quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Dicionário do Sistema - Calabote

Calabote, Inocêncio – Faltava uma jornada para o fim do campeonato de 1958/59 e o FC Porto e o Benfica seguiam empatados na liderança do campeonato. Tendo empatado os dois jogos entre si, a diferença global de golos era decisiva e, nesse item, o FC Porto tinha uma vantagem de 4 golos. Tudo se ia decidir a 22 de Março de 1959, com o FC Porto a deslocar-se a casa do último classificado (o Torreense) e o Benfica a receber na Luz uma equipa do meio da tabela (a CUF).

Durante a semana que antecedeu o jogo, o Torreense transformou-se numa espécie de Benfica B, com os treinos a serem orientados por elementos dos encarnados, tendo-se chegado ao cúmulo de, durante o jogo, um treinador do Benfica – o argentino Valdivieso – se ter sentado no banco do Torreense. A muito custo o FC Porto venceu por 3-0, com os dois últimos golos a serem marcados nos minutos finais da partida.

No entanto, como nesse tempo não havia “sistema” mas valia tudo, os portistas tiveram de esperar quase quinze minutos após o fim do jogo para poderem festejar.
E porquê?
Em primeiro lugar, e apesar dos regulamentos dizerem que os jogos tinham de começar à mesma hora, o do Benfica começou com sete minutos de atraso; depois, porque na Luz se destacaram dois “artistas”: o guarda-redes da CUF – um tal de Gama (que nome tão apropriado!) – que, de tão “infeliz” nesse jogo, teve de ser substituído a pedido dos próprios colegas e, principalmente, o árbitro alentejano Inocêncio Calabote que, entre outras decisões incríveis, marcou três (!) penalties a favor do Benfica e prolongou o jogo por mais oito minutos. O Benfica ganhou por 7-1, mas não chegou (faltou mais um golo).

Manuel de Oliveira, que viria a ser um dos mais cotados treinadores portugueses, era na altura jogador da CUF. Em declarações ao jornal RECORD de 23/01/2006, não teve dúvidas em afirmar: “Estava tudo feito. Foram assinaladas três grandes penalidades contra nós e nenhuma delas existiu. (...) O jogo foi preparado muito antes (...) Para começar, o Benfica promoveu um atraso de 7 minutos para o recomeço do jogo e depois confirmou-se o momento mau pelo qual passava o nosso guarda-redes, Gama, que foi muito pressionado durante a semana por elementos ligados ao adversário. E a verdade é que ele não foi feliz. (...) O jogo obedeceu a um arranjo e, quanto a isso, não tenho a menor dúvida”.

Perante tamanho escândalo que, ao contrário do que era habitual, não foi possível abafar (graças à força política da família Mello, donos da CUF), o “inocente” Calabote foi irradiado em 11 de Outubro de 1959.
No entanto, até hoje perdura uma questão: se o árbitro foi irradiado por, supostamente, ter sido subornado, porque razão nada aconteceu a quem o subornou?

8 comentários:

Anónimo disse...

Não foi Alfredo da Silva, falecido em 1942, mas sim o seu neto Jorge de Mello, o director da CUF que se insurgiu contra a arbitragem. Creio também que foi ele próprio que exigiu a substituição do guarda-redes António Gama (o qual, como treinador, foi responsável pela última subida do Boavista à 1ª divisão em 1968/69), tendo para tal ordenado que ele se fingisse lesionado (só o guarda-rdes podia, à época, ser subsituído, e mesmo esse só por lesão). Parabéns pelo magnífico post. Não pode deixar-se morrer ou reescrever a História.

Unknown disse...

A última questão é mesmo para responder? Não me digas que ainda não sabes a resposta. ;-)

José Correia disse...

Caro v.r.,

Muito obrigado pelo simpático comentário e, principalmente, pela correcção que aponta relativamente a Alfredo Silva (que já efectuei). No que diz respeito à substituição do guarda-redes da CUF, baseio-me nas declarações do seu companheiro de equipa, Manuel de Oliveira (será uma das futuras entradas deste dicionário).

Volte sempre.

camapaco disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Unknown disse...

Este é sem dúvida uma das páginas mais negras do futebol português que tantos benfiquistas evitam comentar, como por exemplo o António Pedro Vasconcelos.

Tanto quanto sei, o Calabote só foi irradiado por não ter escrito no relatório do jogo, que deu 8 minutos de descontos. Esta foi a explicação oficial e não o facto de ter sido subornado (que apesar de não ser oficial, é manifesto)

Diana Santos disse...

Boa noite,
O meu avô foi jogador e capitão de equipa da CUF (Orlando) e na altura de um dos penaltis viu o Águas fazer sinal ao Gama para onde iria rematar a bola... Ele fez sinal ao Gama para se deitar no chão e pedir substituição por lesão. Devo dizer que o Águas, anos depois, sempre que reencontrava o meu avô lhe dizia que ele lhe havia roubado o campeonato...

José Correia disse...

Cara Diana Santos, muito obrigado pelo seu testemunho.
Já agora, pode enviar-nos o nome completo do seu avô?

Diana Santos disse...

O nome completo do meu avô era Orlando Simões dos Santos. Ele faleceu em 1996, vitima de doença prolongada.