Texto de Miguel Lourenço Pereira
Ainda faltam algumas jornadas para o término do campeonato, mas parece claro que o último fim-de-semana irá ter contornos decisivos, que nos acompanharão até ao fim do curso.
Era muito difícil que o Benfica – e a sua legião de admiradores de negro – conseguissem perder pontos antes do Clássico da Luz. E, ainda assim, em Vila do Conde, uma inesperada derrota dos encarnados, permitiria ao FC Porto – que entrava minutos depois na Choupana – reduzir a um misero ponto uma diferença pontual que, há umas semanas atrás, parecia irrecuperável.
Alguém se lembrou, seguramente, de 2012/13. Eu, pelo menos. O que se seguiu foi uma vergonhosa exibição na Madeira, sobretudo para uma equipa que sabia que tinha em mãos a melhor oportunidade da temporada para vencer um campeonato que, a todos, estava entregue à partida.
Esta época, o FC Porto perdeu 5 pontos na Madeira e esses podem ter sido precisamente os pontos que nos separam to titulo.
O que também se viveu na ilha, foi uma nova demonstração de erros de gestão de plantel e de cálculo de Julen Lopetegui em momentos de aperto. Sobretudo no segundo tempo.
O Porto chegou ao intervalo a ganhar. Não o merecia, propriamente. Tivera mais a bola, mas causara pouco perigo. O golo brilhante de Tello tapava muitas deficiências do jogo coletivo. Mas era um golo de 3 pontos, como se costuma dizer.
Para os segundos quarenta e cinco minutos era, simplesmente, necessário fazer o mais fácil, deixar o relógio correr, controlar o jogo e procurar ampliar a vantagem em lances pontuais. Sucedeu o oposto.
Tudo começou com a saída de Casemiro, ao minuto 52.
Não sei porque Lopetegui decidiu tirar o brasileiro. Tinha amarelo, sim, mas até então o jogo não tinha sido duro, não tinha exigido a Casemiro uma acumulação de faltas que o levasse a uma eventual expulsão. Quase todos os médios jogam largos minutos com amarelo e não saem por isso.
Há a possibilidade de que Casemiro – como quase todos em campo – tivesse problemas físicos já ao intervalo. Tentou aguentar, não conseguiu e pediu para sair. É um cenário possível que levanta outra questão, a do péssimo planeamento do plantel para uma posição chave, esse imenso flop que foi Campaña e a ausência de um médio defensivo de raiz no plantel, porque Lopetegui queria apenas um perfil muito concreto de jogador e que era demasiado caro para a SAD (Darder, Clasie, Camacho...).
Tendo em conta o estádio onde se jogava, a importância do jogo e a natureza do rival, a saída de Casemiro exigia um perfil próprio para a posição. Basicamente, qualquer jogador, menos Rúben Neves.
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Evandro e um "carro de combate" do Nacional (fonte: Maisfutebol / REUTERS) |
Gosto muito, muito do Rúben, mas nem ele é um seis de raiz, nem tem capacidade física para aguentar um meio-campo sozinho num jogo de máxima tensão longe de casa. Rúben está em processo de crescimento, é um interior reconvertido e tem tido um excelente primeiro ano. Mas na Madeira foi “queimado” por Lopetegui.
Que podia ter feito o espanhol?
Subir Marcano ou Maicon para a posição de pivot e colocar Indi, por exemplo. Era importante segurar a vitória, mais do que procurar a nota artística. Não era noite para floreados. Mas Lopetegui é teimoso, acredita que o seu estilo prevalece sobre as circunstancias – viu-se no Estoril, contra o Boavista (em casa), contra o Marítimo – e a partir daí o meio-campo perdeu-se.
Herrera estava só, porque Evandro fisicamente não podia (a gestão do plantel, outra vez em questão, face ao claro mau estado físico de muitos jogadores).
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Herrera cercado por jogadores do Nacional (fonte: Maisfutebol / REUTERS) |
Nesse cenário o Nacional cresceu. Procurou transições laterais rápidas, porque os alas estavam expostos. Não havia ajudas dos interiores nem dos extremos. João Aurélio parecia a reencarnação de Cafu e, ainda para mais, Alex Sandro estava em modo de não meter o pé e não correr mais do que o básico.
O perigo multiplicou-se e o Nacional deu sucessivos avisos. Lopetegui, impávido, voltou a errar. Ciente de que o meio-campo se perdia, lançou Quintero e Quaresma para os lugares de Evandro e Brahimi. Manteve o 4-3-3, mas deixou em campo um leque de jogadores macios, sem capacidade pressing, proclives a perder a bola e não recuperar. Abdicou de tudo aquilo que funcionou contra o Basileia. O descalabro foi inevitável. Rúben, Quintero e Herrera no meio e Quaresma, Tello e Aboubakar no ataque foram trucidados por um Nacional que pressionava, recuperava e lançava rápidos contra-ataques sem encontrar resistência. Marcaram um, podiam ter sido dois ou três. O título – perdido na Madeira, se é que está perdido – foi-se por má gestão táctica do colectivo.
O que podia e devia ter feito Lopetegui?
Dando por descontado que não queria quebrar a dupla de centrais (inconsequente num jogo assim a meu ver) e que Rúben entraria por Casemiro, o espanhol devia ter mudado o esquema de jogo de um frágil 4-3-3 para um mais compacto 4-4-2, quando o meio-campo deu os primeiros sinais de fraqueza.
Defender o resultado segurando o meio-campo. Procurando ter a bola e que ela circulasse, explorando dois avançados moveis nos espaços. Podia tê-lo feito de distintas maneiras.
Colocando Oliver no lugar de Brahimi, deixando Tello e Aboubakar nas alas, garantia mais posse, mais clarividência no jogo e as alas fechadas às incursões do Nacional. Deixava Tello em liberdade para explorar diagonais e Aboubakar a prender os centrais.
Outro cenário seria o de retirar Aboubakar e Brahimi e apostar em Quaresma e Oliver, com duas setas no ataque e um meio-campo de quatro.
Havia ainda uma terceira opção, a de colocar a equipa num claro 4-5-1 com Brahimi e Oliver acompanhados de Rúben, Herrera e Evandro no meio e Aboubakar ou Tello só no ataque. Os 3 pontos valiam o sacrifício e isso teria reduzido ao mínimo qualquer opção do Nacional.
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Evandro a lutar contra o meio-campo do Nacional (fonte: Maisfutebol / REUTERS) |
Qualquer um destes três cenários alternativos teria garantido tudo aquilo que as opções de Lopetegui não deram: controlo da bola e do espaço. Um ritmo de jogo imposto pelo nosso meio-campo, a exploração das diagonais entre o meio-campo e a defesa do Nacional e o impedimento de que os laterais pudessem subir em demasia para criar perigo. Lopetegui foi teimoso, mantendo o 4-3-3 com os jogadores mais macios que tinha e com isso provocou um naufrágio colectivo.
Um treinador está para treinar durante a semana – e aí o trabalho de Lopetegui tem sido positivo – mas também está para adaptar-se aos acontecimentos durante o jogo. Nesse cenário o espanhol ainda tem muito que aprender. O Porto raramente produz reviravoltas, a equipa raramente altera o esquema táctico e, num jogo de capital importância, exige-se mais ao líder do colectivo.
Duas viagens à Madeira complicadas, cinco pontos perdidos e a dupla sensação de um plantel mal definido com o seu consequente desgaste e, sobretudo, de um treinador que toma decisões erradas em momentos críticos.
Duas áreas a melhorar – e muito – para o próximo ano. Será difícil que o Benfica volte a perder pontos e será difícil ganhar por 0-2 na Luz (e ter um melhor goal-average). Mas talvez o mais difícil será não repetir erros cíclicos como tem sucedido esta temporada.