«(...) A ausência dessa entidade política [instâncias regionais] deu nisto: o Estado não conhece a sua própria rede de serviços, nem sabe o que foi encerrando nos últimos anos. O que encerrou, em parcos sete anos, foi só isto: 3481 escolas, 700 extensões de saúde, 9 maternidades e 16 urgências. Os distritos interiores das regiões Norte e Centro foram os mais penalizados por este pernicioso efeito da macrocefalia que decide fechar serviços sem discutir a sua relevância com a mesma pressa com que aprova a construção de mamarrachos para satisfazer egos e evitar querelas autárquicas.
Sobre o tema já fizeram discussões muitas e já produziram documentos bastantes. Nenhum deles tem a capacidade de, em escassos dois minutos e 45 segundos, sintetizar o que está em causa. Segue-se um resumo, em tradução livre, de uma cena do inefável "Sim, senhor ministro" (série da BBC, 1980-84).
Bernard Wooley (BW), secretário particular do ministro, fala com Humphrey Aplleby (HA), secretário do ministro.
BW - Acho que está na altura de pensar nos governos locais...
HA - Acha mesmo? Uma vez criadas genuínas e democráticas comunidades locais, isso não parará!...
BW - Como assim?
HA - Claro que não parará! Uma vez estabelecidas, insistirão em ter mais poder. E os políticos não as conseguirão parar. Por isso, teríamos governos regionais.
BW - E isso é um problema?
HA - O que acontece se, havendo umas terras abandonadas, por exemplo em Nottingham, nos chega alguma proposta para a criação de um hospital ou de um aeroporto?
BW - Montamos um comité interdepartamental: departamento da saúde, da educação, dos transportes, das finanças... Pedimos papéis, marcamos reuniões, discutimos, revemos tudo uma e outra vez...
HA - Precisamente: meses de trabalho frutífero que nos levam a uma conclusão madura. Se tivermos governos regionais, eles decidem tudo em Nottingham, provavelmente num par de reuniões. Completamente amadores!...
BW - É a cidade deles...
HA - E o que nos acontece a nós?
BW - Teremos menos trabalho!
HA - Muito menos trabalho (...) e muito menos poder! Se as pessoas corretas não têm poder, sabe o que acontece? As pessoas erradas passam a tê-lo... Políticos, conselheiros, eleitores normais...
BW - E não é suposto ser assim?
HA - Esta é a democracia britânica! E a democracia britânica reconhece que é necessário um sistema para tratar das coisas importantes da vida e não as deixar nas mãos dos bárbaros. Coisas como a ópera, a lei, as universidades... Nós somos esse sistema!
(...)»
Paulo Ferreira
JN, 18/07/2012
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700 extensões de saúde, 9 maternidades e 16 urgências em apenas sete anos!
Para quem não sabe, só na cidade de Lisboa, sem contar com os concelhos limítrofes, há nove hospitais do Estado:
- Hospital de Santa Maria
- Hospital de S. José
- Hospital D. Estefânia
- Hospital Egas Moniz
- Hospital dos Capuchos
- Hospital de Santa Marta
- Hospital S. Francisco Xavier
- Hospital Curry Cabral
- Hospital Pulido Valente
E quando se fala, não em fechar, mas em deslocalizar os serviços e profissionais da Maternidade Alfredo da Costa para um destes hospitais, vejam a guerra que isso deu e o eco que teve na comunicação social, também ela, na sua esmagadora maioria, ao serviço do centralismo do qual se alimenta.
Foi neste triste país que, há 36 anos atrás, dois homens ergueram a sua voz contra a macrocefalia de Lisboa: José Maria Pedroto e Jorge Nuno Pinto da Costa.
Juntos revolucionaram a cultura e mentalidade que tolhia o FC Porto, o qual, a partir daí, se assumiu num baluarte na luta contra os "direitos adquiridos" dos clubes da capital.
Aquele que era um simpático clube regional passou a ser o alvo da comunicação social lisboeta e, por via disso, rapidamente se transformou no clube mais difamado e odiado de Portugal.
Mas, largos dias têm 100 anos e, por mais batalhas que se percam, a guerra por um país mais equitativo, mais social e geograficamente equilibrado e mais justo acabará por ser vencida.
É também por isso que eu sou do Futebol Clube do Porto.