Janeiro de 2008. Quando o ‘Reflexão Portista’ viu a luz do dia, houve (e ainda há) quem, por diversas razões, olhasse para este blogue de soslaio.
No feedback recebido, ouvimos (lemos) de tudo.
Os comentários mais “simpáticos” acusavam o blogue de ser elitista; os menos simpáticos apelidavam os autores dos artigos de ignorantes e, pelo caminho, desafiavam esses autores a candidatarem-se às eleições do clube…
Outubro de 2014. Seis anos depois, a análise que os jornais, desportivos e generalistas, fazem às contas dos clubes/SAD’s, continua a ser tecnicamente (muito) pobre e, no essencial, continua a ser uma mera caixa de ressonância dos sound bytes que lhe são transmitidos em comunicados ou conferências de imprensa…
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O JOGO, 22-10-2014 |
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JN, 22-10-2014 |
… mas o panorama da bluegosfera mudou significativamente (para melhor).
O último Relatório e Contas da FC Porto SAD (correspondente ao Exercício 2013/2014), mereceu análises, mais ou menos profundas, em diversos blogues portistas.
Do que li, seleccionei alguns extractos de artigos publicados nos blogues ‘Mística do Dragão’, ‘BiBó Porto, carago!!’, ‘Mística Azul e Branca’ e ‘Tribunal do Dragão’ que, com a devida vénia, reproduzo a seguir.
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«Ao contrário do que Fernando Gomes diz sobre o Mundial ser responsável pelo avultado prejuízo, uma vez que fez atrasar alguns negócios, nomeadamente Mangala e Defour, as alienações dos passes destes dois atletas não chegariam para, sequer cobrir o prejuízo. Aliás, a alienação de Defour, calculo eu, nem sequer terá um efeito significativo nas contas e Mangala nunca na vida irá representar uma mais-valia igual aos 30,5 milhões de euros pelos quais o Porto vendeu a percentagem do passe que detinha, uma vez que o atleta ainda tinha valor nas contas do clube e Jorge Mendes se faz pagar bem;
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O passivo aumentou cerca de 13 milhões, essencialmente à custa do aumento dos financiamentos;
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Daqui é possível concluir que a situação financeira da SAD do Porto é deveras preocupante. Quantos anos poderemos aguentar este registo de gastar mais do que aquilo que temos, não sei. Mas era bom que os sócios e adeptos acordassem antes de levarem com uma bomba dessas em cima.»
«… usando a linguagem do “economês”, diria que assistimos a uma enorme destruição de valor. Para suprir este colapso nos capitais próprios já se conhece a solução encontrada: a passagem de 47% do Estádio do Dragão da esfera do Clube para a esfera da SAD que, de caminho, deu uma enorme ajuda para resolver o bicudo problema que o fair-play financeiro da UEFA veio criar ao não permitir que a média do somatório dos resultados dos três últimos anos não ultrapasse os 5M € de prejuízo.
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Assim, depois de um resultado líquido consolidado negativo (prejuízo) de 35.734M € em 2012, e um igual resultado positivo (lucro) de 20.356M € em 2013, temos agora em 2014 este prejuízo de 40.701M €. Ou seja, a média destes 3 anos é de (-35,734 +20,356 -40,701) /3 = -18,693M €, isto é bem acima do tal máximo de 5M € permitido no regulamento da UEFA (mesmo considerando a possibilidade de abater os gastos com a formação e infra-estruturas), média considerada na avaliação da UEFA para este ano.
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a) A cada ano que passa, cada vez mais se nota a extrema dependência da realização de mais-valias na transacção de passes de jogadores. Como este ano “apenas” se obteve nesta rubrica o montante de 23.907M €, o que representa uma diminuição de 52.538M € relativamente ao ano anterior, temos aqui a explicação para o descalabro das contas. Por isso falo em extrema dependência, porque uma coisa é depender 10% ou até 20% desta componente dos proveitos e que seria bem acomodada na estrutura dos proveitos, outra coisa totalmente diferente é quando se depende em 50%, ou mais, desta componente.
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c) Os custos e perdas financeiras, fundamentalmente juros pagos dos empréstimos bancários e obrigacionistas, estabilizaram perto dos 13M €/ano (12.734M € contra 12.893M € no ano anterior). É bom que o ciclo ascensional que se vinha verificando tenha terminado, mesmo assim continua a ser um valor demasiado elevado e bem revelador do excessivo grau de endividamento. Para se ter uma ideia da relatividade destes números, basta dizer que estes encargos representam cerca de 15% dos proveitos totais quando, idealmente, não deviam ir muito além dos 5%.»
«Partindo do princípio que os nossos Custos correntes são quase sempre maiores do que os Proveitos, o que acontece? O Passivo sobe e os Capitais Próprios descem. Repare-se que neste último ano tivemos de Custos Operacionais 95,2M€ e de Proveitos Operacionais apenas 72,6M€. O máximo que se tem conseguido é manter o equilíbrio. Faltará depois, como é óbvio, esperar que apareça o milagre das mais-valias nas transações com jogadores, uma das formas de reduzir o Passivo, coisa que cada vez está mais difícil de atingir. Basta reparar nas Sociedades Desportivas que estão em falência técnica (por ex. os 2 circos da Segunda Circular) e aquelas que ainda continuam dependuradas no que resta dos apoios da Banca (por ex. Boavista).»
«O FC Porto pagou em Junho 2,615 milhões de euros por 85% do passe de Kayembe à Danubio Finanzierungsleistungen und Marketing GMBH (tentem pronunciar isto sem se engasgarem). Kayembe estava emprestado ao FC Porto, ao que tudo indica. O FC Porto decidiu em Junho comprar 85% do passe, com encargos de 61.587€, e aí sim Kayembe assinou por 5 épocas.
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Kayembe já não pode ser apenas um jogador na equipa B. Foi caro. Tem que ser uma aposta com vista ao futuro. Foi contratado em Junho. Pedido de Lopetegui ou intervenção da SAD, pouco interessa. Foi um activo caro, caro demais que ficar limitado a uma equipa B. Kayembe vai ter que evoluir no sentido de ter oportunidades na equipa A. Só o custo de Kayembe pagava uma época inteira do Feirense ou do Freamunde. Diria mais: em Janeiro devia ser emprestado para jogar já na primeira liga.»
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Todos vibramos com as vitórias e conquistas do FC Porto, mas cada vez há mais adeptos portistas com consciência, de que o enorme sucesso desportivo alcançado nas últimas décadas será insustentável se, fora dos relvados, o desequilíbrio estrutural das contas da SAD não for rapidamente corrigido.
Até porque, "balões de oxigénio", como foi a recente operação de passagem de 47% do Estádio do Dragão do Clube para a SAD, não podem ser usados todos os anos.