Quantas vezes imaginei que o presidente mais titulado da história e um dos meus ídolos de adolescência iria apresentar um novo treinador como “primeira, segunda e terceira” opção que nunca treinou um clube de primeira divisão? Nunca.
Pinto da Costa sempre gostou de apostas arriscadas.
Ao contrário do mito urbano instalado, saiu-lhe tantas vezes mal como bem. Por cada Artur Jorge, José Mourinho e André Vilas-Boas houve um Quinito, um Fernando Santos, um Del Neri, um Co Adriaanse ou um Paulo Fonseca. Mas pronto, o pessoal gosta do copo meio cheio, que se pode dizer. Só que ao contrario do novo “Mister” – a quem desejo o melhor, como desejei aos anteriores detentores da cadeira de sonho por muito que pudesse ter considerado a escolha errada – todas essas apostas partiam de uma ideia estabelecida nos anos anterior pelo trabalho desses treinadores em clubes pequenos. Também se esquece muito facilmente que de todas as apostas de risco, as poucas que funcionaram, foram feitas em homens com cultura de casa FCP, que tinham trabalho directamente com grandes treinadores na história de clube como auxiliares e que tinham uma bagagem de alta roda maior do que o CV aparentava. Isso é válido para Artur Jorge, para José Mourinho e para André Vilas-Boas. Não o é para Julen Lopetegui.
O novo treinador do FCP nunca passou por uma primeira divisão na vida. E isso parece-me ser importante de recordar, não vá agora qualquer tipo com meia dúzia de horas de Football Manager achar que pode chegar ao FC Porto directamente do Tourizense.
Treinou dois clubes, o modesto Rayo Vallecano (do qual foi despedido sem impedir que a equipa caísse para a 2 Divisão B) e o Real Madrid Castilla, filial do clube da capital espanhola com quem também não teve grandes exigências. De aí, graças à sua velha amizade com Fernando Hierro e Vicente del Bosque, com quem trabalhou no Real Madrid, foi incorporado ao staff técnico de formação da selecção espanhola como seleccionador sub-19. De aí passou aos sub-21 com quem ganhou um titulo europeu em Israel de forma categórica e com uma equipa que deixou uma excelente imagem. Uma equipa com Thiago, Isco, Illarramendi, Rodrigo, De Gea e afins. Com a mesma geração (e uma outra, mais tarde, composta por Jesé, Deulofeu, Oliver Torres, Paco Alcacer e Suso), falhou por duas vezes chegar às meias-finais do Mundial de sub-20, o objectivo mínimo para a melhor geração jovem do futebol mundial. Um dado para ter na cabeça. De aí ao Porto foi um salto de pardal, com uma ajuda pelo caminho de um celebre empresário cuja sombra se vai estendendo, cada vez mais sobre o Dragão, e também de um velho colega seu no Barcelona, o putativo candidato presidencial (para alguns) Vitor Baia. Aposta pessoal de Antero Henriques (ao parecer ao contrario do “defunto” Paulo Fonseca), Lopetegui é a maior incógnita da história do FC Porto. De longe. Perigosamente.
O FCP está diante de um dos anos mais importantes da sua história.
Não é preciso dar muitas voltas. O Benfica está melhor, pode fazer o que o FCP nunca conseguiu fazer (sem detentor de todas as provas nacionais num mesmo ano e ainda juntar isso a um titulo europeu) e não dá impressão de que vá implodir brevemente. Tem crédito ilimitado, tem imprensa a bajular-lhes os pés, tem a sua influência nos corredores de poder assegurado e pela primeira vez em trinta anos está em legitimas condições de sonhar com o Bicampeonato. Não seria o fim do mundo mas seria um inicio de um novo mundo no futebol português. O equilíbrio seria maior do que nunca foi desde os anos oitenta. E chegaria num momento extremamente delicado para nós. Entre os duelos intestinais pelos que aspiram a liderar o clube no futuro, os problemas de solvência financeira com um passivo descontrolado que obriga a vender e vender, não estamos em condições, à priori, de dar o murro na mesa que se deu em 2010 com a chegada (por 12 milhões de euros) de um jogador fundamental como Moutinho e a manutenção de peças como Hulk e Falcao na frente de ataque. Este ano é altamente previsível que saiam Fernando, Mangala e Jackson Martinez, talvez num negócio conjunto como sucedeu no ano anterior. Ninguém descarte que também saiam jogadores como Varela, Defour ou Maicon. Helton tem o futuro profissional por um fio e Alex Sandro e Danilo são futebolistas que – não nos enganemos – foram contratados com a promessa que não ficariam aqui muito tempo. Não estarão satisfeitos.
Sem dinheiro para investir (e os últimos investimentos têm corrido bastante mal) e com muitos jogadores que foram mais cinzentos que luminosos este ano (Quintero, Herrera, Reyes, Quaresma) que agora terão de assumir outro protagonismo, o FCP precisava, mais do que nunca, de um treinador com um perfil de liderança, de elevada cultura táctica, de experiência a lidar com conflitos quotidianos, com ambições desmedidas de muitos meninos-mimados. Lopetegui pode ser o que Pinto da Costa (ou Antero) quiser. Mas não é nada disso. Durante 4 anos (quatro!!!) treinou duas semanas de três em três meses jogadores cujas preocupações eram nulas porque as deixavam para os clubes. Cada jogo era tão desequilibrado (
ver historial fases apuramento Europeus) que dava para gerir egos com comodidade. Exigência táctica? Muito pouca. Experiência em manobrar um balneário todos os dias? Nenhuma. Liderança em momentos de crise? Impossível de saber, nunca foi testada.
Lopetegui tem 47 anos. Não é uma jovem promessa do futebol mundial que passou debaixo do radar do mundo. É um homem que foi tantos anos comentador televisivo como treinador de futebol. Um homem com o CV que eu – se fosse adepto de um Vitoria de Guimarães – torceria o nariz. Até porque todos sabemos de cor seleccionadores de futebol juvenil que se transformam em grandes treinadores seniores com os anos, não é Carlos Queiroz?
O que é Lopetegui?
Uma escolha fácil, imposta por agente influente que se adequa à falta de liderança da estrutura do FCP, incapaz de contratar um treinador de perfil elevado (habitualmente incapaz de aturar o regime de imposição desta direcção na área desportiva) e com medo para apostar num novo treinador jovem português como Marco Silva depois do flop Paulo Fonseca e do despedimento de um bicampeão em titulo chamado Vitor Pereira.
O que é Lopetegui?
Um treinador que só trabalhou com jovens como era Jesualdo Ferreira, um homem que desperdiçou uma geração inteira de jovens promessas. Um treinador que vai ter a exigência de bater o pé ao Benfica enquanto as armas que tem na mão (salvo se Pinto da Costa tiver encontrado um bau de ouro) serão Quintero, Reyes, Herrera, Carlos Eduardo, Kayembe, Toze, Vitor Garcia, André Silva, Ghilas, Rafa e companhia. Por muito potencial que tenham, todos eles, não são nem Falcao, Hulk e Moutinho nem Isco, Thiago ou Jesé.
O que é Lopetegui?
Um homem de quem ninguém sabe nada (a começar por quem manda no FCP que terá acesso aos mesmos – escassos – vídeos que qualquer um de nós tem) e que herda um lugar onde Pinto da Costa quer ver à viva força Jorge Jesus ou André Vilas Boas mas que nenhum dos dois quer ocupar, deixando-o de mãos a abanar.
O presidente do FCP diz que o novo técnico é a sua primeira, segunda e terceira escolha e um exemplo da melhor liga do mundo. É pena que Lopetegui nunca tenha treinado na melhor liga do mundo (a mesma onde coabitam estilos tão variados como Paco Jemez, Diego Simeone, Tata Martino, Unai Emery, Ernesto Valverde, Carlo Ancelloti, Marcelino Toral, todos eles iguais como duas gotas de água presidente) e seja claramente o nome mais obscuro de uma lista que deveria ter sido elaborada a pensar na exigência do desafio que nos espera. Julen Lopetegui pode ser campeão europeu com o FC Porto. Nada me faria mais feliz. Com que ganhe o campeonato já me dou por satisfeito depois do ano que vivemos. Mas é a aposta mais arriscada de que eu me lembro num clube que considero de topo do futebol europeu. Se funcionar, Pinto da Costa terá acertado e recuperado a sua estrela. Honra lhe seja feita. Mas se falhar, será o segundo tiro consecutivo nos pés. Consciente, propositado. Um erro perfeitamente evitável (com Paulo Fonseca ainda podia haver duvidas) com olhar para o que este treinador logrou em dez anos de carreira profissional. Se nos sai um novo Del Neri não se esqueçam de quem preferiu voltar a colocar o seu ego pessoal à frente das necessidades do clube. Largos dias têm…
PS 1: O facto do treinador ter deixado cair a um jornalista seu amigo (da Radio Marca) a noticia de que seria o novo treinador do FC Porto antes do anuncio oficial (algo que a sua familia, alias, já o sabia há uma semana contrariando as graçolas de Pinto da Costa na apresentação) deixa muito a desejar como cartão de visita e contraria tudo aquilo que o FC Porto antes valorizava no sigilo e profissionalismo dos contratos assinados com técnicos. Del Neri fez o mesmo e sabemos quanto tempo durou...
PS 2: As caixas de comentários deste e doutros blogs da bluegosfera (e alguns artigos) alinham pelo discurso de que "se este é o homem elegido pelo NGP então é o melhor que podemos ter". Cada um é livre de pensar o que quiser, está claro, mas Pinto da Costa - o maior presidente da história de um clube em Portugal e alguém que nunca conseguiremos substituir à altura - não é infalível. A história já nos devia ter ensinado isso e ainda que todos - críticos e não críticos - queiramos o sucesso absoluto deste projecto porque somos todos portistas, um pouco de perspectiva não faz mal a ninguém...