Duvidei. Duvidei muito. Como muitos portistas fui uma reencarnação de São Tomé, esse do ver para querer. Mais, divulguei publicamente as minhas dúvidas. A 11 de Junho do ano passado enunciei neste espaço as minhas incertezas. Não foi preciso nem um ano para saber que estava enganado. Nunca fiquei tão contente comigo mesmo por isso. André Villas-Boas venceu, sobretudo, o imenso desafio que o esperava. Que nos esperava a todos. Depois de um ano para esquecer, de um cerco mediático que procurava reduzir os dragões de novo à condição de “andrades”, era preciso alguém com força para dar um murro na mesa. Nunca pensei que AVB fosse esse homem. Hellas, my mistake.
Não é o técnico perfeito, não está isento de cometer erros e ainda tem muitas arestas por limar. Mas tem 33 anos. E é campeão nacional. Até hoje, sem derrotas na liga caseira, algo que nenhum dos grandes técnicos portugueses lograram no passado. Quando escrevi que “A genialidade não se contagia”, descrevi os meus medos e suspeitas. Temia que o FC Porto procurasse o simbolismo antes que a eficácia. Sem curriculum, com um sorriso maroto e uma postura de gentleman da velha guarda, Villas-Boas despertava um ligeiro optimismo num sector dos adeptos azuis e brancos. Mas também pessimismo noutro, talvez mais numeroso em Junho. Quando a bola não tinha ainda rolado.
A partir do momento em que a época começou foi fácil ver que havia ali uma colheita de qualidade. O técnico campeão nacional provou que um modelo de jogo vale mais que um sistema táctico e ao manter o 4-3-3 lavou a cara a uma equipa medrosa e eternamente pendente do rival, o espelho dos resquicios finais da era Jesualdo. A forma autoritária com que o FC Porto encarou uma época psicologicamente importante é mérito seu. A mensagem que passou, para dentro e para fora, foi o seu maior trunfo. Venceu os duelos directos com os principais rivais que encontrou (Benfica, Braga, Sporting, Besiktas, Sevilha, CKSA) e não tropeçou com os mais pequenos. E soube gerir um nucleo de trabalho optimizado.
Na altura disse que Villas-Boas não me despertava expectativas porque não conhecia o seu trabalho. Era verdade. Não quis cair no grupo que o apoiavam pelo simbolismo da juventude, da aprendizagem com esse génio que é José Mourinho e nem mesmo com o seu portismo. Mas essas três condições meramente simbólicas revelaram-se fundamentais para o seu sucesso. A idade revelou uma liderança insuspeita. Os anos de treino com o setubalense formaram um treinador completo. E o seu consumado portismo relembrou os dias de vitórias da triade Oliveira-Artur Jorge-Pedroto, os únicos homens da casa que triunfaram ao leme do clube.
Na ressaca do titulo é fácil cair no elogio a alguém que levantava tantas suspeitas. Mas o futebol vive da ténue linha entre o sucesso e o fracasso e se Villas-Boas não tivesse protagonizado a época que estamos a viver, se calhar os pessimistas teriam, infelizmente, triunfado. Villas-Boas revelou um imenso potencial de futuro e o mais certo é que o seu mandato no Dragão seja curto. É a nossa velha sina. Mas dar-lhe-á tempo, ao técnico, de aprimorar os seus pontos fracos. Que ainda são visiveis.
Dele surpreende-me, pela negativa, a falta de precisão nos lances de laboratório, hoje condição quase sine qua non para triunfar. O FC Porto das bolas paradas – onde a mão do treinador é chave – é um FC Porto mansinho e ineficaz. Desde os penaltis falhados aos livres desperdiçados, há muito que trabalhar. Se com a bola nos pés somos senhores, se na ocupação dos espaços demos um passo de gigante, defendendo com pressão alta e contundente (e que importantes foram Moutinho e Guarín para isso), a verdade é que falta também o espirito matador que pairava sempre sobre a mente do mentor de infância de Villas-Boas, mister Robson. Talvez os anos ao lado do calculista Mourinho tenham racionalizado o espirito ofensivo do nosso técnico, mas ao trabalho de eficácia pede-se mais contundência. Sabemos que tarde ou cedo ela aparecerá.
A minha principal nota de desilusão com o técnico prende-se com o progressivo afastamento com o futebol de formação. Souza e Walter chegaram do Brasil e rapidamente desapareceram. Cristian Rodriguez e Ruben Micael nunca o convenceram. E no meio de tudo isto, em Janeiro perderam-se os únicos jogadores da casa, Ukra e Castro. O primeiro não desiludiu no pouco que jogou em Braga. O segundo tenho-o acompanhado, por proximidade, com alegria em Gijón. Não me digam que ambos aportam menos que o duo contratado no defeso, ou que o “Cebolla” e o recuperado Mariano. Villas-Boas perdeu uma boa oportunidade de mandar uma mensagem aos escalões de formação e aos adeptos. Que os valores à Porto não se defendem só pela brigada sul-americana, ou pelas importações de Alcochete, que tantas alegrias nos deram. Assinatura pendente para a próxima época mister.
Chegamos a um momento em que estamos numa encruzilhada curiosa. Depois da reconquista do titulo nacional será que a época é já um sucesso? Ou o facto de poder conseguir um triplo objectivo ainda pendente nos obrigue a adiar um mês e meio mais a nossa análise? Imagino que vencer 3-0 no estádio apagado seja complicado, e todos sabemos porquê. Sei que acabar o ano sem derrotas, nem que seja por desconcentração natural e desgaste fisico dos jogadores, é um objectivo muito, muito complicado. E na Europa nem sempre vencem os melhores, mas sim os que dizem presente nos momentos mais complicados. E Spartak, Villareal e Twente são, quer queiram quer não, as três melhores equipas ainda em prova, juntamente com o FC Porto. Por isso, porque quero ganhar tudo mas porque me lembro do que é ficar sem ganhar nada, sinto que o mestre André já cumpriu o seu dever. As dúvidas transformaram-se em certezas. O espirito critico está sempre presente mas a gratidão também. São Tomé viu, acreditou e evangelizou. Toca-nos agora fazer o mesmo. Há um mito em forja para os lados do Dragão!
Não é o técnico perfeito, não está isento de cometer erros e ainda tem muitas arestas por limar. Mas tem 33 anos. E é campeão nacional. Até hoje, sem derrotas na liga caseira, algo que nenhum dos grandes técnicos portugueses lograram no passado. Quando escrevi que “A genialidade não se contagia”, descrevi os meus medos e suspeitas. Temia que o FC Porto procurasse o simbolismo antes que a eficácia. Sem curriculum, com um sorriso maroto e uma postura de gentleman da velha guarda, Villas-Boas despertava um ligeiro optimismo num sector dos adeptos azuis e brancos. Mas também pessimismo noutro, talvez mais numeroso em Junho. Quando a bola não tinha ainda rolado.
A partir do momento em que a época começou foi fácil ver que havia ali uma colheita de qualidade. O técnico campeão nacional provou que um modelo de jogo vale mais que um sistema táctico e ao manter o 4-3-3 lavou a cara a uma equipa medrosa e eternamente pendente do rival, o espelho dos resquicios finais da era Jesualdo. A forma autoritária com que o FC Porto encarou uma época psicologicamente importante é mérito seu. A mensagem que passou, para dentro e para fora, foi o seu maior trunfo. Venceu os duelos directos com os principais rivais que encontrou (Benfica, Braga, Sporting, Besiktas, Sevilha, CKSA) e não tropeçou com os mais pequenos. E soube gerir um nucleo de trabalho optimizado.
Na altura disse que Villas-Boas não me despertava expectativas porque não conhecia o seu trabalho. Era verdade. Não quis cair no grupo que o apoiavam pelo simbolismo da juventude, da aprendizagem com esse génio que é José Mourinho e nem mesmo com o seu portismo. Mas essas três condições meramente simbólicas revelaram-se fundamentais para o seu sucesso. A idade revelou uma liderança insuspeita. Os anos de treino com o setubalense formaram um treinador completo. E o seu consumado portismo relembrou os dias de vitórias da triade Oliveira-Artur Jorge-Pedroto, os únicos homens da casa que triunfaram ao leme do clube.
Na ressaca do titulo é fácil cair no elogio a alguém que levantava tantas suspeitas. Mas o futebol vive da ténue linha entre o sucesso e o fracasso e se Villas-Boas não tivesse protagonizado a época que estamos a viver, se calhar os pessimistas teriam, infelizmente, triunfado. Villas-Boas revelou um imenso potencial de futuro e o mais certo é que o seu mandato no Dragão seja curto. É a nossa velha sina. Mas dar-lhe-á tempo, ao técnico, de aprimorar os seus pontos fracos. Que ainda são visiveis.
Dele surpreende-me, pela negativa, a falta de precisão nos lances de laboratório, hoje condição quase sine qua non para triunfar. O FC Porto das bolas paradas – onde a mão do treinador é chave – é um FC Porto mansinho e ineficaz. Desde os penaltis falhados aos livres desperdiçados, há muito que trabalhar. Se com a bola nos pés somos senhores, se na ocupação dos espaços demos um passo de gigante, defendendo com pressão alta e contundente (e que importantes foram Moutinho e Guarín para isso), a verdade é que falta também o espirito matador que pairava sempre sobre a mente do mentor de infância de Villas-Boas, mister Robson. Talvez os anos ao lado do calculista Mourinho tenham racionalizado o espirito ofensivo do nosso técnico, mas ao trabalho de eficácia pede-se mais contundência. Sabemos que tarde ou cedo ela aparecerá.
A minha principal nota de desilusão com o técnico prende-se com o progressivo afastamento com o futebol de formação. Souza e Walter chegaram do Brasil e rapidamente desapareceram. Cristian Rodriguez e Ruben Micael nunca o convenceram. E no meio de tudo isto, em Janeiro perderam-se os únicos jogadores da casa, Ukra e Castro. O primeiro não desiludiu no pouco que jogou em Braga. O segundo tenho-o acompanhado, por proximidade, com alegria em Gijón. Não me digam que ambos aportam menos que o duo contratado no defeso, ou que o “Cebolla” e o recuperado Mariano. Villas-Boas perdeu uma boa oportunidade de mandar uma mensagem aos escalões de formação e aos adeptos. Que os valores à Porto não se defendem só pela brigada sul-americana, ou pelas importações de Alcochete, que tantas alegrias nos deram. Assinatura pendente para a próxima época mister.
Chegamos a um momento em que estamos numa encruzilhada curiosa. Depois da reconquista do titulo nacional será que a época é já um sucesso? Ou o facto de poder conseguir um triplo objectivo ainda pendente nos obrigue a adiar um mês e meio mais a nossa análise? Imagino que vencer 3-0 no estádio apagado seja complicado, e todos sabemos porquê. Sei que acabar o ano sem derrotas, nem que seja por desconcentração natural e desgaste fisico dos jogadores, é um objectivo muito, muito complicado. E na Europa nem sempre vencem os melhores, mas sim os que dizem presente nos momentos mais complicados. E Spartak, Villareal e Twente são, quer queiram quer não, as três melhores equipas ainda em prova, juntamente com o FC Porto. Por isso, porque quero ganhar tudo mas porque me lembro do que é ficar sem ganhar nada, sinto que o mestre André já cumpriu o seu dever. As dúvidas transformaram-se em certezas. O espirito critico está sempre presente mas a gratidão também. São Tomé viu, acreditou e evangelizou. Toca-nos agora fazer o mesmo. Há um mito em forja para os lados do Dragão!
Nota final: O 'Reflexão Portista' agradece ao Miguel Lourenço Pereira a elaboração deste artigo.
Foto 1: LUSA
Foto 2: Catarina Morais
9 comentários:
A racionalidade e a frieza da análise, reveladas no post do ano passado, do Miguel Pereira cederam ao entusiamo e ao reconhecimento de que a inexperiência de AVB não foi óbice ao sucesso do seu futebol e da táctica que implementou na equipa do Porto.
Reli a caixa de comentários do referido post e também do post da Ana Martins sobre o "cenourinha" para ver o estado de espírito da altura, havia mais optimistas do que pessimistas e houve alguém que chegou ao ponto de dizer que o Guarin era o novo Quintana ou Buturovic, será que a pessoa que fez tal afirmação já se arrependeu?
O futebol de André VB libertou novos horizontes para a nossa equipa, já não estamos meramente preocupados em segurar um resultado ou possuidores de uma estratégia "calculista", temos ousadia e vontade de ir mais longe.
Pela negativa, como o Miguel salienta, a insuficiência no aproveitamento de lances de bola parada, nota-se ainda alguma ingenuidade nos cantos.
Parabéns pelo excelente artigo!
Quanto aos aspectos negativos apontados, penso que "Roma e Pavia não se fizeram num dia"
AVB tinha um grande trabalho pela frente e teve que estabelecer prioridades. Estou certo que esses "pontos negativos" fazem parte da sua agenda de trabalho para a próxima época!
Também não comungo do "temor" que AVB vá estar por cá "pouco tempo"! Acho que ele será nosso treinador o tempo que for necessário! Ao contrário dos jogadores, que teem uma carreira curta, AVB tem muito tempo para ir atrás do "Euromilhões" que, ao que se sabe, já lhe está a bater à porta!
«No início da época não acreditei que um treinador tão jovem e sem currículo pudesse ser campeão. O facto de não ter acreditado num treinador mais novo do que eu foi um sinal do meu envelhecimento. Já lhe disse pessoalmente. Fico-lhe eternamente agradecido por me ter mostrado isso. Interrompi esse ciclo.»
Miguel Guedes
in publico.pt, 06/04/2011
No final da época passada, a minha escolha teria sido Domingos Paciência.
Hoje, olhando para o desempenho deste FC Porto de André Villas-Boas, a única coisa que se pode dizer é que, mais uma vez, Pinto da Costa acertou em cheio.
Eu estava como o José, como o Miguel, como muitos. Havia mais dúvidas que certezas, mais cepticismo que segurança.
Hoje agradeço também ao AVB mostrar-me o quão estava enganado. O seu grande triunfo não são os titulos, ganhos e por ganhar ainda. Foi ter reinventado o aspecto futebolisitco do FCP, o jogo de toque, a qualidade de bola, o futebol de classe.
Não sei se irá daqui a um, dois, tres ou dez anos. Ser portista e novo pode servir para o prender, mas não sabemos que não somos uma potência desportiva e financeira e esta liga deprime a qualquer um, por isso mais tarde ou mais cedo sairá.
Da minha parte, com um imenso aplauso.
Obrigado pelos vossos comentários ;-)
De salientar que, após Robson, só houve 2 técnicos que, graças às exibições futebolísticas das suas equipas, caíram no agrado dos adeptos: Mourinho e agora André VB. Ambos possuem o comum o facto de terem trabalhado com Robson e beberem da influência do inglês.
Quando foi noticiado que Jesualdo ia sair, senti uma sensação de libertação, muito agradecido a Jesualdo pelas vitórias, mas o modelo dele estava esgotado. Quando soube que André VB era o sucessor não senti apreensão mas também não entrei em euforias, mas agora pressinto que se algum dia André VB deixar de ser o nosso treinador, terei o mesmo sentimento de "orfandade" que senti quando Robson e Mourinho deixaram o Porto. Treinador que nos dê vitórias é uma coisa, treinador que além das vitórias, simultaneamente nos coloque a jogar bom futebol e com uma atitude ousada é outra.
"...esse génio que é José Mourinho..."
Mourinho é um génio mau, Villas-Boas é um génio bom. Mourinho triunfa sendo sacana, Villas-Boas triunfa sendo "bacana". Mourinho tem ciúmes de Villas-Boas e não quer que o Porto ganhe a Liga Europa porque não suporta que ninguém lhe faça sombra. Mourinho não presta.
Não concordo com a parte das jogadas de laboratorio. O Porto já fez dezenas de combinações tanto em cantos como livres que só não deram golo por azar/azelhice/merito do adversario. As jogadas estão lá, agora não vai lá o AVB meter a bola dentro da baliza...
Estou com o Miguel no arrependimento e no reconhecer que haja o que houver esta época já está ganha por AVB.
Discordo no entanto de algumas das críticas, especialmente na que toca ao aproveitamento dos jogadores da formação. Penso que no primeiro ano de AVB o objectivo central era recolocar o FC Porto no topo do pódio após uma época em que nem à Champions fomos. AVB precisava de atingir esse objectivo a todo o custo e não se podia "distrair" com aspectos da formação.
Agora (e já a partir da próxima época) com o "capital" acumulado este ano talvez tenha mais "envergadura" para voltar ao dossier da formação com outra força.
Mais a mais, aquilo que aconteceu ao Guarín foi ou não fruto da "formação" que recebeu /continua a receber a cada treino?
Mais a mais, nos casos do Castro e do Ukra, naquela idade o que mais precisam é de jogos nas pernas e o empréstimo é sempre muito mais lógica opção do que ficarem tapados no banco ou bancada a época toda (Ukra teria sempre Hulk, Varela, James e Rodriguez + Mariano à sua frente e Castro teria Moutinho, Guarín, Belluschi, Ruben, Fernando e Souza).
Finalmente, os maiores rivais na Liga Europa são o Villarreal e os nossos velhos rivais Benfica e Braga.
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