A propósito do interessante
artigo do Mário Faria sobre as relações entre Rui Rio e o F.C. Porto e da posição do presidente da Câmara Municipal do Porto acerca da “promiscuidade” entre política e futebol ocorreu-me historiar em breves linhas o que foi ao longo dos anos a atitude do próprio presidente do F.C. Porto em relação à política e aos políticos. Se nos dermos ao trabalho de recuar no tempo chegaremos à conclusão de que, de certa maneira, Jorge Nuno Pinto da Costa foi, nesse aspecto, uma espécie de imagem simétrica de Rui Rio.
De facto, logo desde os tempos do “Verão Quente das Antas” de 1980 que Pinto da Costa se insurgiu contra a intimidade entre o clube e a política, especialmente a propósito do cargo de deputado a que o presidente da altura, o Dr. Américo Sá, acedera devido à notoriedade que a presidência do clube lhe dera. Mais, no âmago da questão em liça nesse atribulado verão, estava o que Pinto da Costa, José Maria Pedroto e outros viam como a submissão do Dr. Américo Sá à vontade de colegas seus de bancada com posições de relevo no panorama futebolístico da capital, entre os quais o Dr. Martins Canaverde, antigo presidente do Benfica e da F.P.F. Teria sido, na óptica da facção “pintista” de 1980, por pressões de Canaverde & Cª que Américo Sá acabara por deixar cair Pinto da Costa do cargo de chefe do departamento de futebol, com isso arrastando a demissão de Pedroto e todos os factos daí decorrentes.
Foi, pois, a distanciação do clube da política e dos políticos uma das palavras-fortes da campanha de Pinto da Costa para a presidência do clube em 1982. E, se bem o pensou, melhor o fez. De facto, nos primeiros anos do seu consulado, Pinto da Costa manteve uma linha inflexível no trato com os políticos, bem ilustrada por dois episódios: em 1986, aquando da participação da selecção nacional no Campeonato do Mundo do México, o recém-eleito Presidente da República, Dr. Mário Soares, convidou os presidentes dos clubes com jogadores na selecção para assistirem com ele em Belém, pela televisão, ao jogo inaugural da nossa equipa contra a Inglaterra. Todos marcaram presença. Todos? Não! A Norte um resistente rejeitou o convite e primou pela ausência: o presidente do F.C. Porto.
De igual modo, poucos anos depois, o Engº Armando Pimentel, de saudosa memória, vice-presidente do clube, foi eleito vereador da Câmara Municipal do Porto e, acto contínuo, demitiu-se do cargo que ocupava no clube, por tácita e implícita incompatibilidade de funções. Aliás, o próprio Jorge Nuno Pinto da Costa foi várias vezes sondado pelos mais díspares partidos (creio que, segundo o próprio, apenas com a excepção do P.C.P.) para uma possível candidatura à Câmara e sempre o recusou. Ao contrário de muitos outros, cargos no futebol e na política eram para ele incompatíveis (posição que, estou certo, manterá).
Mas, de um período inicial de total ou quase total alheamento do clube, sob Pinto da Costa, do mundo da política, começaram a dar-se alguns passos de aproximação. O princípio da não ingerência nos assuntos políticos era inatacável mas - terá Pinto da Costa pensado – algum contacto aqui e ali não seria prejudicial ao clube, antes pelo contrário, já que não era para ele próprio que algum dia procuraria tirar vantagens de um relacionamento com os políticos. O primeiro desses passos veio a ter lugar no relacionamento de Pinto da Costa com o Gen. Ramalho Eanes, que conheceu através de um amigo comum, o comendador António Gonçalves Gomes, “o Samarra”. Esse relacionamento viria a dar lugar a uma grande amizade, como é do domínio público. E em Eanes Pinto da Costa encontrava, aliás, um político bem à sua medida: era, por excelência, o político anti-políticos, e até criara um partido anti-partidos.
É com mágoa que actualmente vemos a equipa do F.C. Porto não ser recebida nos paços do concelho aquando dos seus êxitos, e da varanda dos mesmos festejar com a massa anónima dos adeptos. Essa suposta tradição (um bom hábito, diga-se) foi quebrada pelo Dr. Rui Rio. Mas a verdade é que se não tratava de tradição alguma: antes da presidência do Dr. Fernando Gomes nunca as equipas do F.C. Porto eram recebidas na Câmara para daí festejarem com os adeptos.
Nem mesmo no tempo do antecessor do Dr. Gomes, por sinal um antigo vice-presidente do F.C. Porto, o Dr. Fernando Cabral, tal se verificou, inclusivamente aquando da vitória na Taça dos Campeões Europeus em 1987. A Câmara Municipal do Porto ignorava o clube mais importante da cidade e a este, por sua vez, desagradava o convívio com os políticos.
O atrás referido Dr. Fernando Gomes foi, pois, o precursor do estreito relacionamento entre câmara e clube. Mesmo antes de chegar ao topo da edilidade tripeira o Dr. Gomes, sobre quem, aliás, sempre pendeu uma nunca satisfatoriamente desmentida suspeição de sportinguismo, ensaiara já uma aproximação (alguns diriam colagem) ao F.C. Porto. Efectivamente, na qualidade de euro-deputado convidou o nosso bi-Bota de Ouro, também ele Fernando Gomes, para ser apresentado no Parlamento Europeu. Na sua gentileza o Dr. Gomes, que já fora presidente da Câmara de Vila do Conde, sua terra natal, mais do que apresentar o seu homónimo aos deputados de Estrasburgo, pretenderia era apresentar-se ele mesmo aos eleitores tripeiros.
Não sei se alguém algum dia votou no Dr. Gomes levando em conta a sua simpatia para com o F.C. Porto mas, caso isso tenha acontecido, aí sim, estaríamos perante um caso a merecer reflexão política e sociológica, para usar a expressão do Mário Faria. Bem sei que, por causa do futebol, até dois países da América Central em tempos se envolveram em guerra, mas daí a acreditar que o portuense médio, mesmo adepto do F.C. Porto e com toda a paixão pelo clube, dê muito relevo a aspectos dessa ordem na hora de votar em eleições autárquicas, vai uma distância. Isso mesmo explicará o aparentemente paradoxal reforço de votação do Dr. Rio de 2001 para 2005, manifestamente não afectado pela sua antipática posição para com o F.C. Porto.
Sejam as coisas como forem, o Dr. Gomes, aquando do anúncio público da sua tentativa de reconquista do lugar de presidente da edilidade em 2001, estava ladeado por Jorge Nuno Pinto da Costa. Este não estava ali como presidente do F.C. Porto, mas JNPC e o presidente do F.C. Porto são a mesma pessoa, além de que o apoio público de JNPC, se nunca tivesse sido presidente do FCP, pouco interessaria ao Dr. Gomes. Decerto que Pinto da Costa manifestou esse apoio por motivos para ele bons e sãos, mas as aparências são, em muitos aspectos da vida, fundamentais. Nada terá, portanto, impedido o Dr. Rio de, na sua sanha anti-“promiscuidade” e na sua imaginação aquecida pelo fragor da luta eleitoral, ter achado que defrontava realmente Pinto da Costa e não o Dr. Gomes, e que a sua vitória acabou por ser sobre JNPC e não sobre o candidato socialista. Ele próprio, aliás, declarou depois de eleito que a sua vitória se fizera contra “os poderosos”. Nessa sua sanha a figura de Pinto da Costa teria assim assumido na imaginação do Dr. Rio contornos semelhantes aos de um cacique saído das páginas de um romance de outro eminente portuense, Júlio Dinis.
Perguntar-se-á: e se Pinto da Costa não tivesse apoiado o Dr. Fernando Gomes em 2001, teria a atitude do Dr. Rui Rio no caso do Plano de Pormenor das Antas sido diferente? Isso, ninguém pode dizer, mas cada um que avente a sua hipótese.
De toda esta saga de distanciamentos e aproximações entre Jorge Nuno Pinto da Costa e os políticos uma conclusão me parece legítimo tirar: JNPC gere essas relações conforme lhe parece convir ao F.C.P. em cada momento; nunca se aproxima de um político por qualquer interesse pessoal, nem pelos seus lindos olhos. Fá-lo friamente e em nome do que considera ser o interesse do F.C. Porto, e em nome desse mesmo interesse, tal como se aproximou, pode afastar-se. Jorge Nuno Pinto da Costa tem um lado sentimental na sua actividade à frente do F.C.P., mas reserva-o exclusivamente para aqueles que, como atletas, treinadores ou adeptos, estão directamente ligados à vida do clube.