quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A SAD pós-Pinto da Costa (II)

Para continuar a discussão em título, cito duas lúcidas afirmações do ilustre colega Mário Faria num fórum sobre o FC Porto:
- Os sócios querem (eu também) manter um controlo (ainda que indirecto) sobre a SAD, mas quem mais pode é o dinheiro, e quem tem o ouro é que faz as regras.
- Por outro lado, acho que quem investiu tem “direito” a um determinado controlo desse financiamento. E como chegar a esse controlo se o FCP – os seus dirigentes – com 40% consegue o monopólio do poder.

Eu, enquanto sócio, não faria questão de manter um controlo (ainda que indirecto) sobre a SAD se, aquando da sua criação, o clube não tivesse contribuído com todo o plantel de futebol que serviu para representar 40% do seu capital, como foi o caso. Do modo como as coisas se passaram, o clube passou a ser o principal accionista e, assim sendo, faço mesmo questão que mantenha o controlo da SAD.
Se se vier a revelar necessário um novo aumento de capital para a sobrevivência financeira da SAD, isso significaria o fim do modelo pensado e criado em 1997 e nesse caso seria aconselhável que Pinto da Costa convocasse eleições de onde sairia um presidente mandatado e legitimado para operar todas as alterações tendentes a uma nova estrutura accionista na SAD.

A ideia de que quem mais pode é o dinheiro e que quem tem o ouro é que faz as regras está correcta mas, a aplicar-se à SAD do FC Porto, então quem mais pode é, ainda, o clube.

Falando em poder, há normalmente uma tendência para se confundir duas formas diferentes de poder numa sociedade: a administração e os accionistas. Nas grandes empresas (e na SAD também) raramente estas duas figuras são a mesma entidade e, por isso, surge o chamado “Problema de Agência” (Jensen e Meckling, 1976). Uma relação de agência existe quando uma ou mais pessoas (os principais, neste caso accionistas) delegam poder de decisão em outra pessoa (o agente, neste caso a administração). O principal contrata o agente para realizar uma acção que ele próprio não tem tempo ou capacidade para realizar. Ora sucede que os factores que maximizam a utilidade das partes não são necessariamente os mesmos, o que dá origem a conflitos e provocam custos ou perdas de valor. Estes autores defendem que se deve “abrir a caixa negra (a empresa) e evidenciar a estrutura de relações e os conflitos de interesses ou objectivos individuais que nela se verificam”. Eu acrescento: antes de se proceder a qualquer alteração dos estatutos e/ou modificação da estrutura accionista, há que abrir a “caixa negra” e garantir a separação entre Gestão (propostas e implementação) e Controlo (ratificação e monitorização). A partir daí criar as condições para que: - os administradores venham a agir de acordo com o objectivo de maximização da riqueza dos accionistas; - não haja expropriação dos recursos da empresa pelos administradores.

Se se verificar mais cedo ou mais tarde um aumento de capital ou a modificação da estrutura accionista da SAD com “takeover”, certamente que os novos accionistas irão exercer a sua influência na constituição de um novo conselho de administração. E se é certo que até aqui os investidores confiaram cegamente na equipa liderada por Pinto da Costa, estou seguro que sem a presença do actual presidente poucas probabilidades existirão de se manter um único dos actuais membros no conselho de administração. Quem investe o seu dinheiro quer normalmente alguém de confiança a geri-lo, para que depois não lhe venham “exigir” novos aumentos de capital. No futuro, os “técnicos” e especialistas em futebol não têm necessariamente de ser administradores, antes podem e devem ser funcionários da sociedade, independentemente de quem seja escolhido pelos accionistas para compor a administração. Vejo a necessidade de os especialistas no futebol permanecerem o máximo de tempo possível na SAD, como funcionários, sem estarem sujeitos às normais alterações na composição dos conselhos de administração. Aliás, acredito que as estruturas fortemente organizadas criadas em torno do futebol sejam já “hard skills” da SAD, que não estão dependentes da presença de uma ou de outra pessoa.

A segunda frase também tem a sua razão. Mas lembremo-nos que ao longo dos anos os demais accionistas têm vindo a renovar a sua confiança nas sucessivas administrações lideradas por Pinto da Costa. Eles têm efectivamente prescindido da sua “parcela de controlo” pela confiança que depositam no actual presidente. Mas a questão colocada pelo Mário Faria é pertinente: como tornar então a sociedade atractiva a investidores se o clube detém 40% e os estatutos da sociedade lhe estão “blindados”?

Serão necessários novos investidores?
A administração da SAD terá de saber se a actual estrutura lhe é suficiente ou se realmente precisará de investidores no futuro. Poderá aparecer com o tempo a necessidade de uma estrutura accionista diferente, principalmente no pós-Pinto da Costa. E uma nova arquitectura financeira da sociedade poderá ser a base de uma estratégia para maior criação de valor, isto se houver a necessidade de financiamento externo e se o negócio se revelar incapaz de continuar a gerar os cash-flows necessários à prossecução da actividade. Aguardemos os resultados dos próximos anos.

1 comentário:

José Correia disse...

Accionistas, administração (escolhida pelos accionistas), funcionários (escolhidos e mantidos, ou não, pelas sucessivas administrações) e adeptos (consumidores do “produto” futebol) têm funções e papeis claros (pelo menos teoricamente).
E qual deve ser o papel dos sócios?
Actualmente escolhem indirectamente uma parte (a mais relevante) dos accionistas.
E no futuro? Vão transformar-se em meros adeptos?