No momento em que este artigo se escreve ainda não sabemos se o terceiro
milagre da década, qual segredo de Fátima, vai ter lugar ou não. Depois do
momento Kelvin e da epopeia Herrera, o FC Porto precisaría de outro golpe de
sorte – desta vez alheio – para poder conquistar o bicampeonato, um cenário
cada vez mais improvável. O FC Porto partiu como favorito, confirmou o
favoritismo durante uma volta, conseguiu uma vantagem histórica e deitou-a fora
a ponto de poder perder o campeonato a um jogo do fim. Esses são os dados. De
ser campeão nacional, cenário improvável, o FC Porto cumpre com o prognóstico
inicial e com o que fez durante meia época. Não seria um golpe de sorte, um
ajuste de contas divino apesar de ser necessário um milagre. Seria algo lógico
e natural. De não acontecer será uma profunda decepção. O denominador comum
neste debate sobre o FC Porto a dia de hoje, o de ontem e o que será amanhã tem
rodado à volta de um homem: Sérgio Conceição.
Num clube desprovido de Presidente – uma figura que se aproxima cada vez
mais aos velhos lideres de tribos indigenas, que fazem do silêncio e da
reclusão a base da sua liderança entregando as acções aos mais novos – e com
uma “Estrutura” que, pura e simplesmente, já não existe, a figura do treinador
é cada vez mais relevante, algo que o meu amigo e companheiro de escrita José
Correia tem defendido, com toda a razão. Acabou a era em que a dinámica dirigente
do FC Porto era a sua mais valia. Essa estrutura erosionou-se com o tempo.
Seria algo natural, tratado sem drama, porque o tempo passa para todos, não
fosse a cultura estalinista do Líder Supremo e a mentalidade de portistas
ruidosos que fazem de qualquer critica ou opinião contrária à sapiencia absoluta
e intocável dessa figura um insulto ao escudo e bandeira. Se por um lado
continua a parecer óbvio que quem Preside não dirige o clube - e o continuará
a Presidir até nos abandonar definitivamente, face às suas sucessivas
recandidaturas quando o tempo perfeito da retirada vai pasando e ele vai
assobiando - o que não deixa de ser igualmente evidente é que não há um leme claro
no clube abaixo da sua figura crepuscular que coloque ordem onde só existe o caos.
Não há um director desportivo com poder real – e a figura de Luis Gonçalves tem
sido cada vez mais próxima daquela que teve Reinaldo Teles, que também carecia
totalmente de influência e poder e actuava mais como uma ponte com o balneario do
que na tomada de decisões – nem uma direcção com caras e ideias novas.
Estamos
num clube onde um ex político como Fernando Gomes encontrou uma reforma de ouro
sem poder acrescentar nada de valor ao projecto. Um clube onde um advogado,
fundamental na actuação do proceso Apito Dourado, tem concentrado em si um
poder que ultrapassa em muito a sua real valia. Um clube onde o filho do
dirigente crepuscular, sem cargo eleito ou nomeado, se passeia como se fosse o
dono da casa com as chaves a tilintar no bolso. Nesse cenário dantesco o
optimismo não tem lugar e é um cenário já suficientemente antigo para acreditar
que vai mudar. Não vai. Pelo menos, não para melhor. Algo que muitos já
assumiram, algo que poucos estão dispostos realmente a mudar.
Nesse contexto a
figura do treinador ganha uma relevância especial.
Quando o actual Presidente o
era, de facto, o treinador era uma extensão sua mas, em última análise, o clube
era do Presidente, os êxitos eram do Presidente e o futuro estava nas suas
mãos. E eram tempos maravilhosos porque o Presidente exercia como tal e tinha
sagacidade mental, espirito e vontade de o fazer. Graças a isso vivemos uma
etapa dourada. Não a voltaremos a viver, não debaixo da mesma premissa. E
portanto esse treinador quase secundário, na narrativa de muitos êxitos, ganhou preponderância.
Exigia-se para isso um perfil especial. Jesualdo Ferreira foi o navegador
tranquilo durante a mais difícil tempestade mas não animava o povo.
Vilas-Boas, que a memoria não engane, começou assobiado por “miudo” e acabou
elevado a uma altura a que não lhe correspondia futebolisticamente, provou-o a história, precisamente
porque soube como animar o povo. Vitor Pereira tinha o futebol mas não tinha já os
meios humanos nem a voz. Paulo Fonseca aterrou cedo num momento de mudança profunda nas
estruturas de poder e acobardou-se. Lopetegui insurgiu-se como nenhum dos
anteriores contra aquilo que agora tanto nos indigna e foi cuspido na cara por
isso, deixado só aos abutres, com um título roubado e um plantel dilapidado.
Nuno esteve bem ao serviço do empregador, que não era o FC Porto, mas também viveu
o fantasma do Polvo, quando já começava a haver Francisco J. e emails, depois de anos de silêncio onde só Bernardino Barros e poucos espaços, como este, clamavam por acção e resposta. Foi com
ele que renasceu o Mar Azul, lembrem-se bem, ainda que não graças ao seu ingénio. E depois chegou Sérgio. O que
mudou de Sérgio para os seus antecessores imediatos? O momento Kelvin 2018.
Conceição trouxe um discurso à Porto porque viveu, sente e conhece o clube. É um dos nossos, sem dúvida nenhuma.
Uma versão hardcore do que um NES – sempre mais preocupado em agradar ao seu
melhor amigo e a cair bem a toda a gente – podía ter oferecido. Tacticamente
ambos não são técnicos de elite nem vão ser mas tinham uma ideia clara e
fechada, pouca margem de abertura e operaram com recursos escassos. NES apanhou
um Rui Vitória já em rota decadente e não o soube aproveitar mas foi o péssimo inicio da Champions
2017/18, o inicio avassalador das divulgaçoes dos emails pelo Porto Canal/Francisco J./Baluarte, e uma excelente
pré-temporada que preparou físi e mentalmente a equipa com um modelo táctico imitado
directamente do manual de Jorge Jesus, apontado ao jogo directo, vertical, com
dois pontas de lança e ausêncio de miolo de jogo, quem rematou definitivamente
com um treinador mediocre, com um plantel também ele cada vez pior a cada ano que passava e que colocou o
FC Porto no Natal com uma liderança relativamente cómoda.
Foram meses de
euforia, justificada, com um plantel de remendos (os mesmos do ano anterior com
a diferença de que já não havia pérolas da formação, vendidas meses antes a
preço de saldo), e com um espirito de cruzada contra um Penta que era e só podía
ser nosso. O Mar Azul, que já vinha embalado, foi reactivado e cumpriu. Os
jogadores encontraram uma motivação extra (Brahimi na Feira dixit) e o modelo
táctico inicial surpreendeu os rivais, habituados sempre a um Porto mais
rendilhado do que o rival. Quando começou a segunda volta ficou claro que algo
tinha de mudar. E não mudou. A equipa jogava igual mas havia menos pernas e
pulmões porque as rotações eram nulas e os rivais iam aprendendo a recuar para
não dar os mesmos espaços. A birra com Casillas colocou na baliza a um Sá que,
esforçado, não fazia a diferença. Sem o peso da Europa nas costas e com o
primeiro choque dos emails ultrapassado, o Polvo acordou e levou a Águia ao
colo durante semanas e nesse cenário o que fez o treinador? Nada.
Manteve exactamente a mesma filosofía, dinâmica e gestão e como recompensa
levou um set de derrotas nas Taças a que só ele parecia dar especial importância.
Sofreu uma goleada histórica na Champions por acreditar que o Liverpool podia ser
enfrentado como o Aves. E deitou borda fora cinco pontos de vantagem pontual
chegando à Luz necessitado de uma vitória para que não se repetisse o drama dos
anos anteriores. O milagre aconteceu, num jogo em que não houve superioridade
(a do jogo da primeira volta, onde o Polvo mostrou estar bem vivo, e que sim foi evidente), e com ele
houve titulo. Mas também sinais. Importantes. Evidentes. Ignorados.
O que define um grande líder é, sobretudo, a sua capacidade de aprender. O
maior maestro da vida é o falhanço. É normal perder. É normal errar. O que nos
define é a capacidade de superar esses erros. Esta época o que todos viram foi
a absoluta incapacidade de Sérgio Conceição de seguir essa premissa. O guião
foi similar. Equipa que entra forte - a pesar das dúvidas do mercado com o caso Marega na sombra e as primeiras lesões bem cedo - consegue
uma sequência histórica de vitórias, classificação na Champions, liderança
confortável face a uma nova debacle de Vitória, desta vez despachado, e sete pontos de avanço em
Janeiro. Dois mais que no ano pasado. O que convidava a experiência?
Diferente
gestão, não repetir os erros, gerir emocionalmente a situação. Liderar. O que
mostrou a realidade? Mesmos jogadores rebentados, outro flop na Taça da Liga
que custou mais do que parecia, outra ausência de aposta na formação ou na segunda
linha para muitos jogos que convidavam a dar oxigénio a figuras nucleares e um modelo táctico cada vez mais fácil de anular pelos rivais, sem
capacidade de readaptação. De aí a nova derrota estrepitosa com o Liverpool era
um passo. De aí a nova derrota com rivais directos (em dois anos, à falta de um
jogo com o Sporting, os números nos duelos directos de SC não são nada
positivos) e em vez de perder uma vantagem de cinco pontos, agora perdia-se uma
de sete. Com a diferença de que não havia já matchball. E sem matchball o
milagre tinha de vir de outro lado. Ainda não veio. Dificilmente virá. E com
isso o título deixa de ser opção. E pelos mesmos motivos que podía ter deixado
de ser um ano antes. Ausência de aprendizagem do erro. E isso é o importante
ressaltar.
Não deveria ser importante para uma liderança estável ser ou não campeão
este ano.
Ninguém ganha sempre ou sequer devia (e fomos tão mal habituados durante
décadas que isso nos fez perder perspectiva muitas vezes) e a derrota também
nos faz crescer. O problema não está em perder o campeonato se isso
significasse que os seguintes estariam ao nosso alcance. O problema é que
depois de quase perder o primeiro, vai-se perder agora um campeonato pela mesma
matriz de comportamento, pelos mesmos erros tácticos, pelos mesmos erros de
gestão de grupo, pelos mesmos erros de gestão de pernas, pulmões e músculos num plantel
de 25 que parece feito de 15 jogadores. Por tropeçar constantantemente nos
mesmos erros.
Eu sou e sempre serei defensor de periodos largos de treinadores
ao leme do clube. Acho que o tempo é a melhor arma de quem tem um bom plano, de
quem pode ver florescer a sua ideia. Em condições normais, um cenário como o
actual seria propicio para dar continuidade a esse ciclo com Sérgio Conceição.
Mas não com ESTE Sérgio Conceição. O Porto precisa de um Sérgio Conceição que
em lugar de fazer exigências (o paleio de “fico se tiver condições para…”
transpira portismo por todos os poros, sem dúvida) seja auto-critico e assuma que há erros
que repete com frequência pasmosa e que têm consequências. Que há decisões
incompreensiveis na gestão do grupo. Tanto faz se estamos a falar de Oliver, um activo destruido, ou
de transformar o melhor central jovem da Europa num lateral direito mediano (menos mal que já vendido) pondo fim a uma dupla que estava a funcionar muito bem. Se ignorar a melhor formação
sub19 da Europa e uma das nossas melhores em anos para dar o OK a chegadas como
as de Waris, Paulinho, Loum ou Fernando, contratações SUAS e não da SAD, que
muitas culpas tem no cartório mas não esas, concretamente. Que ter o futuro
melhor guarda-redes joven do futebol portugués e jogar nas Taças com um
não-futebolista como Fabiano. Que lançar Bruno Costa às feras quando tudo estar
perdido mas nos jogos “controlados” – palavra difícil de dizer no seu mandato
com qualquer jogo – o ignorar sucesivamente. O de insistir, 2 anos depois, no
pontapé de saída para à frente e que corra o Marega tão rugbiesco que até
assusta que ainda esteja válido. O de dispensar Sérgio Oliveira, chave na ausencia
de Danilo no ano anterior, quando é evidente que o Comendador não é o mesmo
jogador depois da lesão e necesita de um back up que o plantel não tem. E
podemos repetir muitos mais conceitos e problemas que se depararam sempre com a
mesma solução, a errada.
O Mar Azul é um conceito bonito e que serve para muita coisa. Todos cabemos
ali. Mas não façam do Mar Azul, um mar de estúpidos. Não somos homens das cavernas,
primitivos, para achar que o bater no peito, as caralhadas no banco, as
expulsões, as conferências de imprensa repletas de “bocas” e as rodinhas são o
todo quando devem apenas fazer parte de algo muito mais complexo. Algo que no entanto está profundamente oco
quando se salta da superficie. Num futebol moderno onde cada detalhe é
analisado à exaustão, onde a estatistica está por todos os lados, a preparação
física é hiper-profissional e onde jogamos contra um rival que vale por dois,
que alimenta outros clubes a seu belo prazer para sacar disso lucro, bater no
peito não chega, nem de longe. Pode ser parte da solução mas nunca ser “A”
solução e até agora, entre os prós e os contras, é isso que sobra. O Sérgio tem
muito por crescer como treinador e se o quiser fazer poderá ser bem melhor do
que é hoje. Há um ano ficamos todos com a sensação de que quería crescer e que
o êxito lhe ia dar tranquilidade mental e segurança em si mesmo para o fazer.
Não aconteceu nada disso. Foi mais inseguro e errou mais do que nunca. Se
quiser crescer esta é a sua casa e se souber limar os erros e potenciar as
áreas onde podemos crescer e melhorar, todos estamos no mesmo barco. Se for uma
réplica de si próprio, um downgrade do projecto original, então é melhor pensar
duas vezes se este é o melhor lugar para o fazer. A decisão é exclusivamente
dele. Oxalá tome a correcta e que o FC Porto possa crescer à custa disso.