Este texto sai propositadamente antes do jogo com o Basel.
Não quer ser um texto oportunista se o FC Porto garante o apuramento para os
quartos-de-final (primeira vez desde 2009, já lá vão seis longos anos) nem pessimista
se o improvável – a julgar pelo que passou na Suiça, suceder e voltemos a cair
com um rival à nossa altura (como passou em Málaga). E sai agora porque Julen
Lopetegui o merece.
É muito difícil – diria mesmo quase “colinhamente”
impossível – que o treinador basco conquiste o titulo que escapa desde que
Vítor Pereira vergou Jorge Jesus com um golpe de 92 graus Kelvin. Todos sabemos
o que se passa, semana sim, semana também, nos relvados portugueses. Não vale a pena dar mais voltas, apenas lutar até ao ultimo suspiro como exige a camisola e
culpar aqueles que realmente permitiram este controlo quase absoluto das
instituições arbitrais na sombra, esses que vestem traje. Com a Taça de
Portugal perdida – e mal perdida, é certo e inequívoco – e a Taça da Liga no
número 374 das minhas prioridades do ano (logo a seguir ao titulo de bilhar),
sobra a Champions League. E Lopetegui tem o claro objectivo de colocar o FC
Porto no top 8 da Europa. Se o fizer terá cumprido com uma parte importante da
sua missão. Terá merecido o nosso aplauso porque, já nos diz a nossa história
recente, não tem sido fácil chegar longe na Champions. Há outros que acham que
são os melhores treinadores do Mundo, não a jogar Playstation mas a treinar na
Europa League. Níveis de exigência distintos, está claro.
Lopetegui vai ficar um ano mais inequivocamente e pode ficar
com esse bom registo europeu e um subcampeonato que, se tudo correr bem, com
vitória na Luz incluída, pode obrigar o clube da capital a sofrer até ao último
jogo do ano depois de tudo ter procurado fazer (em jogos próprios e alheios)
para ser campeão mais cedo e tranquilamente. Lá chegaremos. Mas se hoje as
coisas correrem mal, o cenário afinal não será diferente dos Jesualdos, Vítor
Pereiras, Co Adriaanses e afins nos palcos europeus. Nada a que não estejamos
habituados. O que sim é preciso reconhecer é o trabalho de fundo realizado. E
aí é preciso dizer que a Julen o que é de Julen.
Não considero que seja um
grande treinador na esteira de grandes treinadores que o FC Porto já teve nas
suas filas. Não é preciso procurar exagerar para fazer justiça. Fui critico com
Lopetegui quando chegou, fui critico com as suas decisões, poderia sacar o
oportunismo de não ser campeão (como é provável) para dar-me a razão mas acho que o treinador
mereceu não só o segundo ano no banco como o meu respeito. E fê-lo sem
estridências, sempre com uma ideia concreta. Fê-lo sendo fiel a si mesmo, a
mesma fidelidade que transformou uma defesa com vários erros posicionais quando
a dupla era Maicon-Indi numa defesa de ferro muito mais bem estruturada quando
jogam Maicon e Marcano. Critiquei a incorporação de Marcano e graças a
Lopetegui hoje posso dizer que me enganei. Como o treinador, não está nem
sequer no top 10 dos melhores centrais que vi de dragão ao peito em vida. Não
está. Mas traz essa tranquilidade e organização que faz tanta falta num projecto
novo como este. Marcano é um exemplo. Um de muitos.
O crescimento espantoso de
Danilo, hoje um dos melhores do Mundo na sua posição, deve-se sobretudo ao
trabalho de Lopetegui que lhe meteu ordem e confiança na cabeça depois do desnorte que foi servir no ano passado. Danilo é um desses jogadores que, bem polidos pelo treinador, vai longe. Este ano prova-o. Uma pena que tenha perdido um ano de carreira por uma decisão presidencial nefasta. Mas não é único sinal positivo. Longe disso. A esperança de um futuro menos doloroso depois da sua
inevitável saída, com Ricardo Pereira a jogar, também é obra do treinador que pegou num extremo que tinha feito a posição para ensiná-lo, como fizeram no passado com Conceição de forma inversa, a que tem as condições para dominar o carril completamente.
A transformação mental –
sobretudo mental – de um Tello que jogava para si e tomava sempre a decisão
final errada num Tello que joga para todos e que, graças a isso, aprendeu a sacar
a espinha individual de golos que tinha atravessada, também é mérito seu.
Lopetegui é o homem que lançou Ruben Neves – a maior prova de confiança de um
treinador do FC Porto na formação desde que o Octávio Machado lançou o Ricardo
Carvalho – mas não o queimou, dosificando um miúdo que há um ano jogava
encontros de 80 minutos e passeava anónimo nas ruas. Foi o treinador que
recuperou emocionalmente Herrera – e que desastre foi Herrera no ano passado –
para o transformar num jogador mais colectivo ainda que continue a ser para mim
uma peça a mais na sua ideia geral e uma dor de cabeça para quem segue o jogo e se asfixia nas suas correrias sem sentido. Brahimi, Oliver, Alex Sandro, todos têm
crescido com a ideia de jogo colectivo de Lopetegui porque esta implica potenciar as
suas valências dentro de um bloco colectivo organizado, tudo aquilo que não se viu no ano passado.
Se considero – e considero – ainda que algumas das
suas petições pessoais em Julho foram tiros falhados totalmente – Andres Fernandez,
Opare, Campaña – isso não pode tapar o bom trabalho que fez em potenciar alguns
dos jogadores que já por cá havia. Nem todos, é certo. Quintero parece perdido
em ser sempre Quintero e Quaresma está condenado, já o sabemos, a ser Quaresma.
Mas são casos pontuais – e um treinador não é um milagreiro – num colectivo que parece cada vez mais mentalmente unido
em trabalhar em conjunto. Oito meses depois de ter começado a trabalhar com
grande parte do plantel, esse é o maior mérito do treinador.
Lopetegui tem uma ideia que o clube partilha e que implica
resultados a médio prazo, algo pouco habitual em que parece ter vivido os últimos anos no imediatismo absoluto. A carteira tem algo a ver com essa mudança (aparentemente) de visão. Nessa ideia há espaço para crescer o produto da casa –
o Gonçalo é bom exemplo e há mais a caminho, dêem-lhes tempo e dêem-lhes oportunidades – mas também
potenciar negócios da SAD como tem sido habitual. Danilo é o melhor exemplo (quem pensava há um ano que se poderia sacar lucro de um investimento como o seu?) mas a seguir vêm Aboubakar (do qual só temos 30%), Alex Sandro e se tudo correr bem na sala de aulas pode ser que Indi ponha em prática conceitos que, seguramente, conhece de sobra.
Depois dos tropeções iniciais
– os por culpa própria como o Boavista, a mancha mais negra no "reinado" do basco, e os por culpa alheia como o jogo em Guimarães –
a equipa está a uma vitória na Luz e um tropeção do Benfica do conseguir o que parecia
impossível depois de subir o Evereste com uma sucessão de demonstração de
superioridade inaudita frente a rivais complicados. E sem colinho, vejam lá. Há muito, muito trabalho por fazer. Muito. O nosso jogo
de bola parada é fraco. A nossa eficácia ofensiva também, para a superioridade
com a bola que geramos. Exige-se que uma equipa que domina totalmente o processo de construção de jogo seja capaz de rematar mais vezes e de forma mais acertada do que fazemos. O trabalho ofensivo, sobretudo de recuperação e
posicionamento melhorou de forma tremenda e hoje somos uma das melhores defesas da Europa. A equipa joga como um bloco, pensa
como um bloco e actua como um bloco, para o bem e para o mal. Quem viu o
perigoso que pode ser uma anarquia no relvado, no ano passado, sabe do que falo.
Espero sinceramente que o Lopetegui possa hoje à noite riscar um dos objectivos
do ano e trabalhar sem pressão até Maio (porque como estão as coisas aqui a
pressão sobra) e a continuar a pensar na sua ideia de FC Porto para 2015/16.
Sem ser um treinador que me enche as medidas e que me faz parar para ouvir o que tem a
dizer com devoção, como fiz com outros que ocuparam o seu lugar no banco
das Antas e do Dragão, não deixa de ser um homem que está determinado a deixar
um legado. E a esse tipo de homens sempre há que respeitar e esperar para ver
que Ás vão sacar da manga.