Chega de saudade
A realidade é que sem ela não há paz
Não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai
Chega. Ponto final. Acabemos com isto de uma vez.
Chega de queixas, chega de nostalgia, chega de "ses" e mais "ses".
Chega de pensar que o passado é sempre melhor que qualquer futuro. Que tudo o que foi feito justifica tudo o que se faz ou vai fazer. Chega de pensar que a saudade controla a vida e que aqueles que no passado foram algo estão destinados a sê-lo para sempre. Porque se continuamos assim, meus caros, é muito simples. O FC Porto, tal como o conhecemos, desaparecerá. Tão simples como isso. E porquê?
Porque, precisamente, o FC Porto histórico foi construído contra essa nostalgia, essa saudade e essa resignação ao passado, ás inevitabilidades, ás guerras internas por dá cá aquela palha. Se estamos na situação em que estamos é precisamente porque nos desviamos do caminho. Todos e cada um de nós fomos tomando parte da progressiva "benfiquização" do FC Porto a tal ponto que hoje quem se comporta como o FC Porto sempre se devia ter comportado - com o plus de controlar uma série de variáveis que, pela sua condição natural, o FC Porto nunca controlou - é o Benfica. Inversão de papéis triste mas expectável. Porque quem dirige o Benfica (e, em menor medida, o mesmo passa no Sporting) é um aluno do modelo Porto, um modelo que estudou a fundo no seu estágio curricular em Alverca e que soube aplicar com manhã. E porque quem dirige o Porto esqueceu-se de que não se pode dar nunca nada por garantido e que o "aburguesamento" da gestão, essa política de que até um macaco é campeão no banco, em que o importante são os negócios e impressionar os jornais estrangeiros com vendas milionárias estava a condenar ao FC Porto a armar-se naquilo que não se pode dar ao luxo de ser, um "Benfiquinha" pretensioso mas sem substância. E depois de três anos chega de uma maldita vez esta espiral de auto-engano. Chega.
Começa a ser fundamental que tanto adeptos e sócios como dirigentes portistas entendam que nem antes éramos tão bons nem agora somos tão maus. Ninguém passa do oito ao oitenta na vida sem que existam motivos por detrás que o explicam. Pinto da Costa não foi um "Deus omnisciente e omnipotente" quando ganhava nem é um analfabeto futebolistico agora que perde. A diferença não está no know how mas sim no trabalho. Ninguém duvida que até há uns bons anos atrás o presidente comia, bebia, dormia e sonhava FC Porto e que essa dedicação e trabalho se plasmava no clube, nos resultados e na forma de gerir a instituição, motivos pelos quais nunca quis ter um director desportivo forte, nem sucessores ungidos nem treinadores mais mediáticos que ele. Enganou-se mais vezes do que gostamos de nos lembrar. Aproveitou - aliás, ajudou a criar mais do que se aproveitou - o caos organizativo num Benfica e Sporting que não estavam preparados para essa metodologia de trabalho á Porto (e que demoraram duas décadas a entender o caminho a seguir) e teve estrelinha com alguns treinadores e jogadores em momentos chave. Mereceu cada título ganho porque trabalhou para cada um deles ao máximo. Agora merece cada uma das derrotas e humilhações acumuladas porque é precisamente o seu desleixo que tem levado o barco ao fundo. Quando se cria um modelo de gestão tão pessoal é fácil entender que só funciona se a implicação for sempre a mesma do protagonista. Quando se começam a delegar coisas em filhos, ungidos e empresários a coisa está condenada a descambar porque nenhum deles come, dorme, bebe e sonha FC Porto. Alguns nem portistas são, querem saber de muitas coisas e o sucesso desportivo do FC Porto não é necessariamente sequer uma prioridade.
Portanto é óbvio entender que depois de três anos de desleixo absoluto (um desleixo que, a ser honestos, vinha de trás mas que foi tapado por Kelvins, Hulks, VPs e AVBs) e um novo mandato sufragado nas urnas, estejemos perante um momento chave: quatro anos mais de desleixo ou quatro anos de ética de trabalho á Porto?
Pinto da Costa não é diferente dos comuns mortais e a idade pesa mas se quis ser reeleito que assuma a exigência física e mental que ser presidente do FC Porto pede e que se comporte em correspondência ou abra o caminho a quem possa. Se quiser agarrar o desafio não tem de encontrar uma fórmula mágica para voltar a vencer. Afinal de contas, em três anos de vazio, quem triunfou em Portugal e a partir de que ideia? Foi por acaso o FC Porto superado por uma espécie de Barça futebolisticamente invencível, com jogadores e treinadores muito superiores e um modelo de jogo impossível de superar? É o reflexo da nossa seca de títulos uma inferioridade futebolística? Não.
O Benfica de Jesus e de Rui Vitória é uma equipa certinha, tacticamente competente, que arrisca pouco, sabe em que campeonato compete e que sabe da importância de ter X jogadores que decidam jogos, atrás e á frente. O reflexo da sua inoperância competitiva nos palcos europeus, a falta da célebre "nota artística" e a ausência de capacidade de atrair jogadores de perfil alto deixa claro que o atraso que existe é perfeitamente resolvido com uma ética de trabalho á Porto implicada a 100% com o clube. Nem Jesus - por muito que o pense - nem Vitória são treinadores superiores que não existam nomes que o FC Porto possa contratar que os superem. O problema foi que depois da saída injusta de Vitor Pereira (que manteve Jesus sempre atrás sem ser uma super-star) o Porto quis contratar três treinadores que sim, eram piores que esses dois e que tacticamente nada trouxeram de positivo ao clube. Não um. Não dois. Mas três. É dose. Sendo Jesus e Vitória treinadores medianos, só se pode exigir a quem dirige o clube que procure alguém tão bom ou melhor. A oferta é amplia mas o bilhete não é grátis. Que os tragam, sim, mas que os tratem como foram tratados Jesus e Vitória nos seus momentos difíceis, com apoio institucional, confiança e respeito. Algo que há anos nenhum treinador do FCP recebe.
Quanto aos jogadores, a situação é idêntica. O grosso do onze do Benfica saiu da sua formação, jogadores da sua equipa B, ou contratados por tuta e meia ao mercado português. Gaitán só vai sair agora, ninguém viu Rui Costa a dar entrevistas sobre "ciclos de três anos". Chegou ao mesmo tempo que Vilas-Boas. Se tivesse chegado ao FCP já tinha saído há muito tempo. Jonas chegou grátis e sem comissão a pagar. Decidiu duas ligas. Nunca teria sido contratado. Slimani andava escondido no radar de meio mundo, Ghilas é que era o "homem". João Mario, Adrien, Renato Sanches, Gonçalo Guedes, Lindelof, Ederson, Gelson, são tudo produtos da formação. Quanto foi preciso para dar oportunidades a André Silva? Onde andam Rafa, Gonçalo e onde andarão Francisco Ramos, Victor Garcia, Verdasca e afins?
Não há uma formula mágica, apenas recuperar a mesma ideia que nos fez grande. Uma ideia que está tão actual que os presidentes que querem imitar Pinto da Costa em tudo decidiram colocá-la em prática e tiveram resultados positivos nessa abordagem. Menos vendas milionárias? Menos entrevistas ao El Pais? Sim, mas os seus clubes agradecem.
Não é assim tão dificil deixar de parte esse negócio cinzento por uns meses para ajudar o clube a voltar aos eixos, quero pensar. Mas é preciso ter essa ética portista que desapareceu.
Ao FC Porto restam-lhe apenas dois caminhos. O que está a percorrer que significará pura e simplesmente a dilapidação de trinta anos de história, a venda de jogadores que são fundamentais desportivamente e emocionalmente para ir buscar mais futebolistas comissionados, beneficiando-se dos milhões que vão entrar agora via contratos TV para viver as últimas horas de uma festa que se prolonga á anos...ou voltar a ser, pura e simplesmente, FC Porto. E ser Porto é tudo menos um chavão, é tudo aquilo que os nossos rivais querem e estão a tentar ser - com êxito - e que nada nos impede que voltemos a ser sempre e quando haja a vontade para isso mesmo. Vontade de lutar pelo clube nas batalhas fora de campo (onde o desleixo foi, quiçá, maior) e recuperar dentro dele uma ideia de clube que não só funcionou durante trinta anos como continua a funcionar, mas a sul, com os inevitáveis ajustes aos dias de hoje. Não parece ser uma escolha difícil. Chega de saudade e chega de pensar apenas no passado e no que trouxe. Há muito para ganhar, haverá muito Porto pos-PdC, pos cada um de nós. O importante é não ter de voltar a começar do zero. O importante é deixar de ter saudades do que se ganhou e trabalhar para o que falta ganhar!