Os terrenos incluídos no Plano de Pormenor das Antas (PPA) eram detidos por catorze proprietários, mas a maior parte, cerca de ¾ da área abrangida, pertenciam a apenas três entidades: Futebol Clube do Porto (51%), Lameira-Imobiliária, que integra o grupo de empresas Jomar, (15%) e Câmara Municipal do Porto (8%).
Sendo este o ponto de partida, é óbvio que sem o envolvimento destas três entidades e, particularmente, sem a anuência de quem tinha mais de metade dos terrenos – o Futebol Clube do Porto –, nunca a Câmara Municipal do Porto (CMP) poderia ter avançado com este ambicioso projeto de renovação urbana, o qual incidiu numa zona abandonada da cidade, que incluía espaços altamente degradados e onde se pode dizer que cidade a sério nem sequer existia (daí a comparação que alguns fizeram com a intervenção que, uns anos antes, tinha sido feita em Lisboa, nos terrenos da EXPO 98).
O PPA foi baseado numa espécie de operação de loteamento, através do emparcelamento do solo urbano, de forma a reajustar a configuração e o aproveitamento dos terrenos existentes para a construção prevista no plano.
Para tal, usou-se o princípio da “perequação compensatória”, prevista no Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.
A “perequação” consiste em calcular os metros quadrados (m2) de construção que caberiam ao conjunto dos terrenos, distribuindo-os depois pelos proprietários, a quem é depois atribuída capacidade construtiva em função dos terrenos com que participam. Ou seja, cada proprietário entra com os seus terrenos, recebendo uma parte da capacidade construtiva resultante do PPA na respetiva proporção (levando em conta o coeficiente de construção atribuído).
Nota: No caso do PPA, e relativamente aos pequenos proprietários, a CMP optou pela aquisição ou permuta de terrenos e, por isso, não foi atribuída área de construção a alguns proprietários.
Naturalmente, tal como acontece quando qualquer executivo camarário decide rasgar uma nova avenida ou renovar uma das ruas já existente no respectivo concelho, a CMP assumiu a responsabilidade da construção das infraestruturas (ruas, pavimentos, passeios, saneamento, etc.) que fizeram parte desta intervenção urbana.
Contudo, no caso do PPA, foi decidido que os proprietários envolvidos teriam de contribuir para o custo dessas infraestruturas. Assim sendo, 25% da capacidade construtiva atribuída a cada proprietário em resultado da “perequação”, foi-lhes subtraída e entregue à CMP.
No caso do FC Porto, cujos terrenos que possuía tinham sido adquiridos por diferentes direções do clube ao longo de décadas (e não, como aconteceu noutras latitudes mais a Sul, oferecidos pela respectiva câmara municipal…), a área com que entrou para a “perequação” foi de 161.749 m2 (mais tarde este valor haveria de ser revisto para 160.600 m2 [1] ). Desta área, o plano atribuiu a pouco mais de 5% (8.877 m2) um coeficiente de construção de 2.1, enquanto que aos restantes 152.872 m2 o coeficiente atribuído foi de apenas 1.05. Da aplicação destes coeficientes, resultou uma capacidade construtiva atribuída ao FC Porto de 179.157 m2.
Recordo que, poucos anos antes, em 1998, o Alvará de Loteamento emitido pela Câmara Municipal do Porto, abrangendo vários terrenos nas imediações do Estádio do Bessa, atribuiu a esses terrenos uma capacidade construtiva de 83.078 m2, o que correspondeu a um índice de 1.7 m3/m2. [2]
Para além do baixo coeficiente de construção atribuído à área que era detida pelo FC Porto (um coeficiente médio global de 1.1), a CMP, tal como fez em relação aos restantes proprietários abrangidos pelo PPA, retirou para si 25% à capacidade construtiva que tinha sido atribuída ao FC Porto, ou seja, 44.789 m2, sob o pretexto de comparticipação nos custos com as infraestruturas, ficando o clube com apenas 134.367 m2.
Posteriormente, através de um protocolo estabelecido entre a CMP e o FC Porto, a autarquia comprometeu-se a ceder ao clube uma área bruta de construção de 106.250 m2 (facto que iria motivar uma grande polémica… um ano depois, após a eleição de Rui Rio e de que falarei num próximo artigo).
Nota: Após os cortes feitos no PPA, e de acordo com a Cláusula 5.ª do Contrato-Programa estabelecido entre a Câmara Municipal do Porto e o Futebol Clube do Porto, datado de 4 de Fevereiro de 2003, a área bruta de construção cedida pela CMP ao FC Porto perfez um total de 90.245 m2 (e não os 106.250 m2 previstos inicialmente).
Rui Rio, após ser eleito (antes e durante a campanha eleitoral nada disse), insurgiu-se contra este subsídio em espécie dado pela CMP ao FC Porto (falarei nisso num próximo artigo).
Contudo, chamo à atenção que se a CMP tivesse atribuído aos terrenos com que o FC Porto entrou para o PPA (cerca de 161 mil metros quadrados) um coeficiente igual ao dos terrenos do Complexo Desportivo e Habitacional do Bessa (1.7), a capacidade construtiva resultante seria de cerca de 274 mil metros quadrados.
Isto é, depois de todos os cortes, ajustes, subtrações e adições, o Futebol Clube do Porto ficou com menos aproximadamente 50 mil metros quadrados de capacidade construtiva (224 mil versus 274 mil metros quadrados) do que aqueles que teria se, simplesmente, aos seus terrenos tivesse sido atribuído o mesmo coeficiente médio que foi atribuído aos terrenos do Boavista Futebol Clube.
(continua)
[1] Contrato-Programa entre a Câmara Municipal do Porto e o Futebol Clube do Porto, de 4 de Fevereiro de 2003
[2] Comunicado da Direção do Boavista Futebol Clube, de 14 de Fevereiro de 2002
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