nova. Para quatro meses de competição, mais ainda. 

Seguramente haverá jogadores melhores que Marega no mercado mas será que algum dará a Sérgio o que ele quer dessa posição? Ou será tão capaz como Marega é de representar a unidade do grupo e o espirito deste projecto? O mesmo pode ser dito, realmente, de todos. Ninguém pode saber o que nos espera o amanhã e talvez uma lesão grave de um central, um problema sério de Danilo ou de Brahimi – os únicos jogadores sem réplicas reais daquilo que são e dão à equipa – podem sempre oferecer novos problemas e novas equações. No entanto, no momento presente, cada incorporação corre o risco de ser mais vista como uma contratação do que, propriamente, um reforço. E sabendo como está a SAD e como estão as finanças do clube  - com jogadores por renovar e buracos abertos para a próxima época, sobretudo na posição de defesa central – o mais lógico seria confiar em Conceição e nos seus homens e ir preparando o futuro com consciencia, sabendo que a força, a união e o talento do grupo e do seu líder que trouxe o FC Porto à sua melhor posição numa década a inicio de ano é uma arvore com raizes mais profundas na terra do que podemos imaginar para abanar ao primeiro sinal de tempestade.

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