terça-feira, 4 de novembro de 2008

Futebol e a crise financeira mundial (II)

A enorme crise financeira abateu-se definitivamente sobre o desporto. Agora, até o desporto mais rico e que mais milhões faz girar à sua volta parece estar a sofrer o impacto da falta de liquidez a nível mundial: a Fórmula 1. Ao que se sabe algumas escuderias lutam com falta de fundos e colocam a hipótese de abandonar a competição. O dinheiro que as grandes empresas têm disponível para patrocinar eventos desportivos é cada vez menor e, normalmente em alturas de crise, o primeiro departamento a sentir os cortes orçamentais é o Marketing e Publicidade.


No que respeita ao futebol, sabemos bem que os clubes estão fortemente endividados, sendo que no Reino Unido o valor da dívida dos clubes ascende a 3,85 biliões de euros. Os receios de que clubes de topo possam falir são fundamentados, o aviso foi feito recentemente pelo Presidente da FA, David Triesman. Bem vistas as coisas só dessa forma (dívida) é que os gestores conseguem, por um lado, avançar para aquisições alavancadas de participações de capital dos clubes e, por outro, competir pela contratação dos seus craques pagos a peso de ouro.


O grande problema vem do facto dessa dívida ter origem no sistema bancário que, actualmente, está a passar por graves dificuldades sendo certo que haverá uma limitação de crédito a conceder bem como a utilização de um critério mais rigoroso na sua atribuição. Mas falemos do caso concreto do FC Porto. No ano passado, o Balanço da SAD evidenciava um total de dívida bancária de 59,3 milhões de euros, sendo 62% de médio e longo prazo e 38% de curto prazo. Este ano o Balanço apresenta um montante de dívida bancária de 79,6 milhões de euros (mais 20 milhões do que no ano passado!) sendo 44% da sua composição dívida de médio e longo prazo e 56% de curto prazo. Ou seja, em apenas um ano, a SAD aumentou o seu endividamento em 34% sendo que a maior fatia desse endividamento é exigível num prazo inferior a um ano.

Após a divulgação das contas relativas ao exercício 2007/08 entende-se o aumento do endividamento. Os Custos com Pessoal dispararam, incluindo os custos com os Órgãos Sociais com aumentos obscenos e até insultuosos para com os sócios e accionistas (principalmente pelo esquema de bónus criado com prémios absurdos em caso de obtenção de 2º ou 3º (!) lugar na Liga), e os Fornecimentos e Serviços Externos também subiram embora em menor percentagem. A juntar a isto, a SAD investiu cerca de 20 milhões de euros em contratações no início da época passada e mais de 25 milhões de euros nesta época em aquisições de novos jogadores.


A primeira consequência da actual crise no sistema financeiro será o abrandamento das transferências milionárias pagas com recurso à dívida e neste caso o FC Porto terá muito a perder porque continua, ano após ano, a assentar a sua estrutura de custos em proveitos obtidos em grande parte em transferências de jogadores por valores bastante elevados.

Como consequência da crise e da falta de liquidez, as instituições financeiras irão também exigir o cumprimento integral dos pagamentos do serviço da dívida e com isso accionarem o recebimento das receitas caucionadas pelos clubes a essa mesma dívida, no caso de incumprimento destes, o que poderá acontecer por uma retracção generalizada da procura e, em consequência, das receitas. O que está a acontecer actualmente ao Estrela da Amadora é um caso semelhante: as receitas de TV e de publicidade estão penhoradas até que o clube honre os seus compromissos para com os credores.


O que os clubes devem fazer é maximizar as receitas e simultaneamente minimizarem os seus custos. Fazer isto e equilibrar as suas contas através de uma gestão mais racional, eliminando gastos supérfluos e contratações desnecessárias, construindo plantéis mais curtos e equilibrados e com a maioria dos jogadores formados nas suas escolas, o que acabará por tornar os clubes de futebol em instituições mais transparentes e mais úteis à economia dos seus países.

Os clubes a nível europeu, e o FC Porto em particular, poderão apesar de tudo ver nesta conjuntura difícil uma oportunidade para mudarem de vida, gastando menos e potenciando a criação de talentos para assim despertarem nos adeptos uma maior identificação com as suas equipas e com os seus jogadores.

12 comentários:

The Turk disse...

"O que os clubes devem fazer é maximizar as receitas e simultaneamente minimizarem os seus custos. Fazer isto e equilibrar as suas contas através de uma gestão mais racional, eliminando gastos supérfluos e contratações desnecessárias, construindo plantéis mais curtos e equilibrados e com a maioria dos jogadores formados nas suas escolas, o que acabará por tornar os clubes de futebol em instituições mais transparentes e mais úteis à economia dos seus países.
Os clubes a nível europeu, e o FC Porto em particular, poderão apesar de tudo ver nesta conjuntura difícil uma oportunidade para mudarem de vida, gastando menos e potenciando a criação de talentos para assim despertarem nos adeptos uma maior identificação com as suas equipas e com os seus jogadores."

A retórica é muito bonita, depois é necessário descer à Terra e apontar exemplos de clubes com "a maioria dos jogadores formados nas suas escolas" e que sejam competitivos desportivamente.

O que houve de mais semelhante em Portugal foi feito pelo Sporting nos últimos anos. Mas a ausência contratações de bom nível para o plantel fez com que não pudessem rivalizar com o Porto na luta pelo campeonato.

Concordo que "maximizar as receitas e simultaneamente minimizarem os seus custos" seja crucial, porém não se pode ter sucesso desportivo sem um investimento considerável na equipa. Para as televisões e patrocinadores, a formação não é relevante, o que interessa é associarem-se a clubes vencedores. Aliás, até convém que o clube tenha jogadores estrangeiros para ter mais projecção internacional e consequentemente mais adeptos fora das nossas fronteiras. Em Portugal quantas vezes falavam do Chelsea antes de Mourinho? Ou do Man Utd antes de Ronaldo? Quando se falou na falência da AIG reconhecemos a marca pelo patrocínio nas camisolas do Man Utd.

Isto claro que não é um cheque em branco à irresponsabilidade nos investimentos no plantel. 16 jogadores de bom nível, mais 6-10 jogadores formados no clube seria muito bom. Mas antes de tudo isso seria necessário um projecto a longo prazo para o futebol, a exemplo do que fizeram o Man Utd com Ferguson e o Arsenal com Wenger. Um modelo de jogo simultaneamente implementado nas camadas jovens e na equipa profissional. Para que não se façam todos os anos 10 contratações para o plantel.

miguel87 disse...

"Mas antes de tudo isso seria necessário um projecto a longo prazo para o futebol, a exemplo do que fizeram o Man Utd com Ferguson e o Arsenal com Wenger."

Concordo com esta ideia e até aceitava que perdessemos, digamos um campeonato em cada 3 ou 4, desde que se vissem efeitos desse projecto. Agora o que se passa actualmente é inaceitavel e incompreensivel! Senão, como se explica que, no mesmo ano em que se apresenta o "projecto 611", poucos meses depois se veja a quantidade de contratações feitas no estrangeiro e o desbaratar de todo e qualquer produto das camadas jovens?? que credibilidade tem um clube/SAD que faz uma coisa destas??

"Um modelo de jogo simultaneamente implementado nas camadas jovens e na equipa profissional. Para que não se façam todos os anos 10 contratações para o plantel."

Já se ouve falar disto ser feito no Porto desde os tempos de Mourinho, e mais recentemente com a entrada de L.Castro para o departamento de formação, mas na realidade não se vêem resultados prácticos.

José Correia disse...

Turk disse: «16 jogadores de bom nível, mais 6-10 jogadores formados no clube seria muito bom. Mas antes de tudo isso seria necessário um projecto a longo prazo para o futebol»

Após Gelsenkirchen, o FC Porto reuniu condições únicas em Portugal para implementar um projecto deste género ou, pelo menos, dar passos firmes neste sentido.

Porque razão não o fez?
Porque razão seguiu num sentido divergente?

PMF disse...

Concordo com a análise. Espera-se, de facto, que surjam oportunidades de "crise"...
É claro que a formação é fundamental e, na história do FCPorto, isso ficou bem demonstrado (Gomes, Jaime Magalhães, V. Baía, J. Costa, F. Couto, Domingos, etc., etc.).

Agora, hoje em dia e com as exigências competitivas, há também políticas alternativas que não passam necessariamente (apenas) pela formação strictu sensu: contratar jogadores novos (bastantes novos), com potencial e acabar a respectiva formação e integração no meio profissional no clube....Por vezes, manter uma escola com 100 ou 200 crianças (sobretudo, se a médio prazo tal não for rentabilizado num ou dois seniores/profissionais) são também um custo de gestão e uma responsabilidade (logística, de funcionários, etc.) elevados

José Correia disse...

Olhando para a estrutura de custos da FCP SAD, verifica-se facilmente que há itens onde é possível cortar, sem que a equipa perca competitividade.

Exemplos?
- 3,5 milhões em salários dos jogadores emprestados;
- N milhões na amortização dos passes de jogadores emprestados;
- Reduzir a estrutura da SAD, cujo custo aumentou significativamente nos últimos anos.

Só nestes três itens, seria possível poupar, pelo menos, 5 milhões de euros por ano.

Se a isto juntarmos o valor gasto em comissões e em prémios completamente despropositados, ficamos com uma ideia do esbanjamento que tem havido na FCP SAD.

Jorge Aragão disse...

Estou na linha do que disse o amigo José Correia.
Há que repensar a politica salarial e de prémios na SAd e sobretudo emagrecer a folha de pagamentos arrumando a casa com urgência ...
Não faz sentido ter n jogadores emprestados, contratar a granel por períodos longos e com altos salários... Isso esta a ser fatal ainda por cima nesta conjuntura.É imperioso pôr cobro a isto.
E reafirmo que é sempre um prazer vir a este Blog com excelentes temas de fundo.

Nuno Nunes disse...

the turk comentou:
"A retórica é muito bonita, depois é necessário descer à Terra e apontar exemplos de clubes com "a maioria dos jogadores formados nas suas escolas" e que sejam competitivos desportivamente.

O que houve de mais semelhante em Portugal foi feito pelo Sporting nos últimos anos. Mas a ausência contratações de bom nível para o plantel fez com que não pudessem rivalizar com o Porto na luta pelo campeonato."
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Não. Não é necessário apontar exemplos de clubes que sejam competitivos e aproveitem a formação. O melhor exemplo é o próprio FC Porto, mas no passado.
Nos anos 80 e 90 fomos competitivos internamente e a nível europeu com alguns craques estrangeiros mas a grande maioria dos jogadores portugueses. Os exemplos são mais que muitos: André, Quim, Lima Pereira, Zé Beto, Inácio, Eduardo Luis, João Pinto, Jaime Magalhães, Jaime Pacheco, Sousa, Futre, Gomes, Rui Barros, Vitor Baía, Domingos, Fernando Couto, Jorge Couto, Folha, Paulinho Santos, Secretário, Jorge Costa, e ainda me devo ter esquecido de alguns.
Depois, em 2004, Mourinho construiu uma equipa quase inteira de portugueses que serviu de base à selecção do Euro-2004. Não eram maioritariamente da formação mas eram tugas e baratos.

O exemplo do Sporting é um exemplo infeliz. É um clube completamente esmagado pelo seu principal financiador, o BES (que inclusive exigiu a presença na Administração de Soares Franco) e que não deixa que os jovens promissores fiquem no clube o tempo suficiente para estes evoluirem ainda em Portugal e projectarem o clube. Temos alguns exemplos clássicos: Ronaldo, Danny e o Nani.

Esse argumento de que se optássemos por apostar mais na formação ficaríamos mais vulneráveis e fraquinhos como o Sporting comigo não pega.

The Turk disse...

Nuno Nunes disse:
"Nos anos 80 e 90 fomos competitivos internamente e a nível europeu com alguns craques estrangeiros mas a grande maioria dos jogadores portugueses."

Não podes comparar com a era pré-Bosman. Não havia um mercado aberto como agora.

"Depois, em 2004, Mourinho construiu uma equipa quase inteira de portugueses que serviu de base à selecção do Euro-2004. Não eram maioritariamente da formação mas eram tugas e baratos."

Essa equipa tinha 3 jogadores da formação e 8 contratados.

"Esse argumento de que se optássemos por apostar mais na formação ficaríamos mais vulneráveis e fraquinhos como o Sporting comigo não pega."

No meu exemplo os jogadores da formação representariam 30-40% do plantel. Para mim é óbvio que a formação não pode responder a todas as necessidades da equipa. No caso do Sporting só vejo formarem bons médios centro e extremos. Por isso têm deficiências nas outras posições. No passado recente o Porto tem um problema similar: só vejo formarem defesas centrais de excelente qualidade e extremos razoáveis. Os restantes nem sequer têm qualidade para serem suplentes.
Posso estar enganado, mas actualmente não conheço nenhum clube a ter sucesso na Europa com a maioria dos jogadores saídos da formação.

Nuno Nunes disse...

"Não podes comparar com a era pré-Bosman. Não havia um mercado aberto como agora."

Ao escrever este texto estou a partir do pressuposto que os recentes acontecimentos vão levar a alterações profundas na organização do futebol europeu, incluindo uma diminuição drástica nos valores das transferências de jogadores. A própria UEFA já garantiu que vai tentar impor um tecto salarial.

"Essa equipa tinha 3 jogadores da formação e 8 contratados."

Na minha resposta tinha escrito que "não eram maioritariamente da formação mas eram tugas e baratos". Acho que se entende bem o sentido.

The Turk disse...

Nuno Nunes disse:
«Na minha resposta tinha escrito que "não eram maioritariamente da formação mas eram tugas e baratos". Acho que se entende bem o sentido.»

Do ponto de vista económico há uma grande diferença entre sairem da formação e virem de clubes portugueses. Por exemplo, o passe de Deco custou 8M€ e o do P. Ferreira 2M€.
Tivemos a sorte de P. Emanuel, Costinha e Maniche terem vindo a custo zero por estarem em fim de contrato. Situações dessas são muito excepcionais no futebol actual.

Fernando disse...

Gostava, sff, que meditassem nisto:

Como é possível: Vieira, digam o que disserem, foi ao balneário.
ISSO É TENTATIVA DE CORRUPÇÃO. Ela ia lá pedir desculpa, dizem, quem o garante? Não seria pedir para o árbitro ser benevolente no relatório sobre a gressão ao assistente? E só leva 45 dias?

E Pinto da Costa, usando um diereito universal em regimes democrático, a liberdade de expressão leva 4 meses e multa?

Mas o que é isto? Rua com o CD da Liga!

Eugeniu Dodonu disse...

ola amigos, excelente blog, parabens, desejo sorte as vossas equipas

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