quinta-feira, 11 de março de 2010

Relembrando: Tommy Docherty, "The Doc"

Corria a época de 1969/70, aquela que acabaria por ficar na história como a pior de sempre do F.C. Porto, que terminaria o campeonato em 9º lugar. O romeno Elek Schwartz (na realidade austro-húngaro de nascimento, pois Timisoara, a sua cidade natal, pertencia nessa altura ao Império Austro-Húngaro) havia sido contratado para substituir José Maria Pedroto, que no meio de grande controvérsia fora despedido pelo Presidente Afonso Pinto de Magalhães perto do fim da época anterior e rumara a Setúbal.

Schwartz tornara-se conhecido entre nós por ter treinado o Benfica na época de 1964/65, tendo sido campeão nacional e tendo conduzido aquele clube à sua 4ª final da Taça dos Campeões Europeus, que perderia em San Siro por 1-0, contra o Inter de Helenio Herrera, com um famoso frango à Costa Pereira, especialidade culinária então muito em voga no nosso país. Se agora por vezes contratamos jogadores do Benfica, ou desviamos da Luz atletas anunciados com fragor na imprensa como estando a pontos de assinar por aquele clube, com o parcial intuito de aferroar aquele nosso inimigo de estimação, naquele tempo tínhamos, por assim dizer, o tique parolo de contratar quem já servira o Benfica, na vã esperança de que por cá repetissem as façanhas alcançadas em Lisboa.

Mas estou a divagar. Elek Schwartz teve um fraco começo de campeonato (nos primeiros três jogos teve dois empates e uma derrota) e durou apenas uns meses. Interinamente foi substituído pelo adjunto Vieirinha e a equipa até chegou a ter um ligeiro despertar, em parte devido à regular utilização do sangue jovem personificado por Chico Gordo e Seninho, este último na sua primeira época no clube. Lançando os seus olhares para o estrangeiro, a direcção do clube fez uma contratação de peso: o novo treinador era o escocês Tommy Docherty, popularizado pela alcunha de “The Doc”, que já treinara, entre outros, o Aston Villa e o Chelsea, e que mais tarde treinaria a selecção escocesa e o Manchester United.

Docherty nascera em Glasgow em 1928 e entre os clubes que representara como jogador contavam-se o Celtic, seu clube de infância, e o Arsenal. Era um homem extrovertido e famoso pelas suas frases retumbantes. Um dia negociava a sua saída de um clube e, quando os jornalistas lhe perguntaram se já havia acordo, respondeu: “Ofereceram-me £ 10.000 para fazermos um acordo amigável mas eu disse-lhes que terão de ser muito mais amigáveis que isso!”

Cá chegado, o “Doc”, com a carruagem em andamento, pouco podia fazer, e a equipa foi-se arrastando até ao fim do campeonato, perante a geral incompreensão dos adeptos e da crítica para com o escocês. Causou furor e indignação, por exemplo, a sua ideia de, num jogo no Mar, fazer alinhar o esquerdino Francisco Nóbrega do lado direito do ataque, coisa vulgar de hoje em dia.

Mas antes do começo da época de 1970/71, Docherty, a quem a direcção arranjara uma muleta na pessoa do antigo jogador do clube António Teixeira, um bom treinador de clubes pequenos, declarava: “Comigo à frente da equipa desde o princípio, as coisas vão ser diferentes!” E foram, de facto. Com poucas jornadas transcorridas o F.C. Porto foi empatar à Luz por 2-2, com dois golos de Lemos, que fazia a sua primeira época sénior no clube, depois de duas épocas emprestado ao Boavista. E não foi só o empate que espantou: a equipa jogou com grande personalidade e sem nunca revelar medo. O “Doc” era um típico treinador britânico, e achava que para a frente é que era o caminho.

Infelizmente, o plantel do clube tinha as suas limitações, embora naquela época tivesse sofrido uma injecção de talento nas pessoas do referido Lemos, do também ponta-de-lança Abel, contratado ao Benfica, do defesa-central Armando Manhiça, vindo de Alvalade, e do médio brasileiro Bené, proveniente do Leixões. Qualquer ideia de ganhar o campeonato, que há 12 anos nos escapava, era um puro devaneio, pois de facto Benfica e Sporting tinham melhores equipas, o que não nos impedia de, volta e meia, terminarmos à frente dos lagartos, já que estes sofriam dos mesmos males de (des)organização interna que o nosso clube. Nessa época terminaríamos em 3º lugar, o que não deixava de ser um progresso comparativamente ao descalabro da época anterior.

Mas o melhor prato da época estava reservado para o jogo da segunda volta com o Benfica, disputado em Janeiro de 1971. Nesse dia, num jogo antecedido por uma auto-congratulatória homenagem a Afonso Pinto de Magalhães, o Lemos entrou definitivamente na História, marcando todos os golos numa histórica vitória de 4-0! No total “facturaria” 18 golos nessa época, ou seja, um terço dos golos que marcou tiveram o Benfica como vítima.

Mas o inepto Pinto de Magalhães achou que podia dispensar o “Doc”, que ganhava bom dinheiro, como é bom de ver, e remediar-se com a prata da casa António Teixeira. A aposta sair-lhe-ia furada, como se veria na época seguinte.
E Tommy Docherty regressou ao Reino Unido, ainda faltava uma ou duas jornadas para terminar o campeonato, já que entretanto a Federação Escocesa lhe acenara com um convite para o cargo de seleccionador. Passados poucos anos regressaria às Antas, à frente do Manchester United, para disputar um desafio particular que terminou 0-0. O grande Bobby Charlton, já no ocaso da sua magnífica carreira, jogou nessa partida e foi fartamente ovacionado pelo público portista, que já nessa altura sabia apreciar futebol.

Quanto ao “Doc”, mesmo já retirado, nunca saiu verdadeiramente da ribalta, sendo as suas “bocas” muito apreciadas pelo público inglês. O “nosso” José Mourinho, rapaz humilde como todos sabemos, também teve direito, quando treinava o Chelsea, a um “dochertiano” dito: “Se fosse feito de chocolate, José Mourinho lamber-se-ia a si próprio da cabeça aos pés!”.

Nota: Mudei o título destas crónicas, por este me parecer mais adequado.

17 comentários:

Anti PORKOS CORRUPTOS!!!! disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Jorge Aragão disse...

Boas recordações de um tempo difícil, sempre apreciei o "Doc", tivesse ele estado mais tempo e talvez o jejum tivesse sido menor e pude ver ao vivo e a cores o Manchester, nesse jogo amigável do 0-0 e o grande Charlton.
Dos 4-0, enfim, inesquecível.
Ainda me lembro da risota que foi o anunciar dos prémios para os golos antes do jogo e o Lemos levou tudo para casa...
Era uma força da natureza.

eumargotdasilva disse...

esse jogo com o benfica ainda para mais foi telvisionado...foi uma delícia. nunca me esquecerei do lemos.

Anónimo disse...

Os prémios, caro Jorge Aragão, eram oferecidos pela Electro-Visão do nosso grande amigo Major (na altura Capitão) Valentim Loureiro: 10 contos em electrodomésticos para os jogadores do FCP que marcassem 1 golo ao Benfica, 20 para quem marcasse 2, até aos 40 contos para quem marcasse 4. Foi aí que a risota nas bancadas foi enorme. Mas no fim quem não se deve ter rido foi o capitão, que teve de largar 40 contos em mercadoria, o que naquela altura era muito dinheiro.

Uns anos mais tarde houve uma marca de tintas que se saíu com uma gracinha semelhante num jogo com o Sporting e também se lixaram, pois o Oliveira marcou 3 golos! : -)

Unknown disse...

mt bom artigo, desconhecia este "Doc" mas ja li algumas das asneiras q Pinto de Magalhães tinha feito à frente do FCP.

Continuem a postar artigos q relembrem os portistas mais velhos e enriquecam a cultura dos mais novos, é isto o futebol.. este amor, esta história, estas vivências!

Um obrigado

Silvestre disse...

Interesso-me sempre pelo passado do nosso clube, mesmo dos anos em que jejuamos, tenho algumas fotos das décadas de 50,60 e 70 mas muitas mais gostaria de ter. Tenho-as retirado de vários sítios e sempre que aqui estiver alguma eu venho copiar. Se por acaso souberem onde posso ter acesso a todo o tipo de material fotográfico com aquelas camisolas maravilhosas sem a sujeira da publicidade eu desde já agradeço. Dos golos do Lemos só ouvi falar lá em casa pois em 72 tinha 5 anos.

Jorge Aragão disse...

É verdade Alexandre, aquele anúncio foi o máximo.E ainda havia um pneu por golo...Ficou o carro calçado.O do Sporting não tenho memória.
O locutor do Estádio era o Toni Dantas, da Belarte, se não me engano e era ele próprio uma figura.
Um dia chamou um associado com o carro de matrícula tal e tal, informando que o carro estava a arder.
Após mais dois avisos,pelos vistos não atendidos, provocou a gargalhada geral ao informar o dito associado que "o seu carro de matricula tal e tal ... ardeu"!!!
Foi um divertimento.

Luís Carvalho disse...

Atenção que Pinto de Magalhães também fez coisas boas.
As piscinas e o primeiro pavilhão foram de sua autoria.

Chegou também a "entrar", com algum do seu, para os cofres do clube, numa época de grande crise financeira do mesmo.

Há, inclusivamente, quem defenda ter sido Pinto de Magalhães o responsável maior pela chegada do lendário Yustrich ao nosso clube.
Na altura, apesar de ainda não ser Presidente, era já o responsável pelas finanças do clube.

Anónimo disse...

Tens razão, Luís, o clube, apesar de tudo, ficou a dever muito a Pinto de Magalhães. Mas - há sempre um mas - quando se retirou de presidente o clube ficou a dever 40.000 contos (muito dinheiro na altura) ao Banco Pinto de Magalhães, débito esse mais tarde passado para a União de Bancos Portugueses, entidade criada após uma fusão de vários bancos na sequência da nacionalização da banca em 1975. O clube conseguiu ver-se livre dessa dívida através de um bem imginado contrato publicitário com a UBP, que durou, salvo erro, oito anos.

Na gestão do futebol Pinto de Magalhães cometeu inúmeros erros e era muito prepotente. A maneira como tirou o tapete ao Pedroto em 1969 marcou-nos durante vários anos.

Anónimo disse...

Jorge,

A melhor que me lembro do Toni Dantas - que um dia, com espanto, vi no Coliseu a ler os resultados da jornada no intervalo de um circo! - foi quando ele se sai com esta:

"Atenção Sr. Fulano! A sua sogra encontra-se muito mal, pelo que deve dirigir-se de imediato a sua casa!" O estádio quase vinha a baixo! :-)

Luís Carvalho disse...

Certo, Alexandre.
Mas atenção que, julgar à posteriori, tem sempre o seu quê de injusto. Na altura, Pedroto ainda não era universalmente reconhecido como um dos maiores técnicos de sempre do futebol nacional. Na altura, nem com Pedroto estávamos a ganhar...

Mas, sim, essa situação vista 10/20 anos depois confere razão ao Zé do Boné.

O patrocínio da União de Bancos Portugueses foi mais visível no ciclismo. Alias, o nome da nossa equipa passou mesmo a ser FCP/UBP.

Foi numa época em que o também criticado Américo de Sá salvou o nosso clube do abismo financeiro.

Miguel Lourenço Pereira disse...

O Tommy Doc era uma dessas personagens unicas que só se geram no futebol britânico. Nunca foi um grande manager, como os rivais da época, mas era um treinador muito competente e certamente se lhe tivessem dado tempo, teria feito algo sério com a equipa do FCP.

Quanto ao Pinto de Magalhaes, é um dos presidentes mais marcantes da historia do clube, mas sempre deu uma no cravo e outra na ferradura. Meteu muito dinheiro no clube, mas ao mesmo tempo sempre se manteve como credor. Desportivamente nunca aguentou um treinador. Na duvida, despedia-se. O que fez com Pedroto, para nao irritar a base do balneario, foi a prova do seu caracter.

Devem-se-lhe infra-estruturas mas também se lhe pode exigir o facto de ter sido um dos principais responsaveis da estabilidade desportiva da equipa. E lembro-me que esteve para concorrer contra Pinto da Costa em 1982, até que decidiu desistir já perto das eleições.

um abraço

Anónimo disse...

Luís,

Não é apenas por o Pedroto ter vindo a revelar-se um dos maiores treinadores de sempre do futebol português que o Pinto de Magalhães pode ser criticado pela modo como o desautorizou em 1969. Mesmo na altura isso foi um péssimo acto de gestão e descarrilou a equipa, que disputava ombro a ombro o título com o Benfica. "Pinto de Magalhães roeu a corda, mas eu sou de Lamego - sou de antes quebrar que torcer", assim reagiu o Zé do Boné.

Como diz o nosso prezado leitor Miguel Pereira, Pinto de Magalhães era exímio em chicotadas, embora seja de realçar que, com ele, Pedroto esteve três épocas à frente da equipa - de 1966/67 a 1968/69.

Metz disse...

Muito obrigado por este pedaço de história! :)

cumpz

Miguel Lourenço Pereira disse...

Alexandre,

Efectivamente, esse ano estavamos muito perto de apanhar o Benfica e o Pedroto estava a montar já a base da equipa para a época seguinte quando se deu a "rebelião de capitães", muito tipico daquele FCP mais provinciano que ambicioso.

Quanto ao Tommy Doc, relembro que foi ele quem convenceu os directivos do Man Utd a pagar uma fortuna considerável pelo Pavão. Ia-se transferir no final do ano no que significaria o primeiro grande negócio de um clube portugues. Infelizmente sabemos todos o que se passou.

O Doc era um técnico muito querido em Inglaterra pelas suas tiradas e apesar de nao ter ganho muitos titulos (esteve até numa historica derrota do Man Utd na final da FA Cup), era sempre tido como um gentleman e um descobrir nato de talentos. Há uns tempos no meu espaço, passe a publicidade, fiz um repasso aos mais significativos técnicos ingleses da sua época. Aqui fica o link, para quem estiver curioso, do "nosso" Doc.

http://emjogo.blogs.sapo.pt/95846.html

um abraço

Anónimo disse...

Obrigado, Miguel, e parabéns. Vejo que partilhamos o interesse pelo futebol inglês. Eu sigo-o há mais de 40 anos (COYB! - acrónimo de "Come On You Blues!", e estes "Blues" não são aquele clube moscovita da capital inglesa;-)).

Miguel Lourenço Pereira disse...

Alexandre,

Efectivamente para mim o futebol ingles é uma paixao quase tao antiga que a que tenho pelo FCP. Nesse analise tentie recopilar varios treinadores que deixaram a sua marca. Um pouco à semelhança do que foi para nos, tarde demais talvez, o grande Pedroto.

E tenho uma eterna nostalgia pelas grandes equipas que agora andam pelas divisoes inferiores. Quem nao se lembra do Leeds, Southampton, QPR, Wimbledon, Norwich, Nottingham, Sheffield W ou Newcastle? Those where the days...

;-)