I. Casagrande e seus demónios: uma autobiografia
Há algumas semanas atrás, Walter Casagrande publicou uma autobiografia, em que fala da sua toxicodependência e das passagens por clínicas de desintoxicação.
«Walter Casagrande, antigo avançado brasileiro que passou pelo FC Porto, publicou um livro no qual relata um passado de drogas. “Casagrande e seus demónios” é o título da publicação, escrita em conjunto com um jornalista, e na qual também
garante que se dopou num clube europeu, embora sem referir o nome.
“Cansaço? Esquece. Se fosse preciso, dava para jogar três partidas seguidas”, conta o ex-jogador, a propósito do doping, citado pelo site brasileiro iG Esporte, que já leu o livro.
“Cocaína, heroína, tequilha, doping: durante 20 anos joguei uma roleta russa, copiando o comportamento de autodestruição que vi nos meus ídolos do rock, Jim Morrison, Jimi Hendrix e Janis Joplin”, acrescenta Casagrande. (…)
Casão faz questão de contar o inferno que viveu quando era viciado em drogas e o seu internamento, pois para ele é fundamental seguir em frente, dividir as dores da dependência e alertar para os perigos de um vício frenético, sem preconceitos, desvios ou mentiras. (…)
Agora com 49 anos, Casagrande teve uma passagem sem sucesso em termos pessoais pelo FC Porto, em 1986/87, mas venceu o título europeu com Artur Jorge. Na temporada seguinte continuou no futebol europeu, ao serviço do Ascoli, seguindo-se o Torino, antes do regresso ao Brasil.»
09-04-2013
II. Casagrande no programa do Jô
«Walter Casagrande, avançado que trocou o Corinthians pelo FC Porto em 1986-87, admitiu numa entrevista ao Programa do Jô, talk-show brasileiro apresentado por Jô Soares, que se dopou quando representava os dragões.
“No dia em que me estreei na equipa, no FC Porto, eu não sabia que ia jogar. Um jogador avisou-me, porque o treinador não dava a escalação [constituição] da equipa, e disse-me: 'Você vai jogar, mas tem que usar um negócio lá'. Então eu fui e usei”.
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(Casagrande no FC Porto x Vitória Guimarães, época 1986/87) |
“Usei umas quatro vezes… É uma situação que me envergonha, que me atrapalha muito mais do que pensar nas outras drogas que eu usei”, afirmou depois, revelando que a substância em questão “era injectável no músculo” e “dava uma disposição acima do normal”.
Questionado por Jô Soares sobre o controlo antidoping, Casagrande respondeu: “Não havia”.»
22-04-2013
Walter Casagrande estreou-se pelo FC Porto no dia 11 de janeiro de 1987, num desafio no Estádio das Antas contra o Vitória de Guimarães, o qual terminou empatado (2-2). O avançado brasileiro marcou o segundo golo do FC Porto, naquele que foi o único golo que marcou com a camisola azul-e-branca. Aliás, pode-se dizer que a sua passagem pelo Porto foi curta (menos de cinco meses) e mal sucedida.
Diz Casagrande no seu livro, na parte em que afirma ter-se dopado num clube europeu:
“Cansaço? Esquece. Se fosse preciso, dava para jogar três partidas seguidas”.
Três partidas seguidas? No FC Porto?
Lendo isto, quem não souber até pode pensar que Casagrande disputou muitos jogos no FC Porto e que, para aguentar o intenso esforço que lhe era exigido, tinha que se dopar (quatro vezes, diz ele). Vejamos, então, a realidade dos factos.
Casagrande participou em apenas seis jogos do campeonato português (perfazendo um total de 318 minutos) e na Taça dos Campeões Europeus 1986/87 teve uma utilização residual (cerca de 60 minutos e na final nem sequer saiu do banco de suplentes).
Quanto a ter disputado três jogos seguidos num curto período de tempo, bem, isso é algo que nunca aconteceu, nem nada que se pareça. O mais seguido que Casagrande teve no FC Porto foram dois jogos, com um intervalo de seis dias (!), em que esteve em campo uma “enormidade” de 90 minutos (63+27).
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Casagrande no FC Porto (fonte: zerozero) |
Talvez no Ascoli (96 jogos entre 1987 e 1991), ou no Torino (47 jogos entre 1991 e 1993), os outros dois clubes europeus onde jogou, Casagrande tenha disputado três jogos numa semana, mas no FC Porto isso pura e simplesmente não aconteceu.
Quanto à afirmação de que em 1987 não havia controlo anti doping em Portugal é, também, uma afirmação falsa.
Em Setembro de 1979, foi publicada a primeira Legislação sobre o Controlo Anti Doping (Decreto-Lei n.º 374/79), regulamentada no início de 1980 (Portaria n.º 378/80).
A partir de 1982, as análises começaram a ser efetuadas no Laboratório de Análises de Doping, passando a ser controladas outras modalidades para além do ciclismo, com base na legislação publicada no final de 1979.
Para início de conversa, quem quisesse investigar a veracidade das afirmações de Casagrande, só nisto apanhava logo duas mentiras, mas há mais.
III. As reações do médico, treinador-adjunto e companheiros de equipa
“São acusações falsas e graves. Essa prática nunca se efetuou no clube. As suas palavras [de Casagrande] são ofensivas à minha dignidade. As palavras de Casagrande também ofendem o FC Porto, que, se achar, deve accionar judicialmente o antigo jogador. Condeno em absoluto essas declarações. São falsas e ofendem a dignidade do departamento médico e do FC Porto. Lembro-me que Casagrande sofreu uma lesão grave num jogo em Brondby e que teve de ser operado. Depois disso foi eficiente e carinhosamente tratado no clube.”
Domingos Gomes (responsável pelo departamento médico do FC Porto em 1987), em declarações à Rádio Renascença
“Isso [doping] é completamente falso. Ele é uma pessoa desequilibrada, com problemas mentais, teve problemas com drogas... O que é que ele disse? Que levava injeções no músculo? Injeções de quê? Podia ser um anti-inflamatório.
O FC Porto, por iniciativa própria, introduziu controlos anti doping internos regulares porque tinha uma grande preocupação com esse aspeto. Havia ainda controlos da UEFA e os controlos nacionais, como o próprio Dr. Luís Horta já referiu.”
Octávio Machado (treinador-adjunto na época em que Casagrande passou pelo FC Porto), em declarações ao site Maisfutebol
“O FC Porto fazia controlos surpresa aos jogadores. Não foi por acaso que [Casagrande] foi mandado embora.”
Octávio Machado, em declarações ao jornal Diário Notícias
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(Casagrande e Madjer, Viena, Maio de 1987) |
“O que eu acho é que o Casagrande ainda deve estar na ressaca. O que ele diz nem bate coisa com coisa. Dizer que soube por um colega que ia ser titular? Isso é mentira, só sabíamos pelo treinador. Aliás, diz que não havia controlo anti doping, mas eu fui ao controlo antes da final de Viena.”
Augusto Inácio (internacional português que jogou com Casagrande no FC Porto), em declarações à RTP
“Estive seis anos no FC Porto e nunca vi, nunca ouvi falar disso e nunca ninguém me ofereceu nada. Durante os anos em que estive no clube fizemos vários exames antidoping. Tínhamos sempre estágio e concentração em hotéis. Era tudo controlado.
Se existiu [doping], foi de forma particular, de iniciativa dele [Casagrande]. Dentro do FC Porto, não.
Tomávamos vitaminas, anti inflamatório, massagens, mas doping mesmo não. Se eu tomei, fui enganado, mas não acredito nisso.
Vinho sim, mas doping para jogar, nunca vi. Quando vi a entrevista até pensei que ele estava a falar de doping quando já jogava em Itália, porque sei que ele teve na altura problemas .”
Celso (jogador brasileiro que jogou com Casagrande no FC Porto), em declarações ao site Maisfutebol
“Quase 30 anos depois vem dizer uma besteira destas. Não deve estar bom da cabeça. Mas trata-se de um rapaz que teve um percurso muito atribulado, meteu-se em coisas que não devia... Agora precisa de dinheiro e mentiu.”
Jaime Magalhães(internacional português que jogou com Casagrande no FC Porto), em declarações ao jornal A BOLA
“O historial de Casagrande fala por ele. Só o conhecemos pelo uso de drogas e desintoxicações. Essa história só pode vir de uma pessoa que não está bem da cabeça.”
Jaime Magalhães, em declarações ao jornal Diário Notícias
IV. E nomes, factos ou provas, há?
Casagrande não apresentou qualquer nome, facto comprovável ou prova que sustente as suas afirmações. Pelo contrário, parte do que disse é comprovadamente falso. Mas, para além das mentiras referidas, Casagrande foi desmentido pelo responsável do departamento médico do FC Porto, pelos ex-companheiros de equipa que já se pronunciaram e pelo elemento da equipa técnica que mais de perto convivia com os jogadores e que era responsável por observar o comportamento dos atletas fora dos relvados (o treinador-adjunto Octávio Machado).
Chega?
Para mim, sim.
Como é óbvio, atribuo muito mais credibilidade ao Celso, ao Jaime Magalhães, ao Inácio e ao Octávio (que, ainda por cima, está de relações cortadas com o Pinto da Costa), do que a um individuo com o passado do Casagrande e que, qual ovni, teve uma curtíssima passagem pelo Porto há 26 anos atrás.
Isto já para não falar no médico Domingos Gomes, pessoa que serviu o FC Porto e o futebol português durante muitos anos e que considero acima de qualquer suspeita.
Agora, para os jornalistas, adeptos e clubes que, à falta de melhor, vivem da suspeição e de sucessivas tentativas em denegrir o FC Porto, é evidente que estas declarações do Casagrande são um maná e irão tentar explorá-las o mais que puderem.
Por isso, sabendo do que são capazes (lembram-se dos ‘Donos da Bola’?), não ficaria surpreendido que os mesmos de sempre, já andassem à procura de mais algum ex-jogador do FC Porto, que estivesse disposto (a troco sabe-se lá de quê) a corroborar as afirmações de Casagrande.
E também fico à espera do dia em que o Casagrande vai dar (vender?) uma entrevista exclusiva à CM TV, Bola TV ou mesmo à benfica TV.
Aliás, e embora os casos e protagonistas tenham origens diferentes, eu comparo estas declarações/livro do Casagrande às declarações/livro da Carolina há uns anos atrás. Se virem bem, são dois casos com muitas semelhanças.
Falta apenas saber se a editora que irá comercializar o livro do Casagrande em Portugal é a mesma que editou o livro de Carolina Salgado.
(continuação em ‘Doping: estórias verdadeiras’)
Nota: Os destaques no texto a negrito são da minha responsabilidade.