No espaço de uma
semana o FC Porto ficou sem o seu lateral direito titular e o seu natural sucessor.
Pode ainda perder o suplente do primeiro, com contrato por renovar. Três
jogadores de uma posição que, sem ser critica, passou de ser de overbooking a
uma nova dor de cabeça para Sérgio Conceição e que voltou a levantar questões
entre os adeptos sobre a forma de trabalhar da SAD. A mesma que há umas semanas
foi aplaudida pela renovação de Iker Casillas – figura fundamental no balneário
e que demonstrou um enorme apego ao clube ao aceitar baixar o seu elevadissimo
salário – agora está baixo a mira dos adeptos. Por uma vez sem grandes motivos.
Ricardo Pereira
foi emprestado há três anos ao Nice. Era um extremo com algum potencial mas que
poucos tinham imaginado que se poderia converter numa figura preponderante como
titular a lateral direito. Lopetegui utilizou-o algumas vezes mas sem grande
sucesso e ninguém, absolutamente ninguém, parecia demasiado preocupado com a
duração do seu contrato, por um lado, e o valor da sua cláusula de rescisão, 25
milhões de euros, por outro. Os dois anos em França mudaram completamente o
cenário. Ricardo passou de dispensável a cobiçado por meia Europa, converteu-se
num lateral de projeção ofensiva tremendo, capaz de jogar em ambas bandas, e
quando voltou ao Porto encontrou uma nova realidade. A chegada de Luis
Gonçalves, o actual director desportivo, mudou o paradigma de trabalho. Há – e Sérgio
Conceição voltou a levantar essa questão numa recente entrevista – muitos vicios
antigos. Vicios da mesma direcção – e é preciso lembrar que a mesma direcção
dos êxitos dos anos 80, 90 e 2000 foi a mesma do desastre desportivo e
financeiro que nos atirou para os braços da UEFA na década em que estamos –
mas, sobretudo, de uma cabeça que já não está. Gonçalves tem outra forma de
trabalhar, mais profissional, mais enfocada com o clube e menos com o seu
portfolio pessoal, e isso tem-se notado. Mas há milagres impossiveis quando o
mercado é o que é, os jogadores são quem são e as limitações estão à vista de
todos em cada Relatório de Contas e cada aviso da UEFA. Ricardo chegou ao Porto
com meia Europa atrás e marcado por uma gestão anterior que o considerou
praticamente descartável. É normal que, apesar de tudo, viesse com desconfiança
e mais normal ainda que durante todo o ano achasse que não havia necessidade de
renovar o contrato para, sobretudo, ampliar essa cláusula de rescisão, que Luis
Gonçalves tanto tentou. Sabia que tinha mercado, sabia que tinha provado o seu
valor e sabia, também, que no passado o clube o tinha descartado sem problemas.
Sob a possibilidade de sair livre, a sua venda – tendo ainda para mais em conta
a necessidade de gerar mais valias até ao fim do mês – faz absolutamente todo o
sentido. Para o mercado de laterais direitos, Ricardo entra directamente para o
top. Sim, o mercado está inflacionado e o britânico mais do que qualquer outro
mas se há posição que pouco tem notado isso é a de lateral direito. Por outro
lado, a um ano do final do contrato, conseguir 20 milhões de euros por um
jogador que até há um ano e meio era quase visto como dispensável, nunca poderá
ser um mau negócio. Em 2015 devia ter sido renovado e a cláusula ampliada, sim.
Mas em 2015 poucos imaginavam a sua progressão e em 2015 quem geria o futebol
do clube tinha pouco interesse em negócios sem consequências paralelas. Ricardo
sai sendo um dos jogadores mais importantes de uma época fundamental, um
jogador que deu sempre tudo e que merece o nosso aplauso e dentro das
circunstâncias em que se move, a direcção desportiva também acaba por gerir a
situação bem – é dificil que Ricardo se valorize com o Mundial e as mais valias
têm de chegar antes do 30 de Junho – e com rapidez. Agora muitos podem dizer que
este negócio tinha lógica pensando em que a posição estava coberta por Dalot...e
agora também se perde Dalot. Não é de todo certo.
Em primeiro lugar
Dalot não era para Conceição nem nunca foi a alternativa directa a Ricardo.
Desde a época
passada passou a ser utilizado por Antonio Folha como lateral esquerdo porque
recebeu indicações de Conceição. O técnico principal, que nunca foi muito à
bola com Layun, via-o mais como alternativa a Alex do que a Ricardo, mostrando
sempre que teve ocasião grande confiança em Maxi Pereira. Dalot portanto nem
era o suplente de Ricardo e depois de realizar meia duzia de jogos, uma
inesperada lesão cortou o seu contributo na temporada. Nada garantia que era o
titular imediato de futuro para o técnico. Podia ser uma alternativa muito
sólida, podia ser, sem dúvida, o titular do depois de amanhã mas nada,
absolutamente nada, nos impõe a sua titularidade como um facto consumado. Por
outro lado Dalot sofre, como outros jogadores da formação, da mesma
consequência do mau trabalho realizado na base dos antecessores de Luis
Gonçalves que se deparou com uma geração de excelentes talentos formados em
casa mas pouco “mimados” pelo clube, jogadores com contratos muito inferiores
ao seu valor real de futuro, a ganhar bem menos que outros jogadores que
entravam em negócios com mais efeitos colaterais e cujo o futuro esteve
abandonado muito tempo. Apesar de portista – e ninguém deve porque, não faz
sentido, duvidar do portismo de Dalot – o jogador e a sua família, que têm
sempre, nestes casos, muito a dizer, sabiam não só de um interesse de meia
Europa como dessa falta de interesse, até Novembro, do clube. Foi a partir
dessa altura que Luis Gonçalves começou a trabalhar num pack de renovações em
que Dalot era prioridade. E durante esses meses o jogador e a família foram
dizendo que sim, que não, que sim, que não, que já vemos. A oferta estava na
mesa, era uma boa oferta – dentro das limitações do clube e do valor real
presente do jogador – mas Dalot não estava sequer em final de contrato pelo que
poucos imaginavam tanta urgência. O problema é que esse mesmo contrato original
tinha uma cláusula muito baixa – um reflexo da falta de interesse do clube na
formação nos anos anteriores – e que era perfeitamente acessível a meia Europa.
Dalot não sai porque não renova ou porque acaba o contrato. Não sai porque quer
forçar a saída. Sai porque o contrato original que lhe fizeram era mau para o
clube (cláusula) e para o jogador (salário) e porque apareceu outro clube, com
um perfil mediático e uma oferta financeira, irrecusável. Deixa 20 milhões de
euros em caixa (para um jogador com seis jogos de A e dentro da posiçõa de
lateral direito, uma cifra muito considerável), facilita a gestão do clube ao
gerar mais valias e não compromete em excesso o presente (o futuro a longo
prazo é outra conversa) já que, a todos os titulos, Dalot não era para
Conceição o que é, por exemplo Alex Telles.
E aí é importante
entender o paradigma.
Doi que Ruben
Neves tivesse saído praticamente grátis para o seu real valor, literalmente
empurrado pela necessidade de fazer dinheiro. Que André Silva tivesse saído sem
completar sequer o seu processo formativo. São simbolos da casa que saem cedo
com muito para dar. Dalot podia ter vindo a pertencer a esse clube, sem dúvida,
mas a sua decisão – cuja lógica pessoal é real no mercado actual – é também
reflexo de outra realidade. É cada vez mais dificil a clubes como o Porto, do
seu perfil e com os seus problemas económicos, manter as pérolas da formação
mais do que 3 ou 4 anos no plantel principal quando o seu valor é alto. Urge
criar uma cultura de potencialização desses activos com contratos que
recompensem os jogadores (salário) e protegam o clube (clausula) e esse
trabalho está a ser feito...agora. O que foi (mal) feito até ao presente tem e
terá ainda as suas consequências e a ida de Marcano para a Roma é só outro
exemplo. Mas na definição de prioridades desportivas presentes para Conceição
manter elementos chave da estrutura titular como Danilo, Alex Telles, Casillas,
Felipe, Brahimi ou Marega é mais importante que pensar a dois ou três anos de
distância porque as finanças do clube a isso obrigam e porque a entrada nos
milhões da Champions vai exigir, cada vez mais, o título e a competitividade
imediata antes de pensar no futuro. Se Dalot hoje sai por 20 milhões de euros e
Ricardo, também lateral direito e também para o mesmo mercado, sai por um valor similar, são reflexo da nossa
debilidade negocial mas também de que esse mercado, o de lateral, é o que é e
será muito dificil fazer negócios estratosféricos. Portanto na prática, apesar
da tristeza de não ver Dalot crescer em casa – por decisão sua – não se pode
falar em maus negócios em ambos casos. Fernando Fonseca terá a sua oportunidade
(outra boa promessa da casa), Maxi provavelmente renove (a saída de Ricardo,
Marcano e eventualmente Reyes vai também aliviar as arcas para gerir a sua
renovação, do gosto do treinador) e não há um drama sobre a mesa como poderia
existir se fosse Alex Telles – figura fundamental no jogo de Conceição – a sair
sem alternativas imediatas. A direcção desportiva do presente está a olhar pelo
futuro sem se esquecer que vive no limbo do dia a dia e também está a
sobreviver ao passado e à pesada herança que recebeu. O responsável principal
continua a ser o mesmo, em ambos os casos, e seguramente estas não serão as
últimas consequências negativas, mas a injeção de positividade de Sérgio
Conceição, o mais do que merecido titulo e uma forma de trabalhar de portas
adentro tem dado sinais positivos de que algo está, realmente, a mudar no
nucleo duro do Dragão.