Pinto da Costa e a equipa de futebol do FC Porto estão em sintonia. Como nos velhos tempos, mas em negativo. Se na segunda-feira os jogadores e staff técnico foram protagonistas de uma derrota que envergonhou a história do clube (o próprio Presidente o afirmou), ontem foi a vez de Pinto da Costa voltar a demonstrar que é uma alma penada sem uma pinga do brio, da garra e da sagacidade para liderar este clube que ele ajudou, e muito, a fazer grande. A entrevista ao Porto Canal, como se esperava, não foi morna. Foi fria como uma manhã da Invicta cheia de nuvens e neblina e com apenas uma mensagem clara, a da incapacidade de Pinto da Costa de fazer auto-crítica e explicar, tirando os chavões da praxe, ao que vem para os próximos quatro anos. O homem que destroçou Portugal com o seu discurso, herdeiro de Pedroto, desapareceu. A sombra que surgiu ontem deu vergonha alheia aos que ainda têm memória e não se deixam levar pelo mito da personagem. Pinto da Costa quer ser o El Cid do FC Porto, ganhar batalhas depois de morto. Alguns, seguramente, ainda verão nele o guerreiro que foi mas a prática demonstra o contrário. Tal como o seu discurso ontem.
Não houve perguntas incómodas. Não pode haver. Quando o entrevistado é, ao mesmo tempo, o "patrão" - indirectamente Pinto da Costa é o "dono" do PortoCanal - só podemos esperar perguntas frouxas, débeis e ás vezes sem qualquer tipo de sentido como apontar aos críticos na bluegosfera uma insatisfação com o contrato da MEO que ninguém entendeu. Se calhar a pergunta estava mal preparada ou a resposta não dava para mais. Quando PdC tinha de ir medir-se aos meios da capital, que sabia rivais, sacava o melhor de si mesmo e era um gozo vê-lo atacar e desmontar o sistema com um discurso fluído, lógico e ganhador. Hoje, a falar como Marcelo Caetano, na comodidade do lar, tudo soa a falso, tudo soa a mofo.
A estratégia era previsível. Pequena moralmente e previsível.
Pinto da Costa sabe que tem de agradar aos fiéis e descarregou outra vez em Lopetegui todos os males da Humanidade. Ou tem fraca memória ou bipolaridade porque o homem que hoje é a encarnação da Besta do Apocalipse era alvo dos mais rasgados elogios há um ano, quando enchia o peito para falar com a imprensa espanhola sobre o "inovador", "profissional", "competente" Lopetegui. Quando elogiava as escolhas do treinador e como a sua capacidade de trabalho tinha permitido sacar um negócio tão rentável como o de Casemiro não ouvi em nenhum lado frases do estilo "eu nem os conhecia". Pinto da Costa é um homem do futebol, um homem que sabe e sempre soube muito de futebol. Se não conhecia os jogadores contratados sob o seu mandato, como Presidente, é grave e está a dar justificação aos que acreditam que já não está com a cabeça no clube e capacitado para os liderar. Mas reclamar que nem sabia quem eram é levar a coisa a outro nível, particularmente porque a esmagadora maioria jogou ao serviço de Lopetegui e, se escolheu o treinador, deve ter visto alguns jogos seus antes para conhecer o seu modelo de jogo. Ou talvez não.
O certo é que agora o problema não é o Ferrari, agora o problema é Campaña - um flop, sempre o disse - num plantel de 25 jogadores dos quais o clube valorizou importantes activos (Danilo, Alex Sandro, Casemiro...) e que foi montado à revelia do presidente para satisfazer o treinador. Das duas uma, ou Pinto da Costa perdeu as faculdades e decidiu, num arreigo de insanidade, abandonar a parcela desportiva à sua sorte e agora sente-se traído ou o caminho do engano voltou, como em Janeiro, a ser a opção mais fácil para agradar à nação portista. Já agora, depois de se ter confirmado que Adrian estava contratado
ANTES de ter chegado o treinador - um ano, mais precisamente - continuar com essa lenga lenga é tomar os adeptos do FC Porto por parvos. Mas isso também já não é novidade.
Ficamos igualmente a saber que o Presidente sentiu vergonha como sócio do jogo do Tondela.
Não foi o primeiro nem o pior jogo do FC Porto dos últimos três anos mas é bom saber que o homem parcialmente responsável por esse jogo se sente envergonhado de si mesmo. Ainda que, naturalmente, não o assuma. O que parece mais estranho é exigir agora, a semanas de ir a votos, aquilo que podia ter exigido há um ano e meio quando apoiou seguir o caminho da política de empréstimos. Ou há dois e meio quando tentou pescar em distintos portos jogadores com pouca experiência de exigência. Ou há três e meio quando, directamente, não quis sequer investir num plantel campeão nacional. Exigir agora jogadores com carácter e da casa é fácil, barato e dará votos. Mas como homem detentor do poder, essa decisão não é mais que o resultado das decisões erradas dos últimos anos. Não de um ano que correu mal. De vários. Na altura a luz não abençoou Pinto da Costa com a necessidade de ter jogadores com carácter e que não vejam o FC Porto como clube ponte? É uma pena.
O regresso - já anunciado - de Rafa, de Otávio (culpa de Lopetegui, naturalmente) e de Josué seguem a mensagem anterior e no caso dos dois primeiros são uma boa notícia. Mas fazer tanto finca pé num jogador absolutamente mediano (Sérgio Oliveira e André André já cá estão e fazem melhor figura) é realmente o nível de compromisso e exigência que se quer para os próximos quatro anos? A sério? Fico admirado com a bandeira branca que afirmações deste estilo desfraldam. A ideia da pré-época começar em Abril pode ser racional mas é um insulto ao portismo, um insulto vil. O FC Porto, aquele que admiramos, luta até ao último dia de cada ano, não começa a preparar o seguinte com antecipação ainda que o faça, indirectamente. No discurso populista de mostrar-se como pai zangado com os jogadores, Pinto da Costa vendeu o balneário e o treinador, deixando-os expostos aos adeptos nos próximos jogos nesses castings públicos onde quem for mais assobiado terá menores probabilidades de ficar. Não é assim que se gere um clube profissional mas pode ser assim que se evitam alguns votos nulos. Afinal era para isso que servia uma entrevista onde se falou quase tanto tempo da selecção de futebol - que interessa, realmente, muito ao FC Porto e aos portistas - como da total ineficácia no combate ao #Colinho ou aos poderes instituídos na arbitragem, na Liga e na Federação de Futebol. Onde antes o FC Porto de Pinto da Costa se distinguiu no discurso e nos actos hoje esse mesmo decadente FC Porto de um decadente Pinto da Costa não rosna, mia...e mia fininho.
Pinto da Costa, que não garante a continuidade de treinador e jogadores, que tentou fazer de um acto vil e que deve ser denunciado de meia dúzia de imbecis às portas de sua casa (quem estiver em desacordo que debata abertamente ou vote nulo, não se atacam residências na covardia da noite) um acto de "terrorismo", com a conotação mais triste que a palavra possa ter, e que ainda teve tempo de mandar bocas aos blogues (ao ter falado em anónimos imagino que ainda lhe doam os posts publicados pelo
Tribunal do Dragão...porque a maioria dos espaços da Bluegosfera são escritos por pessoas com nome e apelido) disse mais do que uma vez que como sócio que é - e ninguém duvidará do seu portismo - que sentia vergonha da situação e que se candidatava contra a situação actual do clube.
Senhoras e senhores, Pinto da Costa candidata-se contra ele próprio e contestando o seu próprio trabalho. Só ficamos na dúvida se essa contestação contra o estado das coisas é também uma contestação contra os negócios (falou-se no caso de Rúben Neves por alto mas nunca sem mencionar a pequena fortuna que José Caldeira saca do jogador), contra os empresários (o nome do filho e das empresas associadas desapareceu por magia do discurso que se focou em Jorge Mendes), contra o facto de ter familiares directos e de outros membros da SAD a trabalhar nos quadros do clube, se é uma contestação contra o despovoamento de referências no balneário propiciada pela sua gestão, se é uma contestação contra as sucessivas escolhas erradas da sua pessoa dos últimos treinadores desde a não renovação de um bicampeão nacional ou se é uma contestação vazia, oca como o seu discurso.
Perguntas que nunca poderiam ter sido feitas, claro está. Não é preciso ir muito longe para perceber que o tempo de antena tem de ter uma mensagem apenas, a de que o futuro do clube será construído por aqueles que estão contra o presente do clube e que, com as suas decisões do passado provocaram o estado das coisas actuais. Pinto da Costa leu Orwell, seguramente, mas não sabe quem é Campaña. Talvez não saiba também para onde vai, como o seu poema favorito, mas devia saber de onde vem e o que deixa para trás. E que depois de três décadas e meia já não pode dizer, como tanto gostava, "sei que não vou por aí". Porque foi, e essa viagem já não tem bilhete de regresso.