Pinto da Costa deu uma entrevista ao jornal El Pais, a partir do Dragão, capitalizando o eco mediático que as primeiras semanas de Casillas no Porto estão a provocar na imprensa espanhola. Nada mais normal e resultado de um bom trabalho do gabinete de comunicação do clube, que tem sabido posicionar-se correctamente nesta onda de "histeria" em Espanha com a saída de Casillas do seu clube de sempre. Não é qualquer dirigentes desportivo estrangeiro que tem honras de video-reportagem no El Pais - com leitores em toda a América Latina em valores muito superiores ao que tem em Espanha - e isso é sempre de saudar como reconhecimento mediático da aposta no guarda-redes espanhol.
A entrevista, em si mesma, teve um pouco de tudo. Pode ser lida aqui na integra.
Houve coisas óbvias - como é natural que haja - houve confissões que interessam mais à imprensa espanhola que a nós (a história Messi vs Ronaldo) e afirmações interessantes. O que houve, sobretudo, foi contradições e deselegâncias que não trazem nada positivo e que espelham bem o distante que está o presidente do Porto da sua melhor versão, aquele autêntico génio mediático que fazia parar o país com cada entrevista que concedia. A idade nota-se, cada vez mais, em cada intervenção, o que não deixa de ser algo absolutamente natural. Poucos dirigentes se mantêm no activo com esta idade e não parece haver sinais de que Pinto da Costa pare neste último ano de mandato. Talvez seja essa falta de memória ocasional que o passar do tempo provoca ou talvez seja, pura e simplesmente, uma acção deliberada e selectiva. Isso é algo que cai no campo da imaginação pessoal de cada um, a verdade só ele a tem. E seguramente, não a vai partilhar.
O certo é que Pinto da Costa, nessa mesma entrevista, tocou em alguns pontos relevantes:
a) pela primeira vez, sem piedade, acusou o Benfica de ter sido campeão com erros arbitrais para justificar o ano sem titulo de Lopetegui à imprensa espanhola (essa era a pergunta original).
Ora, se algo foi criticado, por grande parte dos portistas, foi precisamente a passividade e o silêncio de PdC - e da SAD - ao longo do ano, e como Lopetegui foi forçado a aguentar sozinho o peito às balas. Sair agora, já com a próxima época mais perto que a anterior, a falar num "pseudo estudo" que ainda para mais é pouco realista (o Benfica teve muito mais de sete pontos a mais do que devia) para justificar o que, durante o ano, se calou, é uma contradição. Faltou voz mais critica durante o ano. Criticas a posteriori valem de pouco. Se PdC eestava consciente - claro que estava, estavamos todos - de que o Benfica estava a ser levado ao "Colinho", porque não disse o mesmo durante o ano? Porque é que, desde o Apito Dourado - um tema tocado ao de leve e esquivado - se ouve cada vez menos Pinto da Costa falar dos erros de arbitragem que prejudicam o clube e se deixa os treinadores (como Jesualdo e Vitor Pereira bem sabem) como únicos porta-vozes? Não vale estar calado de portas para dentro para depois ir lá fora dizer algo que, além de ser óbvio, devia ter sido feito internamente. Não foi.
b) PdC por um lado reclamou que sempre está ao lado do treinador e que são escolhas pessoais e por outro deixou cair a alfinetada de que uma equipa com Falcao, Hulk e James só podia ganhar titulos, retirando mérito aos seus treinadores.
Foi uma frase sem qualquer tipo de contexto e que apenas fica mal ao presidente. Deselegante é o minimo que se pode dizer. Jesualdo teve Falcao e Hulk e perdeu uma liga por um escândalo arbitral. Villas-Boas teve os três e ganhou tudo, mas James era ainda um actor muito secundário e sugerir que qualquer treinador tinha feito o mesmo é retirar todo o mérito a um ano memorável. Não faz sentido. Por fim, Vitor Pereira teve Hulk e James mas passou um ano sem avançado e ainda assim foi campeão nacional. PdC pode afirmar isto como desculpando a Lopetegui não ter essas figuras mas nenhum desses jogadores era o que é hoje na altura em que aqui chegaram e deixar no ar a velha ideia que sempre reinou no Dragão de que se ganhavam titulos em "piloto automático" entra em contradição com a velha politica de escolher treinadores a dedo. Ou se escolhe treinadores porque se acredita na sua valia e competência ou se acha que qualquer um é capaz de ganhar e então não há mérito na eleição, a tal ponto de a mesma ser catalogada de ser "indiferente".
Foi Vitor Pereira um treinador indiferente para si, senhor presidente? Foi-o Villas-Boas? Foi-o Jesualdo? Se quiser esclarecer, tomaremos nota!
c) "Caros são os que não jogam!"
Essa frase, lapidar, faz parte de qualquer manual de gestão de grupo. Se só podem jogar 11 e se contamos com 25, convém que parte desses 25 sejam baratos o suficiente para rentabilizar o investimento nos 11. Ter 11 jogadores muito bons só compensa, financeiramente, se podemos permitir-nos ter outros 11 não tão bons mas que cumpram o papel. Ou isso disse Pinto da Costa.
Na prática, não há maior contradição possivel na entrevista.
Pinto da Costa, necessitado de justificar o investimento deste ano tanto no valor de passes - Imbula - como no aumento da banda salarial - Imbula, Maxi e Casillas...de momento - optou por outro salto em frente dizendo o óbvio, é preciso saber gastar bem e, se gastamos muito numas fichas, temos de poupar noutras. O curioso é que o FC Porto tem feito, nos últimos 10 anos, precisamente o oposto. O clube contratou dezenas de jogadores e dessas dezenas uma percentagem altamente relevante, a rondar os 35%, nunca trouxe nada ao clube. Excluímos já dessa lista as apostas que tinham tudo para dar bem e não deram, porque ninguém é infalivel e todos cometem erros. Mas mesmo excluindo esses casos, num clube com os problemas de financiamento do FCP 35% é uma cifra muito significativa. Que o homem que sancionou essa politica - e essas cifras - seja o mesmo que agora a renega como se nada fosse com ele, deixa perfeitamente clara a falta de critério em alguns negócios do clube. O plantel não teve dinheiro para ser investido nos anos pré-Lopetegui (e tanto Vitor Pereira como Paulo Fonseca sofreram isso na pele, ao contrário do espanhol que teve sempre quase tudo o que pediu) mas nesses anos o FC Porto continuou a ir atrás dos Djalmas, Sebas, Sammir, Quiñones, Izmailovs e companhia, continuando a pagar os seus salários durante anos sem nenhum retorno financeiro. Um mea culpa? Não, para quê? Se basta virar o rumo do navio para o lado oposto que ninguém se dá conta que o sol ficou do outro lado. Sempre e quando haja resultados - e o problema, para alguns, tem sido a ausência dos mesmos - tudo vale como politica.
d) o caso Artur Jorge. Felizmente há ainda quem tenha memória. Pinto da Costa saca peito de ter "descoberto" um Artur Jorge que ao "descer" o Portimonense era a escolha mais improvável, dando a sensação de que o FCP foi campeão europeu em Viena por um golpe de asa seu.
Todos os que conhecem a fundo a história do Porto sabem perfeitamente que, desde 1980, que Artur Jorge ia ser treinador do clube. Isso foi seis anos antes de ter sido contratado. Artur Jorge tinha, inclusive, um pre-acordo assinado com Pinto da Costa, a pedido de Jose Maria Pedroto, para tomar conta da equipa, uma vez que o "Zé do Boné", depois do bicampeonato, tinha tomado a decisão de passar a um posto de "Manager" com o "Rei Artur" como treinador de campo. O "Verão Quente" acabou com essa possibilidade. Pedroto, fiel á sua palavra, recrutou Artur Jorge para a sua equipa técnica em Guimarães e quando voltou ao Porto, apalavrou com Pinto da Costa e Artur Jorge que, uma vez que a ordem voltasse a estar estabelecida no clube, o plano original era recuperado. Morais, um treinador querido por jogadores, adeptos e alguns dirigentes, nunca esteve realmente destinado a treinar equipa, e só o agravar da condição de Pedroto o colocou como treinador principal no final da época 83/84. Pinto da Costa sabia que Artur Jorge - até porque Pedroto ainda vivia e nessa altura a sua palavra ainda era "lei" - seria o treinador para 84/85 independentemente do que sucedesse com Morais. Mas a memória não só é selectiva. Também pode ser traiçoeira. O que não retira - porque é impossivel - o absoluto mérito de Pinto da Costa nos seus longevos dias de cem anos
PS: Originalmente a data inserida, no caso do Artur Jorge foi, erroneamente, a de 1980. A mesma foi corregida, a história pertence a esse momento no tempo.
PS: Originalmente a data inserida, no caso do Artur Jorge foi, erroneamente, a de 1980. A mesma foi corregida, a história pertence a esse momento no tempo.