Como portuense fico não só irritado mas até mesmo estupefacto com a forma como nas últimas duas décadas o uso de «tripeiro» como sinónimo de «portista» se propagou como uma praga (mesmo entre portistas!). Mas mais irritados devem certamente ficar os portuenses que são adeptos de outros clubes (acima de tudo os que são «lampiões»)...
«Tripeiro» diz respeito às pessoas oriundas da cidade do Porto. Ponto. Faz tanto sentido usá-lo para os portistas em geral (cuja esmagadora maioria não é portuense) como «alfacinhas» para adeptos do slb, ou seja: nenhum. Um portuense adepto do slb é tripeiro, da mesma forma que um portista de Lisboa (ou até mesmo de Gaia!) não é tripeiro.
Mas para além disso acho também piada à forma como o epíteto é suposto ser um insulto. Pelo contrário, é grande fonte de orgulho: como muita gente sabe, a origem do epíteto (seja a história verídica ou fictícia, tanto faz) está na expedição a Ceuta há uns bons 600 anos, em que as gentes do Porto terão dado toda a melhor carne que tinham aos marinheiros e soldados que no Porto embarcaram, e ficaram apenas com as tripas para si. Ou seja: «tripeiro» é sinónimo de generosidade, altruísmo e espírito de sacrifício em prol da nação. No que me diz respeito, digo «obrigado» quando me chamam assim.
Há também outro epíteto usado frequentemente para os portistas de forma depreciativa que muito pouca gente percebe de onde vem: os «andrades». Aliás, o próprio PdC disse (a propósito da evolução do FCP no pós-25 de Abril) que «deixámos de ser andrades e passámos a ser dragões». Mas que é isso dos «andrades», ao certo?
Campo da Constituição |
A história remonta aos anos 30 do século passado. Pelo que me foi dito por diversos portuenses (quase todos já falecidos, infelizmente) e pelo que vi mais tarde corroborado em outras fontes, o que se passou foi que o FCP queria alugar para os jogos grandes o campo do Amial, que era na altura dos melhores e maiores campos de futebol em Portugal - se não mesmo o melhor - já que o campo da Constituição começava a ser demasiado exíguo. Ora o campo do Amial (junto à actual Rua do Amial) era propriedade privada de uma família chamada Andrade, que o alugava ao Sport Progresso (clube portuense centenário e que há décadas se arrasta pelos Distritais - já agora joguei lá muitos anos, mas no andebol).
Campo do Ameal |
Houve uma grande celeuma entre os dois clubes e segundo consta o campo terá sido praticamente destruído a mando do próprio dono do terreno, que seria portista (eventualmente em conluio com gente afecta ao clube, aí as versões divergem um pouco) - isto enquanto simultaneamente terá havido um incêndio suspeito no campo da Constituição (suspeitando-se ter sido da autoria de gente afecta ao Sport Progresso).
Estádio do Lima |
O FCP acabou por ir relutantemente jogar para o Estádio do Lima (onde jogava também o Académico), e digo «relutantemente» porque o aluguer era muito mais caro. Quanto ao Progresso, ficou relegado a jogar numa espécie de batatal de dimensões exíguas, com os seus adeptos a criarem a alcunha depreciativa de «andrades» para os portistas por o sr Andrade lhes ter feito a vida negra - alcunha que «pegou» entre os portuenses adeptos de outros clubes (Boavista, Salgueiros, slb, ...) e a pouco e pouco se expandiu bem para além dos limites da cidade.
Há quem diga que entre portistas a alcunha era vista de forma positiva e foi deturpada para o sentido contrário; não é de todo a minha experiência, e conheço (conheci) muitos portistas portuenses nascidos antes de 1930. Não faz aliás grande sentido que fosse visto de forma positiva, a fazer fé na parte consensual da tal história. De qualquer forma convenhamos que há vandalismos - para não dizer crimes - bem piores do que destruir a sua própria propriedade por amor ao clube (basicamente a acusação ao sr Andrade). Alguém arranja um epíteto simples que fique no ouvido para «assassinos-de-adeptos-adversários-usando-very-lights-e-automóveis» ?
6 comentários:
Eu também gosto que me chamem "tripeiro".
essa do campo do Amial é invenção, que os leigos na matéria vão propalando. Já se instituiu como verdade. À moda nazi.
o epíteto vem de um jogo com o Académico, arbitrado por um tal Andrade Pinto, e que motivou que a revolta dos azuis, levasse a polícia a precisar de 8 deles, para segurar o Aurélio, jogador do watter-pólo do Porto, e natural de Murça. Um dia destes conto a história toda, como ma contou o meu pai, portista dos anos vinte
Mete dó ver o "escarro" em que está o estádio do Amial!!!
Para postal ilustrado só lhe falta um tanque de guerra lá dentro e pensarmos que é na... Siria!
Eu acredito historia do Andrades
Excelente texto!
Só houve UM assassino de UM adepto adversário. E foi condenado por isso. Nem eu, nem o Sr. nem ninguém é responsável pelos actos de terceiros. Com isto quero dizer que alcunhar ou atribuir um nome a adeptos de um clube que em determinada altura teve UM energúmeno adepto que matou outro simpatizante de um clube adversário é para mim uma ofensa muito grave. Vale a pena pensar nisto.
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