sábado, 26 de junho de 2010

Do Terreiro do Paço, nem bom vento...


Em Fevereiro passado, num artigo intitulado 'Gallaecia, centralismo e desporto', escrevi o seguinte: «o poderosíssimo loby centralista tudo fará para boicotar, atrasar ou dificultar todos os projectos ou iniciativas que contribuam para fazer sombra à "capital do Império"».

Uns dias depois, da capital vinha a confirmação de uma notícia pré-anunciada: o TGV Lisboa - Madrid é para fazer já, enquanto que as linhas Porto - Lisboa e Porto - Vigo são adiadas para as calendas.
E continuando na sua senda de "apoio" à dinamização da economia na região mais afectada pela crise - é no Norte que fecharam mais empresas e que está a maior parte dos desempregados -, o governo de Lisboa decidiu que esta era a altura ideal para portajar três das sete SCUT existentes em Portugal, com a "coincidência" de serem todas no Norte...

A propósito desta medida do governo de Lisboa, no dia 23 de Junho, em entrevista à RTP, o Secretário-Geral do Eixo Atlântico do Noroeste Peninsular, Xoan Vásquez Mão, afirmou o seguinte:
"Quem vem de férias, ou quem vem ao IKEA, ou passar um fim-de-semana ao Porto, ou apanhar o avião ao Porto tem que fazer fila na bomba de gasolina para recolher o aparelho, tem que pagar, depois receber a devolução. Não sabe como é que funciona. Se se engana tem de ficar no trânsito à espera. Com tudo isto quem vai passar um dia de férias tranquilamente, ou apanhar o avião, vai chegar incomodado, com mau feitio. Vai antes a Santiago ou vai fazer as compras ao IKEA a La Coruña. Qual é o efeito de não haver dinheiro galego em Portugal? Obviamente não vai haver dinheiro português para gastar na Galiza. Porque a relação é tão forte que todos dependemos de todos."

E mais adiante acrescentou:
"Se associarmos isto ao TGV, à dificuldade nas comunicações, o problema está a fazer com que a Galiza, que tem um sentimento muito especial para com Portugal - para nós é a nossa casa, somos a mesma gente - comece a olhar para o Cantábrico, a virar costas, e isso pode acabar por ser um problema muito grave. E aqui não é um problema com o Norte de Portugal, é um problema com o Governo português que parece pretender levantar todas as dificuldades possíveis para que esta Euro região não avance."

De facto, e como escreveu Paulo Morais no JN de 09/06/2010, "o centralismo é doença crónica de sucessivos governos. O fenómeno não é de agora. Com o advento da democracia em 1974, os governos de Lisboa, tendo perdido os territórios ultramarinos, contentam-se agora com colonizar e espoliar o resto do continente. Mas esta atitude atingiu o absurdo e a sem vergonha nos últimos meses. Os exemplos são inúmeros. O Governo continua apostado em construir essa obra inútil e cara que é o TGV de Lisboa para Madrid, mas cancela a expansão do metro do Porto, que serve milhões de passageiros e é imprescindível para o desenvolvimento da sua Área Metropolitana. Quando o Estado ameaça falência e há necessidade de cobrar portagens nas SCUT, o Executivo opta por sacrificar o Grande Porto e o Norte."

E o que é que isto tem a ver com o futebol e, em particular, com o Futebol Clube do Porto? Então o FC Porto não é um clube nacional?
Sim, é indiscutível que o FC Porto cresceu muito nas últimas décadas, conquistando milhares de adeptos de norte a sul de Portugal e nas regiões autónomas. Mas o FCP não pode ser dissociado da cidade do Porto, da Área Metropolitana do Porto e, inclusivamente, do Norte de Portugal, porque é aí que estão as suas raízes e concentrada a esmagadora maioria dos seus adeptos.

À semelhança do Barcelona e de outros grandes europeus, o FC Porto possui uma identidade e forte matriz regional. Contudo, sendo esta uma das suas principais forças, pode e vai tornar-se uma fraqueza se a economia da área metropolitana e da região Norte continuar a definhar. Sobre isto não haja ilusões. E é por isso que este assunto - centralismo, regionalização, capacidade económica das regiões, PIB per capita - tem mais a ver com o futebol e com o FC Porto do que alguns pensam.

(*) Durante muito tempo, dizia-se que "de Espanha, nem bom vento, nem bom casamento". Agora, que Castela deixou de ser uma ameaça, é do Terreiro do Paço (símbolo maior do centralismo sufocante que asfixia o país) que não sopram bons ventos para os portugueses de Elvas, Valença, Bragança, Porto, Faro, Viana, etc.

9 comentários:

Anónimo disse...

"Agora, que Castela deixou de ser uma ameaça".

Na sua raivazinha contra o Terreiro do Paço (que não digo que não se justifique) você nem repara no que se passa nas relações Portugal-Espanha: a mais completa sujeição portuguesa à castelhanada. Ou por que razão acha que o governo manteve o TGV Lisboa-Madrid e não o do Porto? E qual o motivo da primeira viagem oficial do actual Presidente da República ter sido a Espanha? E já se esqueceu o anterior PR a bradar como um desalmado: "Para Espanha! Para Espanha!"?

Claro que a culpa não é principalmente dos espanhóis, mas desta corja de descendentes de Miguel de Vasconcelos.

Estou a falar de assuntos que nada têm a ver com o futebol ou com o desporto em geral? Nem este artigo, me parece...

E o vosso sub-título também é instrutivo. "Bruxelas não vê problemas". Pois claro que não vê: aquilo é que é uma verdadeira corja centralizadora, mas o pessoal do Porto, como só vê Lisboa à frente como o touro o pano vermelho, nem repara nisso.

Unknown disse...

"E o vosso sub-título também é instrutivo. "Bruxelas não vê problemas". Pois claro que não vê: aquilo é que é uma verdadeira corja centralizadora, mas o pessoal do Porto, como só vê Lisboa à frente como o touro o pano vermelho, nem repara nisso."

Exactamente David.

A tendência de centralização, doentia e em ritmo acelerado, está por toda a europa. Aliás cada vez mais vê-se que o poder na europa é cada vez menos democrático, pois até o presidente da união europeia não é eleito pelo povo europeu.

Mas Lisboa é, a nível local, uma força de retardação do crescimento do país, pois nada pode crescer mais do que Lisboa, tudo tem de ser construído lá. E mesmo a pilhar os recursos de um país inteiro não são capazes de ter um cidade extraordinária.

O povo português está a apertar o cinto à vários anos para quê? Se todos os anos se gasta mais e pior? O governo faz algumas coisas bem feitas? Sim, se não fizesse algumas coisas bem feitas era corrido do poleiro passado meia dúzia de meses. Por isso vai fazendo umas coisas para não parecer mal. Mas mesmo assim é uma desgraça.

Não sou a favor de nenhum partido político, pois todos contribuem para o actual estado das coisas. Sou a favor do assumir das responsabilidades de cada cidadão. Se continuarmos a olhar para os partidos como "paizinhos", então estaremos sempre em risco de sermos abusados.

Bruno Paiva

José Rodrigues disse...

acho q um partido regionalista ja' se justificava 'a muito, ja' q nem ha' regionalizacao e os deputados ja' mais do q demonstraram q a lealdade e' a 100% para o partido e zero para o distrito por que foram eleitos.

Daniel Gonçalves disse...

Há uma ideia da qual eu discordo e que também está subajecente no artigo de Paulo Morais: que desde o 25 de Abril se viu um egocentrismo centralista, não me parece verdade, a obsessão centralista é exclusivamente apanágio deste Governo e deste Primeiro-Ministro (digo isto porque não sou militante de nenhum partido político, apesar de puder ferir susceptibilidades partidárias de pessoas que visitem este blog). Nenhum outro Governo, após o 25 de Abril, teve tanto medo de partilhar recursos e poder com outras entidades (regiões por exemplo) com receio de perder protagonismo político.

Daniel Gonçalves disse...

É claro que o empobrecimento económico de uma região levará ao empobrecimento da vida social, reflectindo-se nos organismos da sociedade civil, como por exemplo os clubes desportivos.

José Correia disse...

É discutível se Portugal precisa ou não do TGV, mas não se percebe porque razão avança a linha Lisboa-Madrid e as outras duas são adiadas para as calendas.

É discutível se as SCUTs deveriam ou não ser pagas, mas não se percebe que em sete SCUTs apenas se pretenda que sejam pagas as que estão localizadas na região Norte.

Em Lisboa, está a ser construída a expansão do Metro em direcção ao aeroporto da Portela, quando já foi decidido que este aeroporto vai ser desactivado; na área metropolitana do Porto, a 2ª fase do Metro, apesar de custar (por quilómetro) muitíssimo menos que o Metro de Lisboa, foi bloqueada pelo governo e o pouco que vai sendo feito (às pinguinhas) tem anos de atraso.

Lisboa, sendo (de longe) a região mais rica do país, não deveria ter direito às verbas do QREN (de acordo com as próprias regras da UE). Contudo, recorrendo a habilidades, verbas que deveriam ser direccionadas para as regiões mais pobres - Norte, Centro, Alentejo - são gastas em "investimentos estratégicos" na capital.

O que está em causa não é, nem nunca foi os lisboetas. O que está em causa é um modelo de desenvolvimento unipolar, que suga os (poucos) recursos do país para a mesma região, por sinal aquela que já é a mais rica e que, por isso, menos precisa.

José Rodrigues disse...

Falando do TGV, a linha Lisboa - Madrid vai ser um elefante branco.

Nao ha' movimento q a justifique (em 600km nao ha' qq cidade de media ou grande dimensao), e os voos low cost serao uma concurrencia tremenda, com custos de bilhete iguais ou mais baixos ao q deveria custar um bilhete de comboio q cubra o investimento (ainda por cima o tempo de viagem e' mais curto, ja' tendo em conta o tempo de deslocacao aos aeroportos).

Ja' a distancia Porto- Lisboa torna o comboio mais rapido do q o aviao (porta a porta) e ha' cidades de media dimensao pelo caminho (e 40km a norte do Porto temos ainda Braga com os seus 800mil hab no distrito).

K disse...

Está tudo ligado.
Se a região empobrece significa desde logo e por definição que tudo e todos à volta terão empobrecido.
Por isso é óbvio que afecta o FC Porto, directa ou indirectamente.
O blog O Porto é o maior, carago! já fez vários posts sobre esta problemática.

Quanto ao TGV falado nas opiniões anteriores digo; não faz falta nenhuma ao país e só servirá para endividar o país durante décadas e décadas.
Uma linha comercial (a que está prevista não comporta esse tipo de tráfego, só serve para passageiros) ainda se justificava e era só de Vigo ao Porto para trazer as mercadorias da Europa e é onde Espanha pode ser ligada com tal tipo de construção, mas... é no Porto e não em Lisboa e como tal os governos centralistas portugueses não aceitam tal opção e é logo descartada e nem ninguém a debate.

Há-de ter tanto uso o TGV Lisboa-Madrid como o novo aeroporto de Lisboa. Com os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres só se for para os ricos levarem os cãezinhos e gatinhos nos bancos vazios, de um lado para o outro, a fazerem compras nas capitais dos países reis do desemprego, e para passarem o tempo e gastarem dinheiro à toa e se pavonearam para fazer inveja aos pobrezinhos desgraçados.
Isto parece um país do faz de conta.
Muita gente a fazer de conta que não é pobre, a fazer de conta que é inteligente e não se deixa enganar por isso vota naquele a quem mais "descobrem a careca" (um tipo como o Sócrates num qualquer país de "1º mundo" à muito que estava acabado na politica e possivelmente preso) pois "é óbvio que é vitima de uma campanha negra contra ele", lol, e é um país onde muita gente faz de conta que sabe o que se passa à sua volta mas só depois de as coisas acontecerem é que saem à rua a gritar por socorro que estão a ser roubadas "à mão desarmada".
É por causa destas coisas que quando me perguntam se sou português digo sempre (a não ser que esteja a tratar de um assunto oficial e sério) que sou americano. É a vantagem da dupla nacionalidade.
Se bem que quando o G.Bush era presidente respondia mais vezes que era português.
É incrível a passividade de povo português em assuntos de tão elevada relevância social.
Até na campanha eleitoral legislativa este assunto foi muito usado mas muito pouco debatido na profundidade que merecia. E assim vai este quintal de Espanha à beira mar plantado.

meirelesportuense disse...

Parece ser uma tentativa de assumir um eixo Lisboa/Madrid ou vice-versa -depende da área mais poderosa- em detrimento de qualquer outra centralidade, neste caso Porto/Vigo...No fundo são os interesses dos poderosos daquelas duas cidades a tentar esmagar qualquer força emergente...Depois agita-se a bandeira do Nacionalismo se houver vontade de criar uma Região Galaico Duriense e esquece-se a inevitável predominância espanhola na Região a formar pelos centros Lisboa/Madrid...Um Nacionalismo à medida do umbigo de cada um.