quinta-feira, 11 de maio de 2017

O homem que inventou o "Somos Porto" é tudo menos "Porto"

Parecia uma tatuagem de máfia, uma daquelas frases que acompanham ao largo da vida como uma epitome e uma declaração de principios para a vida, um "de aqui não passo". Inventar o "Somos Porto" elevou Nuno Espirito Santo a uma condição especial de jogador-adepto algo de que anos mais tarde se quis aproveitar o treinador-adepto que foi apresentado dizendo que o matriz histórico do Porto era o 4-3-3 e que ele era Porto e que todos deviamos ser Porto e que o Dragão seria uma fortaleza onde todos os que Somos Porto iriamos trucidar todos os que Não São Porto rumo a uma nova era de triunfos. Nuno - ou NES - ou melhor, NãoESnada - ainda quis ir mais longe e pegou nessa frase que metaforicamente levava entre tatuagem e sangue nas veias, com a que encheu torrencialmente de portismo todo o balneário a ponto de que desapareceu o vermelho que até incomodava Pedroto das meias dos empregados, tal era o grau de "Somos Porto" que se vivia - esse Nuno decidiu explicar aos jornalistas, esses néscios que não entendem nada e muito menos a ele, que o "Somos Porto" não era só um estado de ânimo, era um jogador de três pernas e muitas ideias de jogo. Ninguém o entendeu - como era óbvio - salvo todos os homens de três pernas que são Porto em algum lugar do mundo.O irónico, o verdadeiramente irónico, é que esse homem que inventa motos, defende histórias de dragões e fortalezas, e impregna a todos os homens de um sentido de enorme presença - porque Jonas, esse finguelas, não pode agredir uma torre humana que além do mais "é Porto" - resume perfeitamente tudo aquilo que, para a esmagadora maioria dos que foram, são e continuarão a ser Porto ao longo da sua vida (e de tantos que já não estão mas que o são, onde quer que estejam) é tudo menos "Ser Porto". NES é tão "Porto" - esse Porto, o Porto de Pedroto, do não calar e comer, do engasgar-se com tanta relva, de canelas moidas a golpes e de dentes fechados, de gritos até ficar sem voz e de procissões nos Aliados....esse Porto - como é "Rio Ave"...como é "Valência"...como é "Clube onde o meu melhor amigo e agente me vai colocar sem que ninguém se queixe do mau treinador que sou".

Tacticamente NES não podia ser Porto B se quisesse quanto mais ser Porto. Nunca Ser Porto seria o pontapé para a frente, o correr pelo correr, o passar pelo passar, o pressionar pelo pressionar. Nunca ser Porto seria a ausência de uma ideia - com uma boa ideia é suficiente - e muito menos a ausência de coragem para aplicar uma ideia. Ser Porto não é pedir desculpa a cada tropeção...é não voltar a tropeçar. Ser Porto não é matar jogadores porque não se sabe o que fazer com eles nesse marasmo desértico de ideias. Ser Porto não é deixar os futebolistas sós, expostos à raiva do adepto triste, sem lhes dar uma rede de conceitos de jogo a que se agarrar. Ser Porto não é viver com o medo de perder e por isso não tentar ganhar. Ser Porto também não é tentar ganhar sem saber como. Ser Porto não é fazer do empate a nova moda nem sequer fazer do discurso uma cassete tediosa resumida em quatro frases. Ser Porto não é esgotar os jogadores porque não há rotações para que cheguem aos jogos decisivos mortos fisicamente e sem um plano B táctico que os proteja e potencie. Ser Porto não é entrar suave e manso nas conferências de imprensa para não ofender os amigos do melhor amigo ou os que no futuro podem passar o cheque que cai na conta. Ser Porto é tantas coisas NES, tantissimas coisas, mas não há em nada do que tenhas feito uma gota do Ser Porto.



Claro que isso não se sabe de hoje como o José Correia já apontava em Outubro e qualquer um com dois dedos de cabeça a ver um jogo completo do FC Porto ao largo da temporada. Não se trata apenas e só de julgar o treinador pelos fracos resultados obtidos - a equipa acabará o campeonato seguramente com o Benfica mais longe do que tem o Sporting o que diz muito de uma liderança desde o banco que chegou à Luz sem vontade de ultrapassar o rival e que desde então se dedicou a dar-lhe mais oxigénio do que merecia - mas sim de deixar claro que mesmo na vitória, NES nunca foi Porto nem poderia ser. Já houve muitos treinadores campeões no Porto que não foram Porto e alguns (menos) treinadores que, sendo Porto não foram campeões. O que se trata aqui não é o de entender que NES pode ser no futuro campeão mas sim de que não pode, desde logo, é ser um representante do que o Porto - e aqui falamos do Porto pos-Pedroto e não dos anos cinzentos de quase amadorismo prévios - quer, foi e deve voltar a ser. Naturalmente NES é treinador do Porto porque há muita gente acima dele que não é Porto e outra que se esqueceu do que era ser Porto, alicerces que sustentam a sua presença ilógica. Não é nem o maior problema do clube nem o mais grave, desde logo, mas é um reflexo, um sintoma dessa situação.



NES é as olheiras de uma noite sem dormir, é as calças rotas e os sapatos com buracos de uma carteira vazia, é a côdea do pão do almoço que não dá para sopa e bife. Não tem culpa de ser NES, não tem culpa de não ser Porto e muito menos não tem culpa de estar no Porto. Mas como as orelhas, os remendos, os buracos e as côdeas, é o que temos e é o mais visivel que temos para exemplificar toda uma sequência de dramas mais intangiveis. Ser Porto, antes de que a tatuagem fosse criada e cozida até em camisolas como se tivesse existido décadas de angustiosa ausência dessa frase, sempre foi mais que retórica e assobios. Ser Porto sabe a relva. Ser Porto sabe a suor. Ser Porto sabe a feridas por sarar. Ser Porto sabe a "carago", sabe a "foda-se", sabe a "até os comemos". Ser Porto sabe a chuva. Sabe a granito. Sabe a caneleiras e chuteiras pretas. Ser Porto sabe a homens rijos com duas e não três pernas. Ser Porto sabe a reagir e não a pedir desculpas. Ser Porto é um paladar de mil sabores mas nenhum desses sabores sabe a Nuno Espirito Santo.

3 comentários:

Mário Faria disse...

Causa-me urticária ler textos que sistematicamente apelam a uma ideia de “portismo exemplar ou de jogador à Porto” que cada um estampa á sua maneira, através de algumas figuras que servem de modelo e exemplo. E a verdade é que desses heróis pouco conhecemos para além do reconhecimento que retiramos do comportamento e do perfil de atleta. João Pinto e Semedo são avaliados de forma bem díspar: o primeiro faz parte do catálogo o segundo foi excluído. O futebol de hoje pouco se identifica com os valores desportivos que enformaram a sua ascensão. Felizmente que a paixão continua. Já vejo futebol de forma activa há mais de sessenta anos e anoto com muito prazer que há muitos miúdos e jovens que seguem o nosso clube com uma dedicação que nada fica a dever aos dos seus avôs. E, isso, é muito mais importante. E gratificante. Por isso, continuo a achar que o FCP tem futuro e não são quatro anos de nojo que nos retiram do mapa. Não conheço o NES para além dos sinais dados. Já escrevi e repito que o nosso treinador não é entusiasmante, nem pelos feitos enquanto treinador nem com os sinais que deixa enquanto comunicador. Mas, devemos entender que um profissional tem um interesse egoísta que não cabe maioritariamente no património do adepto. E sim: fica abeto às oportunidades que lhes caem no colo. E o dinheiro conta e de que maneira. E mudam e adaptam-se. Dito isto, considero o NES um tipo inteligente, que uniu o grupo como há muito não se via e que acertou em cheio quando fez do Dragão a nossa fortaleza. Não arrisco uma opinião quanto à sua continuidade: estou muito longe para estar bem informado. Mas, acho muito injusta este julgamento de carácter.

Unknown disse...

Boa tarde,

Há uns tempos atrás li num destes fóruns afetos à nossa cor, o Azul e Branco, alguém referir se à benfiquização do FCP, colocando em destaque uma série de argumentos. Este post não é nada mais que menos que a verdade suprema dessa tal bemfiquização. A de uma massa associativa bipolar, que se contraria a cada instante e que no momento onde se retiram e se reforçam as lideranças , ofendem e vulgarizam como este artigo revela ! O NES, como todos os seres humanos, é ele próprio, mas também as suas circunstâncias ! Um fórum do Benfica não diria melhor !
Não me venham com a teoria de que : sim não dizer o que se pensa é que seria de mau tom, e tudo isto é verdade .... Assim como era com Pauli Fonseca, Lopetegui, e todos os outros que se seguirão, que ao primeiro atraso de bola para trás começam logo a ser assobiados.
Nós os do FCP, não devemos ser gratuitos nem superficiais nas análises. Devemos ser, pura e simplesmente apoiantes, e cobrar nos momentos da verdade.
Muitos de vós, Nós, esperaram ansiosamente para este momento, para poderem confirmar todas os anúncios de mal dicencia !

VIVA O FCP

Azulantas disse...

Aqui estou totalmente de acordo com o Mário Faria. NES pode nao ser "o treinador" mas carago é uma pessoa, ao que vejo, dedicado, e que merece o nosso respeito. Não tem culpa dos amigos que tem e, mal ou bem, reverteu o processo de auto-mutilação desportiva iniciado com o despedimento de Lopetegui.