terça-feira, 25 de março de 2008
Campo da Constituição: o passado e o futuro
O campo da Constituição está muito ligado à minha meninice. Sempre vivi junto da sua área de influência. Foi lá que comecei a ver futebol a sério, foi lá que passei muitas tardes a jogar futebol, quando o guarda do campo era “amigo".
Dos jogos que vi, não guardo na memória coisas muito boas. Aliás, nessa altura o FCP não tinha grande equipa. Costumava dizer-se que a selecção nacional era o Sporting, Benfica & Araújo, o único convocado regularmente do FCP, interior direito, excelente jogador e fazedor de golos, apesar de muito franzino. Um dos jogos que recordo, precisamente porque o Araújo era muito valioso e os adversários não o poupavam, foi um FCP-Covilhã, em que um tal de Toninho, com cor de cenoura, ex-Salgueiros, lhe deu tanta pancada que acabou por o aleijar com gravidade. Não havia substituições (o crime compensava), houve alguma teimosia em tentar recuperá-lo, o que não foi conseguido e, pior, agravou a lesão, pois ficou demasiado tempo em campo. Ficou sem jogar largos meses. Nunca mais esqueci o jogo, o Araújo e o Toninho.
Lembro, também, um FCP/SLB que perdemos e que o último golo, o da vitória, for marcado por Rogério (do SLB). Um bruaá constante da enorme bancada de madeira, subia sem parar por motivos que desconhecia. Tremi de medo, quase tanto como a estrutura de madeira que a suportava. Agarrei-me à minha mãe até ao fim do jogo e foi assim que abandonei o campo. O meu pai ficou tão chateado que só o ouvi falar no dia seguinte. Nesse dia, não houve direito a ouvir rádio até às 22H. Foi tudo cedo para a cama. Deixei de acompanhar os meus pais nos jogos mais complicados.
Já lá vão largos anos, quando a FPF organizou um campeonato nacional de reservas que o FCP perdeu a favor do SCP. No jogo decisivo, o FCP recebeu o SCP que trouxe na equipa o famoso Mokuna , o fura redes. O campo da Constituição registou uma enorme enchente, e perdemos por 2-0, com um golo do célebre violador de redes: um remate de muito longe, fraco, rasteiro que o nosso guarda-redes deixou passar por baixo do corpo. Mokuna, mesmo sendo de um clube adversário, alimentou largamente a nossa imaginação de miúdos, que foi duplamente traída: era tosco e nunca furou qualquer rede em Portugal.
Depois, foi proibição: a bancada não tinha condições, prometia ruir a qualquer momento e passámos a jogar no Estádio do Lima. Mas, era uma alegria quando a equipa principal treinava no Campo da Constituição, sempre que se deslocava a um adversário que jogava em campo pelado. Durante a semana que precedia esses jogos, os treinos efectuavam-se lá e nunca perdia aquelas oportunidades para acompanhar de perto os movimentos da equipa.
Antes do célebre jogo com o Torriense, na época de 1958/59 com Bella Guttmann, recordo o treino de 5ª. Feira (de conjunto). O Mister, vestido à “civil” de sobretudo e chapéu, seguiu o treino junto da linha lateral. Foi um treino curto e intenso, com algumas paragens e outras tantas chamadas de atenção. A hora era de treino: treinava-se mesmo. Cortava qualquer tentativa de “brincadeira” de forma serena e impunha-se com grande sobriedade. Fiquei muito impressionado com a forma como Guttmann trabalhava e fazia trabalhar. Uns dias depois, fomos campeões. A alegria não durou muito, Bella seguiu para o SLB e com ele levou o José Augusto, que tinha (tudo) acertado para vir para o FCP. Perdemo-nos sempre nos finalmentes, o que durou até à era JMP/PdC.
A Constituição passou a servir para as camadas jovens no futebol, o andebol de onze e o hóquei em campo. O ringue, entretanto, servia as modalidades amadoras: basquete, voleibol , mais tarde andebol de sete e hóquei patins, que foi a última modalidade a fazer parte da nossa carteira desportiva.
Porto/Salgueiros em andebol, Porto/Vasco da Gama em Basquete, Porto/Leixões e Sporting Espinho em Voleibol e Porto/Ramaldense em Hóquei em Campo, eram promessas de muita rivalidade, muita emoção e casa cheia. No Hóquei em Patins acompanhei a nossa carreira na 2ª. Divisão. Subimos, logo na primeira época em que concorremos, mas estivemos, ainda algum tempo, bastante atrás do Académico e do Infante Sagres.
Nas noites de hóquei em patins, fiquei a “conhecer”, pela assiduidade com que assistiam aos jogos, um casal e o filho que sempre os acompanhava e que, invariavelmente, aproveitava o intervalo para com os patins calçados: patinar e treinar a sua destreza no domínio da bola com o stick. Foram muitas noites, sempre com o mesmo “programa”. Esse miúdo, moço, homem, foi um dos melhores jogadores do FCP, de sempre. Refiro-me a Cristiano Pereira. Aproveito este exemplo, na pessoa de um jogador que acompanhei, desde o início da carreira, para homenagear todos os atletas do nosso clube nas modalidades ditas amadoras, que a partir do velhinho Campo da Constituição, se formaram, se fizeram atletas e souberam elevar bem alto o nome do FCP, com a sua entrega, engenho, persistência e muito amor ao clube do coração.
É, pois, com grande satisfação que vejo o campo da Constituição ser modernizado para melhor servir a juventude. Visa ser escola e formar atletas dos grupos etários mais baixos (Dragon Force) e faz parte do projecto Visão 611 que tem como propósito, segundo o RC de 2006/7: “…fazer do FCP o melhor clube na formação em Portugal, assumindo o sector como a sua principal fonte de talento. Este projecto (Visão 611), organizou de forma transversal toda a estrutura do futebol do FCP e criou condições para reforçar a aposta do clube na formação e na detecção de talentos capazes de evoluir no clube e potenciar o seu impacto e posterior transferência para mercados mais competitivos e financeiramente mais pujantes…”
Formar atletas, sem queimar etapas: eis a questão. O projecto parece válido e os equipamentos estarão à medida da ambição do plano. Falta saber se os recursos humanos vão cumprir, pois são eles que farão toda a diferença. Espera-se que os dirigentes saibam liderar, os treinadores formar, os atletas jogar (e competir) e os pais saibam acompanhar a carreira dos filhos. Espera-se que os benefícios materiais, tendo de prevalecer, não entupam o projecto com um surto indesejável de emigração e imigração, transformando os atletas em matéria prima comum, sempre negociável, com qualquer idade e segundo o melhor preço. Gostaria que fosse um pouco mais do que isso, para não acabar de vez com relação de afecto (amor à camisola) que o atleta deve estabelecer com o clube.
Nota: Em meados de 50 o FCP organizou um espectáculo único, na altura. Montou-se uma tenda gigante e tivemos o privilégio de ter no Campo da Constituição do Football Club do Porto o espectáculo, em digressão pela Europa, do Holliday on Ice. Foi uma coisa única. Nunca se viu nada assim: pais e filhos estavam de acordo, foi a o espectáculo mais belo que algum dia tinham vivido.
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3 comentários:
Nunca vi nenhum jogo de seniores na Constituição, apenas de camadas jovens. Agradeço este seu interessantíssimo testemunho.
Desde que nasci e até sair de casa dos meus pais (há coisa de uns 12 anos), a primeira coisa que via quando abria a janela do meu quarto era o campo da Constituição. Vivia num prédio mesmo em frente, num 3º andar com vista privilegiada para os jogos das camadas jovens, de hóquei em campo, dos antigos jogos de reservas às 4as feiras de tarde e até de alguns torneios de boxe que se chegaram a fazer por lá. Quando não havia jogos nem treinos, muitas e muitas tardes eu passei a jogar futebol naquele ringue... É um sítio que me diz muitíssimo, que contribuiu enormemente para que o bichinho do FCP me mordesse desde criança e nunca mais me largasse. Ainda não prestei a devida atenção ao projecto, mas confesso que só de olhar pela mesma janela e ver as obras a decorrer já sinto uma nostalgia grande pelo campo "velhinho"...
Um abraço
Vejo que estamos quase entre vizinhos e com algo comum, a Constituição. Morei 22 anos entre Faria Guimarães e Camões. Os sabados e domingos era passados ou a vêr jogos ou a jogar no "pelado". Quando apareciam uns amigos, iamos jogar até ao rink. Naqueles tempos sem PSP ou nintendos, lá encontravamos sempre forma de nos divertir, uma bola, 5 de cada lado e a cada golo, posso garantir, era o Futre, o Madjer e o Gomes que os marcavam, não eramos nós. Quase temi o desaparecimento deste campo,ainda não vi a transfromação, mas pela bela foto... Melhores salutações a estes "vizinhos" e a todos os tripeiros e portistas.
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