quinta-feira, 24 de março de 2016

Cruyff, a estrela mundial que o Porto quase agarrou

Morreu Johan Cruyff.
De certa maneira, morreu uma parte importante do futebol. Nenhum protagonista foi tão relevante, como o génio holandês, na história do jogo, dentro e fora de campo. Podem ter existido jogadores individualmente superiores, treinadores mais bem sucedidas mas a forma como com o pensamento logrou avançar o desporto foi única. O curioso é que poucos sabem que Cruyff, esse mito absoluto do futebol mundial, não andou longe de ter sido por direito próprio um mito da história dos Dragões.

Em 1969 o Porto levava já uma década sem titulos de campeão nacional.
Tinham sido os anos de Eusébio e do Benfica campeão europeu, de um Sporting que também tinha triunfado na Europa e que de três em três anos mordia os calcanhares do vizinhos. Tinham também sido os anos em que Pedroto fez o primeiro esforço, inglório, de levar o clube para a modernidade. Sem êxito, o "Mestre" acabou despedido e irradiado do clube pelos próprios sócios por fazer aquilo que, dez anos depois, voltaria a tentar, transformar um clube de mentalidade pouco profissional numa máquina de ganhar.
Nesse defeso, depois do pior resultado da sua história, Afonso Pinto de Magalhães parecia determinado a mudar o curso da história com um golpe de efeito. Numa Assembleia Geral altamente concorrida, o presidente lançou um repto aos sócios:
"Se contribuirem cada um de 6 mil sócios com mil escudos, o clube estará na disposição de comprar um jogador de valia similar ao de Eusébio". 

A resposta dos sócios foi positiva e ficou establecido que o clube podia contar com essa cifra - 6 mil contos - para ir ao mercado de forma a atrair para a Invicta um jogador de craveira que fosse capaz de ajudar a relançar desportivamente o clube.
Havia poucos jogadores que pudessem ser comparados com Eusébio, ainda que o moçambicano já estivesse na sua etapa mais decadente por culpa das lesões. Ninguém sabia ao concreto a que jogador Pinto de Magalhães se referia. Pouco tempo depois o clube anunciou que esse alguém era nada mais nada menos que Johan Cruyff.
Contextualmente é preciso entender que Cruyff não era, em Julho de 1970, o jogador mediático que se tornou imediatamente depois. O Ajax tinha perdido um ano antes a Taça dos Campeões Europeus em Madrid, contra o AC Milan, por 4-1 e a liga para o Feyenoord. Para mais, o clube de Rotterdão tinha conseguido o titulo europeu semanas antes, o primeiro clube holandês em lográ-lo e havia rumores de que Cruyff estava farto de Amesterdão e das debilidades competitivas dos Ajjacied. Com a maioria dos mercados europeus fechados à época - em Espanha e Inglaterra era proibido contratar estrangeiros, Itália tinha fechado as portas anos antes igualmente - havia poucos países para onde ir. A vizinha Alemanha, a França ou Portugal - então uma potência respeitada - eram as únicas opções viáveis. A "Laranja Mecânica" não tinha sequer marcado presença no Euro 68 e Mundial de 70, eram uma potência de segunda fila no futebol continental. O sonho não era tão louco como pode parecer hoje.

O FC Porto efectivamente fez uma proposta ao Ajax e colocou as cartas na mesa de imediato, oferecendo os 6 mil contos prometidos. O Ajax disse que não. Queriam 8 mil contos, dois mais, para compensar a venda da sua maior estrela. Cruyff, um dos primeiros futebolistas a reclamar o pagamento adequado ao seu valor, não se ficou por menos e exigiu um prémio de luvas por assinatura de 3 mil contos a pagar ao largo do seu primeiro ano no clube. 11 milde contos era uma cifra que quase dobrava o orçamento do que o clube dispunha e o sonho morreu na praia. Houve tentativas para reduzir a cifra ao Ajax - Cruyff manteve-se inflexivel - mas o negócio morreu. Foi o golpe de sorte na vida do clube holandês que arrancou esse verão para uma sequência de três Taças dos Campeões Europeus consecutivas com Cruyff como máximo protagonista.
O clube acabou por não encontrar ninguém nesse Verão que correspondesse ao perfil traçado por Pinto de Magalhães - estar fora das provas europeias não ajudava - e teve de esperar uns anos mais até conseguir o golpe de efeito que foi a contratação do peruano Teofilo Cubillas, ele sim o jogador que começou a dar outro elan ao jogo colectivo dos azuis-e-brancos até ao regresso de Pedroto e a promoção de Pinto da Costa. Ironicamente o que o Porto pretendia com Cruyff acabou por ser o Barcelona a conseguir, primeiro como jogador - colocando ponto final a 15 anos sem titulo de campeão - e depois como treinador, conquistando o seu primeiro titulo europeu. Nessa altura, 1992, o FC Porto já tinha a sua primeira "Orelhona".


A história do futebol teria sido outra se Cruyff tivesse preferido rumar às Antas em vez de triunfar nos palcos europeus com o seu Ajax. Teria, com o astro holandês, o Porto antecipado numa década a sua condição de primeira potência ou tudo teria ficado na mesma por culpa das pressões extra-desportivas? E que teria sido do futebol mundial sem o Ajax tricampeão europeu ou aquele Barcelona que, como o Porto, estava desesperado por dar um golpe na mesa na luta contra dos rivais, um desportivo e outro politico? Nunca saberemos a resposta. Cruyff ficou em Amesterdão e com essa decisão marcou o rumo da história do futebol, consagrando não só a nivel global os dois clubes que representou nesses anos - Ajax e Barça - como também uma cultura de jogo que mais tarde desembocou no futebol moderno. No entanto sonhar é grátis e algum dia, seguramente, depois de ver uma daquelas jogadas marca da casa, algum dragão deu por si a fechar os olhos e a abri-los nas Antas, bancadas à pinha, com o mago holandês a bailar pelo relvado ao grito de "Vamos Johan carago!"

6 comentários:

DC disse...

Dei comigo hoje com lágrimas nos olhos e a voz trémula por causa do falecimento deste génio.
O pai de quase tudo o que adoro no futebol morreu. Felizmente o legado mantém-se.

Kostadinov disse...

Até ver Messi jogar, para mim. foi esse o melhor que vi em toda a minha vida.
Descanse em paz grande Cruiff.

vidente mor disse...

sim foi bom jogador mas ja cheirava nal de dizer mal e cr7 e mourinho e de portugal indiretamente. Nao me deixa muitas saudades, fora do futebol dentro de campo nunca foi um bom exemplo. o valor e relativo eu unca vi messi fora do conforto de barcelona e quando sai mesmo para a seleçao e um fiasco dos grandes.

meirelesportuense disse...

Para mim foi um dos melhores jogadores de sempre, ao nível de um Garrincha, Rivelino, Pelé ou de um Georg Best. Melhor que o Eusébio, e falo em técnica pura, na capacidade de se desembaraçar em fintas sucessivas dos adversários, assim como hoje Messi faz bem melhor que o CR7.
Nele havia qualquer coisa que me faz recordar o nosso "frágil" Domingos...Na sua morfologia, na sua movimentação...

ega disse...

....estória fantástica, para mim desconhecida. Acompanhei o principio e o fim desse grande Ajax. Um génio. Descança em paz.

Pedro ramos disse...

Um adeus a quem ofereceu tanto a esse jogo maravilhoso chamada futebol.
Até sempre.