domingo, 5 de setembro de 2010

Norte, centralismo e futebol

«Quando há 15 anos se iniciou o actual longo ciclo de poder liderado pelo PS, o Porto convivia com três importantes jornais quotidianos, os semanários e restantes títulos de expressão diária tinham a norte redacções alargadas e com peso próprio, a RTP apostava em expandir em Gaia uma importante produção descentralizada, era lançada a ideia de construção do Media Park, a RTP N - então com N de Norte - começava a desenhar-se como canal regional, a SIC e a TVI pareciam querer apostar numa real descentralização.
Volvida uma década e meia, o JN sobrevive forte mas cada vez mais só. O Comércio do Porto morreu, o Primeiro de Janeiro arrasta-se heróica mas sofridamente, as secções locais de semanários, revistas e restantes diários, são cada vez mais simbólicos quiosques de bairro, na RTP N o N passou de Norte a N de quase Nada e não são os bem-intencionados e projectos Porto Canal ou Grande Porto que contariam este trajecto.

Era esta caminhada inevitável? Com certeza. A indústria da comunicação é das que convive pior com projectos bem-intencionados mas economicamente inviáveis. Corre atrás de acontecimentos relevantes, persegue as actividades geradoras de mais-valias, precisa de estar ao lado dos centros de poder. Ora pouco disto passou a existir no Grande Porto e no Norte em geral. Ao longo da última vintena de anos partiram a economia, a vida cultural e social, os melhores quadros, muitos jovens talentosos. Se nos quisermos cingir ao importante mundo da comunicação social, é notável recordar de onde saíram progressivamente Joaquim Oliveira, Judite de Sousa, Rodrigo Guedes de Carvalho, José Alberto Carvalho, Paulo Baldaia, Carlos Daniel. Do Porto. A maioria de forma irreversível. Esta louca macrocefalia, cada dia mais forte que está a condenar o país ao subdesenvolvimento ainda pode e deve ser combatida, mas tal pressupõe compreender a sua génese e identificar os seus responsáveis.

O principal culpado é obviamente o Governo de Portugal, os sucessivos governos, autores de políticas pró activamente castrantes da energia das diferentes regiões de Portugal. Governos que aproveitaram o processo de privatizações para sediarem em exclusivo na capital todo o sistema financeiro e segurador, os poucos grandes grupos estratégicos (PT, Galp, EDP). Em paralelo concentraram o mais possível o funcionamento de todos os Institutos e Empresas Públicas e das poucas entidades supranacionais que se localizaram entre nós.

Não é pois exagero afirmar que 90% das decisões que condicionam o nosso presente e futuro são tomadas num quadrilátero com pouco mais de 200 Km/2, limitada a sul pelo Tejo, a norte pelo rio Trancão, a este pelo Parque das Nações e a oeste pela Serra de Sintra. Assim não é de estranhar que estejamos perante a única região do país com uma média de rendimento per capita próximo da média europeia. Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é pouco inteligente ou não tem arte.
Em tudo isto perde o país e perde o povo anónimo de Lisboa, que tem de conviver com uma cidade maravilhosa, mas que asfixia com o peso deste centralismo. Um peso que inferniza a sua vida e vai expulsando os seus verdadeiros cidadãos para as grandes cidades dormitório periféricas (Lisboa já tem pouco mais de 500 mil habitantes!).

Culpados são também os agentes políticos, económicos e sociais, que a norte não têm sabido unir-se, gerar ideias e projectos mobilizadores, defenderem a sua pertinência, fazerem deles casos de sucesso e imposição nacional.

Como defensor da regionalização político administrativa acho, contudo, que vale a pena alertar os que militam por essa causa para o logro de partir para ela sem prévias medidas cautelares. Medidas que aplanem o caminho de uma verdadeira descentralização.
Um próximo Governo, que tem de significar alternância, terá que dispersar pelo país institutos públicos, repartir pelas regiões competências e lideranças das soberanas empresas públicas, transferir mais competências para autarquias e outras comunidades locais, conceder qualificados poderes de decisão aos múltiplos órgãos descentralizados da administração, definir regras orçamentais que obriguem a uma justa e sistemática repartição dos escassos recurso da nossa comunidade. Quando isso acontecer a comunicação social regressará ao país real e será um factor decisivo de igualização de oportunidades.

Até lá ancoremos a esperança nas poucas instituições que por aqui vão sobrevivendo com êxito. Entre elas destacam-se poucas, numa primeira linha talvez só três, a Universidade do Porto, o Futebol Clube do Porto e o Jornal de Notícias. Que outras aprendam com o seu exemplo.»
Luís Filipe Menezes
JN, 29/08/2010


Neste seu artigo de opinião, Luís Filipe Menezes diz muitas verdades, mas a ideia que prespassa de que o centralismo começou há 15-20 anos atrás não é uma delas. Contudo, é inteiramente verdade que Portugal é um dos países mais centralistas da Europa e que este centralismo asfixiante se tem vindo a agravar nos últimos anos (há mesmo quem afirme que Sócrates é o governante mais centralista desde o Marquês de Pombal).
E, infelizmente, também não é verdade que em termos da comunicação social, o Jornal de Notícias se possa comparar à Universidade do Porto (a maior do país e a mais bem classificada nos rankings internacionais) e ao Futebol Clube do Porto, que é "só" o clube português de mais sucesso (a nível interno e externo) no pós-25 de Abril.

Nota: A inserção das imagens no texto e os destaques a negrito são da minha responsabilidade.
Imagens: JN, Fórum Trás-os-Montes

13 comentários:

  1. Reflexão particularmente pertinente. Não assino por baixo do pensamento de LF Menezes (nomeadamente a necessária alternância no governo,mas há q dar o desconto de q está a julgar em causa ppa), mas posso partilhar a minha percepção do problema da centralização.

    A minha consciência política desenvolveu-se nos meados dos anos 90 - estavamos no meio/fim do Cavaquistão. Fui adepta da regionalização pq "há 10-15 anos atrás" eu via capacidade na Região Norte para fazer a descentralização político-administrativa com competência. Agora, sou franca, não vejo. A qualidade média do político - e sejamos francos, quem vai ocupar os novos lugares criados vão ser uma nova e quiçá pior raça de autárquicos - não me leva a acreditar que uma descentralização não implique o acumular de gente em lugares de compadrio. Um dos problemas crónicos da despesa do Estado é a dificuldade de delimitação de responsabilidades, a duplicidade de cargos e funções, tendencialmente auto-excluentes qd são chamados a intervir.

    Em suma: teoricamente a favor; na prática, já não dou para este peditório. E a fazer fé nas palavras de LFM, julgo q, para o Norte, nada mais sobrará que não seja honrar a sua biografia histórica, económica e cultural: erguer-se, dando a carne e fazendo milhões com as tripas.

    Quanto ao fcp...seremos talvez a empresa mais exportadora em volume de vendas. Gostava de ver o saldo dos 250M desde 2006/07 e comparar com a Galp, Amorim, Sogrape. Instituição privada de utilidade pública?

    cumps

    ResponderEliminar
  2. "Em Lisboa movimentam-se muitos milhões de euros. Eu tenho visto como é que, em Lisboa, se desperdiçam milhões de euros. (...)
    Vive-se em Lisboa de uma forma que não se vive no resto do país. Tenho assistido a coisas que não pensava existirem. Vive-se de milhões de euros, de jantaradas, de almoçaradas, de grandes festas e, sobretudo, de grandes negociatas. Vivemos num país demasiado centralista e demasiado centralizado. (...)
    Mas as pessoas estão mesmo desoladas! Quem sair de Lisboa percebe que o país está mesmo desolado. E não é ser céptico, é ser realista. Já me apercebia disso e agora apercebo-me um pouco mais."
    Júlio Magalhães, director de Informação da TVI
    in DN, 02/09/2010

    ResponderEliminar
  3. "O centralismo é doença crónica de sucessivos governos. O fenómeno não é de agora. Com o advento da democracia em 1974, os governos de Lisboa, tendo perdido os territórios ultramarinos, contentam-se agora com colonizar e espoliar o resto do continente. Mas esta atitude atingiu o absurdo e a sem vergonha nos últimos meses. Os exemplos são inúmeros. O Governo continua apostado em construir essa obra inútil e cara que é o TGV de Lisboa para Madrid, mas cancela a expansão do metro do Porto, que serve milhões de passageiros e é imprescindível para o desenvolvimento da sua Área Metropolitana. (...)
    O agravamento desta fúria centralizadora é o corolário dum modelo de desenvolvimento de tipo sul-americano que teve algumas das suas expressões mais emblemáticas na Exposição Universal de 1998, em Lisboa, ou nesse dispendioso mausoléu do cavaquismo que é o Centro Cultural de Belém. Para já não falar da concentração da maioria das universidades públicas em Lisboa; intolerável, pois cerca de 60% dos alunos que concluem o secundário são da Região Norte."
    Paulo Morais, economista, ex-vice de Rui Rio na CM Porto
    JN, 09/06/2010

    ResponderEliminar
  4. "E quem paga afinal a capital e todos os seus privilégios?Obviamente os contribuintes. Para um orçamento do Estado, para o qual cada um de nós contribui com 8100 euros, cerca de 15% dos gastos (12 mil milhões de euros, quase o valor do défice) são para manter a corte e beneficiar os amigos do poder com negócios e prebendas. Este tributo que pagamos à capital empobrece-nos e representa uma diminuição dos orçamentos familiares, em média, de cerca de cinco mil euros. O centralismo é a principal razão da nossa pobreza e maior causa da crise económica que actualmente sofremos."
    Paulo Morais
    JN, 09/06/2010

    ResponderEliminar
  5. Oh José Correia,
    incluir aqui as declarações/visões de Paulo Morais padecem de diversos problemas. Um deles é a desmontagem de todos os argumentos dele. Aqui vai 1 amostra.

    a) Ensino Superior Público concentrado em Lisboa: MENTIRA. O Ensino Superior Público será, talvez, o sector económico do país mais descentralizado. A maior Universidade (em número de alunos, de Faculdades/Institutos/Unidades de I&D) estão a Norte e particularmente pulsantes em Braga e Aveiro;

    b) A história do TGV em detrimento do alargamento do metro do porto é outra palhaçada política. Concordando ou não com a obra (e eu n concordo,seja de q forma/traçado for) o problema do Metro do Porto começa na sua INTERNA incapacidade de gerir fundos, já que deu MILHÕES de prejuízo à partida, com a incapacidade dos autarcas que estão na Junta se entenderem. Ou seja, não é o TGV em detrimento do Metro, os 2 assuntos nem sequer se cruzam.

    c) Chamar de mausoléu cavaquista ao CCB é tradutora do pensamento típico do que é 1 autarca (os lisboetas poderiam dizer o mesmo de Serralves, não?)

    Desculpem lá n falar de bola directamente, mas há coisas q n consigo deixar passar...a história das mentiras mtas vezes repetidas...

    cumps

    ResponderEliminar
  6. @Ana Martins
    O Metro do Porto dá prejuízo, como dá o Metro de Lisboa, a Carris, STCP ou CP, ou qualquer meio de transporte público cujos preços dos bilhetes não reflictam o custo do serviço prestado.

    Se bem percebi a opinião do Paulo Morais, o que está em causa na comparação que ele fez do TGV Lisboa-Madrid versus expansão do Metro da Área Metropolitana do Porto são duas decisões estratégicas do Governo. Para o TGV Lisboa-Madrid não haverá nunca passageiros que tornem a operação desta linha viável, mas há dinheiro. Pelo contrário, a prometida e prevista há muito tempo expansão do Metro do Porto (2ª fase) foi adiada para as calendas, apesar deste meio de transporte registar um crescimento assinalável de passageiros ano após ano.
    E mais escandaloso ainda, há dinheiro para fazer uma nova linha no Metro de Lisboa, a qual irá ligar a rede actual a um aeroporto que, de acordo com os planos existentes, vai ser desactivado na próxima década.

    ResponderEliminar
  7. Ana Martins disse...
    "Chamar de mausoléu cavaquista ao CCB é tradutora do pensamento típico do que é 1 autarca (os lisboetas poderiam dizer o mesmo de Serralves, não?)"

    Ana, a casa, jardins e quinta de Serralves não foram construídas pelo Estado. Já existiam.
    A criação da Fundação de Serralves, através do Decreto-Lei 240-A/89, de 27 de Julho, assinalou o início de uma parceria inovadora entre o Estado e a sociedade civil, representada por cerca de 51 entidades, oriundas dos sectores público e privado. Actualmente o número de Fundadores ascende a 172, entre empresas e particulares.

    Quer na sua génese, quer no seu modo de financiamento, os casos do CCB e da Fundação de Serralves não são comparáveis.

    ResponderEliminar
  8. A centralização da comunicação social na capital parece-me um fenómeno normal, mesmo que lamentável. Com a evolução das tecnologias e das comunicações acho que isso era mais ou menos previsível. O problema não é esse, mas sim a mentalidade de quem dirige esses orgãos de comunicação social, muitas vezes, se calhar, nortenhos emigrados para a capital.

    Agora, desculpem lá, vocês metem-se na política e um tipo não pode a ela fugir. Por isso vou repetir aqui a vossa citação desse grande vulto da intelectualidade portuguesa e verdadeiro símbolo do que nos traria a regionalização, o incomparável, "the one and only Daffy..." NÃO, Luís Filipe Menezes:

    "Um próximo Governo, que tem de significar alternância, terá que dispersar pelo país institutos públicos, repartir pelas regiões competências e lideranças das soberanas empresas públicas,"

    Ó Luizinho, acorda, pá! "um próximo governo" terá é de fechar muitos desses institutos públicos se quer de uma vez por todas reduzir o deficit pelo corte da despesa em vez de, como o governo actual, continuar a sobrecarregar de impostos os portugueses.

    E por Portugal estar na bancarota, meus amigos, acho que este debate da regionalização não faz neste momento, e infelizmente, sentido. Iria criar-se mais um estrato de políticos e burocratas e respectivos custos. E, no aspecto prático, ao ver a qualidade da maioria dos autarcas do Norte (os potenciais ocupantes dos lugares criados pela regionalização), sejam de que partido forem, não posso deixar de pensar: mais vale deixar estar como está, e fazer-se uma descentralização administrativa e, principalmente, uma caça à burocracia e à corrupção que, essas sim, seja no Porto ou em Lisboa nos minam o ânimo e nos tornam mais pobres.

    Ah, e quanto ao TGV Lisboa/Madrid, a inspiração disso em detrimento de outras coisas como o Metro do Porto nada tem a ver com o centralismo, mas sim com outra espécie pior da mesma praga e para a qual muitos ainda não acordaram: o iberismo. Aqueles que já nos subjugam a Lisboa querem agora subjugar-nos a Madrid. Haviam de passar dois meses no País Basco, para verem o que é o castelhanismo.

    Abaixo a 3ª República! Aproveitemos o 5 de Outubro para a apearmos! : -)

    ResponderEliminar
  9. Tudo isso é verdade, ouj próxima dela, ainda que LFM não seja um bom elemento para a denunciar, como qualquer político não merece credibilidade só pelo facto de puxar a brasa à sua sardinha que não é, nunca, necessariamente a que nos interessa a todos.

    Mas antes de tudo isto são os eleitores, os leitores e consumidores de Imprensa, os cidadãos os culpados, porque não compram jornais locais nem produtos locais. Se é o povo que tem de mudar isto é dele o paradigma para isto mudar de alguma maneira.

    Esta lengalenga faz-me voltar ao tema de a Imprnsa desfavorecer o FC POrto, mas a Imprensa local não é favorecida sequer pelos adeptos do FC Porto.

    Há muita gente que fala, nos blogs incluídos, que devia pensar primeiro no esforço que faz para mudar este estado de coisa.

    ResponderEliminar
  10. A 1ª vez que ouvi a frase "Portugal é Lisboa, o resto é paisagem" foi na minha tenra infância nos 60's(penso que aos 4 ou 5 anos de idade), e imaginei Portugal um lugar com apenas uma cidade e o resto era zona rural, e tive pena, pois não conseguia imaginar como seria viver num lugar onde só havia uma cidade e não se podia viajar pois não havia outra cidade.

    E como eu tinha certeza que haviam o Rio, que tinha praia e São Paulo, que tinha edifícios gigantescos, para além da minha cidade natal e cidades vizinhas, fiquei aliviado de não morar em Portugal.

    A infância é linda por isto,á gente entende tudo ao pé da letra.

    E desde junho de 1994 a viver cá na Invicta, continua a ser a mesma coisa.O que é de Lisboa tem destaque, o resto que se amanhe.

    Penso que este centralismo, assim como a corrupção, a bandidagem, a impunidade e a insegurança no Brasil, só vão mudar no dia em que vampiro doar sangue...

    ResponderEliminar
  11. Caríssimos
    ...(também acho que) é como o rbn diz:..."só vão mudar no dia em que vampiro doar sangue "...Aliás, já tivemos por cá,quem ,imorredouramente tenha falado(cantado) neles(nos vampiros).Infelizmente,por cá medraram (não é "merdaram",não),por cá os vemos passando, seja centralizados,seja regionalizados,e nem a "crise",nem o diabo,os retrai...
    Regionalização?!Descentralização?!
    Bah!... Mais caciques?Mais yes-man?Mais chorudas mordomias?...Mais...Mais...Mais...
    João Carreira

    ResponderEliminar
  12. Srs, são palavras atiradas, o que precisamos é de lideres, acreditem que quando os encontrarmos haverá muita gente a seguir as ideias que todos partilhamos, até lá vamos continuar com o crónico palavreado e a tentarmos individualmente aquilo que pensamos ser o melhor para o Norte/Portugal.
    Contem comigo para o futuro!

    ResponderEliminar
  13. e chegada a hora do povo se pronunciar, que faz este, nomeadamente o que vive a norte?
    Manifestações como a que vi em Matosinhos, sábado passado. Assim, não admira que estes chicos espertos se perpetuem no poder...

    ResponderEliminar